Uma semana


O título acima é o mesmo do filme que acabei de assistir e que me pôs a pensar de uma forma diferente. Não sei se já aconteceu com você, mas, algumas vezes, meus pensamentos produzem reflexos físicos imediatos, como a sequência de arrepios que faz os pelos dos braços ficarem eriçados, ou a taquicardia eufórica que leva o coração a disparar. Em ambas as sensações, o efeito colateral acaba sendo uma crônica como esta.
Uma semana, ou, sete dias, para os meticulosos; dez mil e oitenta minutos, para os pragmáticos; seiscentos e quatro mil e oitocentos segundos, para os analíticos; é o suficiente para rever, analisar e modificar toda uma vida. Você duvida? Então, precisa assistir ao filme.
Adianto que não se trata de um lançamento (aliás, abro um parêntese para sugerir que você vasculhe as prateleiras dos filmes empoeirados, uma vez que os novos têm deixado muito a desejar por baixo de suas capas lustrosas). “Uma semana” foi produzido em 2008 e, além de uma fantástica viagem pelo Canadá, nos leva a uma simples viagem pela vida.
Primeiro pensamento que me veio à cabeça: “Que mania temos de complicar a simplicidade da vida”, como se isto fosse causar impacto, admiração, glamour. Como se viver meramente e intensamente fosse coisa de gente medíocre, e para se mostrar inteligente e articulada a pessoa precisasse ter uma vida complicada. Coisa do tipo: “Nossa! Aquele fulano ou aquela cicrana enfrentaram e venceram todas as barreiras de dificuldades”, como se precisássemos subsidiar os livros de autoajuda!
Caraca, meu! A vida era simples, quando você podia enfiar o dedo no nariz, até alguém dizer para nunca mais fazer aquilo. A vida era simples quando você podia cantar desafinado e sonhar em ser um cantor de sucesso, até alguém lhe alertar: “Você canta horrivelmente!”. A vida era simples quando você desejava ter uma moto, até que resolveu possuir uma garota que virou a namorada que abominava moto, tanto quanto os homens que tinham uma. A vida era simples quando você sonhava em ter um livro publicado, até que todas as editoras lhe escreveram um enorme e mudo NÃO!
Estas são algumas citações do filme, o qual descreve a vida de um cara castrado. Não se espante, pois não se trata de filme de horror. Não me refiro à castração física, e sim a castração psicoemocional (apesar de considerá-la tão horripilante quanto). Um menino que desde cedo descobriu que viver significa ter de obedecer algumas regras de conduta, não necessariamente boas para ele. E que crescer é um processo conduzido e induzido, como um estado de coma, só que você fica “aparentemente” consciente. Tem certeza de que você nunca viu este filme?
Enfim, resenhando a ficção e desenhando a realidade certifico que a complexidade da vida só é soterrada com a praticidade da morte.
 Caraca, meu! A morte é tão simples e prática quanto à vida, mas a gente pensa que é imortal! E aí, não chega ninguém com o dedo em riste no seu nariz para dizer: “Você vai morrer mais cedo ou mais tarde, mas parecerá sempre cedo, portanto, viva como quiser, do jeito que lhe convier, enquanto puder.”
Não sei se o cara castrado morreu realmente, afinal, o filme trata de relatar uma semana da vida de alguém com diagnóstico de câncer irreversível (para o bom entendedor meio filme basta), mas sei que, em apenas sete dias, ele deu uma reviravolta de 720° e recuperou tudo o que perdeu em seus vinte e poucos anos de vida. Comprou uma moto, deixou da namorada que já era noiva, cantou, enfiou o dedo onde bem entendeu e tudo isto (que parece tão pouco) lhe rendeu um livro. Foi praticamente transplantado!
Segundo pensamento que me veio à cabeça: “A morte é o mais forte e verdadeiro despertar da vida”, como se ela precisasse bater em nossa janela para nos tirar do sonho de achar que estamos vivendo. E o último pensamento: ”Como a morte raramente avisa, a gente raramente desperta e parcamente vive”.
Enquanto isto, eu recomendo “Uma semana”.

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Dona de si

A fascinação por ela surgiu quando ainda era muito pequena, mais precisamente quando acreditava e me encantava com os contos da carochinha. Mas foi pela Baratinha, apresentada num disquinho azul, a minha inesquecível paixão.
Contudo, naquela época, não tinha noção alguma do efeito que aquele inseto feio (do qual até hoje morro de medo) causava em mim. Simplesmente a adorava e a ouvia todos os dias sem cansar. “Quem quer casar com a senhora baratinha que tem fita no cabelo e dinheiro na caixinha. Ela é formosa e quem com ela se casar...”. Como um bilhete que me permitia entrar no mundo azul das baratas encantadoras de garotas imaginativas.
Outro dia, porém, a velha musa inspiradora da infância voltou à minha memória. Assim, sem que qualquer barata horrorosa do mundo do faz-de-verdade cruzasse o meu caminho, Dona Baratinha entrou em meus pensamentos batendo na porta da sala das minhas fantasias e intimando: “Como é que é menininha, não lembra mais das velhas amigas? Esqueceu definitivamente  o caminho do mundo do faz-de-conta?” Foi quando passei a pensar nela.
Para ser honesta, foi quando passei a analisá-la (coisa de gente adulta que até viaja pelo mundo da imaginação, mas leva a razão na mochila) e me dei conta do porquê de minha fascinação por ela.
Dona Baratinha é que era a mulher de verdade!
Ainda que não fosse bonita (vou ser honesta outra vez), ainda que fosse horrorosa, que carregasse duas enormes e desproporcionais antenas sobre a cabeça, tivesse pernas exageradamente finas, o corpo sem curvas,marrom e cascudo, e em vez de sangue possuísse uma gosma amarelada e nojenta, ela se valorizava!
Sabedora do seu potencial em administrar e manter a casa com maestria, esmero e sem ajuda de qualquer exemplar do sexo masculino, Baratinha só pensou em casar quando encontrou algumas moedinhas de ouro ao varrer a casa. Perceba a determinação por trás da atitude da barata: “Agora que já tenho minha própria casa e grana para me manter, está na hora de arrumar um parceiro que divida comigo as coisas da vida”.
E assim o fez. Mas se engana quem pensa que Baratinha foi colocando qualquer um dentro de casa. Qual nada! Ela resolveu selecionar pelo mais alto padrão de exigência: aquele que satisfizesse o seu bem estar. Afinal, não era boba de acabar com a paz em que vivia!
E fez-se fila na porta da barata. A bichinha feinha atraiu até os gostosões do pedaço, aliás, o primeiro a dar em cima de Baratinha foi o boi; o mais forte, viril e cobiçado exemplar da redondeza. E o que ela fez? O dispensou sem sequer conjecturar que as amigas ou inimigas morreriam de inveja ao vê-la desfilar com bonitão bem dotado. Imagine ter que viver com um brutamonte que poderia machucá-la a qualquer momento!
E assim fez com o jumento, cabrito, porco, gato, cachorro... Ninguém que a assustasse, que a incomodasse, que a ferisse, que bagunçasse sua vidinha tranquila e equilibrada. Para todos estes, ela disse não!
Até que (assim como acontece na vida da gente, acontece na dos bichos) acreditou ter encontrado o companheiro ideal. Alguém do seu tipo, do seu número, do seu gosto, do seu sonho... Dona Baratinha disse sim ao senhor Ratão. E se deu mal!
De todos os atributos que identificou no noivo, um grande defeito lhe passou despercebido: o cara era guloso, esfomeado e desprovido de autocontrole. Tanto, que no dia do casamento acabou caindo dentro da panela da feijoada e quase morreu afogado. Com a sorte de ter descoberto esta faceta oculta antes de chegar ao altar, Baratinha mais uma vez disse não! E seguiu cantando, à procura de alguém que realmente estivesse à sua altura.
Nada de príncipe montado em cavalo branco, de sapatinhos de cristal, de fada madrinha ou bruxa malvada, Baratinha era dona do seu destino, mantenedora de sua vida, fazedora de sua história e tinha os seis pés no chão, embora possuísse asas e pudesse voar.
Concluindo, minha admiração por ela não surgiu à toa. Ainda pequena percebi que Dona Baratinha era das minhas, assim como todas as mulheres que são donas de si.

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