O bis que não experimentei


A título de esclarecimento, esta palavrinha miúda, que mais parece algo inventado num momento de êxtase, possui pedigree, e dos mais puros. Diretamente do (chiquérrimo) latim para as platéias acaloradas, “bis” significa duas vezes. Mas pelo direito que a emoção me concede, significa muito mais.
No meu dicionário emocional, bis significa reacender a sensação que estava prestes a se extinguir; a pulsação do coração que já começava a silenciar; o pedido de socorro do sentimento, antes de findar; o retorno da alegria; uma nova chance ao grito ou à lágrima.
Na prática, bis é um beijo a mais na despedida; um minuto a mais na partida; um novo encontro; outro telefonema ou mensagem; a tentativa; o recomeço.
Resumindo, mais do que a contagem de vezes (duas, pelo latim original), bis é a oportunidade de experimentar um pouquinho mais, aquilo que gostaríamos que durasse para sempre
Alguém pode, por favor, informar isto à Srta. Ana Carolina?
Aquela mesmo! Dona da voz inconfundível e da minha enorme admiração. A que me fez acreditar e cantar, que uma vida pode encostar em outra, numa rua qualquer. Que já me embriagou de emoção, a ponto de pensar em bater na porta de alguém completamente nua, e ainda, subir numa escada só para gritar que é amoooor!
É isso aííí! A mulher que canta que toda mulher gosta de rosa. Que compara o amor ao rock, mas garante que a personalidade dele é um pagode, com maestria.  A ela que, assim como eu, numa foi boa em matemática, mas manda bem em português; alguém poderia lembrar o que o bis significa?
Que é como adiar o “simplesmente aconteceu, não tem mais você e eu”, a quem esperou tanto para ouvi-la ao vivo. A quem nunca desistiu, apesar da demora. Que não levou em conta que estar perto dela poderia custar muito caro. Pelo contrário, programou-se para um empréstimo, se necessário, ao banco ou à mãe. Na pior das hipóteses, fazer um vale na empresa.

­ Ouviu, dona Ana Carolina?
Claro que não! Se ela não me ouviu no meio da multidão, nem reparou no meu braço erguido, junto a tantos outros, ritmando o coro de “mais um, mais um” (pelo português original).
Não viu o desapontamento que cegou os meus olhos, quando a luz se acendeu, nem a decepção que ecoou em meus ouvidos, quando os alto-falantes tocaram outra música, que não a dela.
Não se deu conta de que fui embora abraçada com a indignação, quando ela não retornou ao palco (na tal segunda vez), e com a boca amarga por não ter experimentado o bis que tanto desejei.
Se alguém puder lhe contar, diga também que, na saída, perguntaram pra mim se ainda gosto dela. Respondi:
“Tive” ódio! E morro de amor por ela!

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Brigadeiro de menta


Antes de qualquer coisa, preciso contar sobre as outras pessoas que já viveram em mim. Não se trata de uma carta psicografada revelando meus papéis em outras reencarnações, mas sim, a confissão de alguém que já se deixou habitar por tipos ambíguos e um tanto quanto funestos, em determinadas épocas da vida, nesta vida mesmo.
A primeira personagem que assumi, logo que larguei a infância, foi "A Rebelde". Sem nenhuma causa, mas por causa de tudo e de todos, eu era do contra. Na época cheguei a pensar que me tornaria uma guerrilheira, uma ativista política, porta-bandeira das injustiças sociais e também das familiares. Estas últimas, de tão insuportáveis, me levavam a confinar-me praticamente o dia todo em meu QG (Quarto de Guria) e, automaticamente, me converteram em uma "Menina Má".
Pra completar, não sei se por consequência, coincidência ou congruência dos fatos, além de megera, me sentia excluída, diferente, o “Patinho Feio”. Até me transformar em “Cisne”.
Já reparou que de peito empolado, pescoço erguido, bico empinado e nenhum farfalhar de penas, o cisne não nada, desliza? O quanto ele parece egocêntrico e arrogante? Eu era o próprio.
No meu jeito cisne de ser, vivi como se o vento jamais fosse soprar e formar ondas que bagunçassem a minha performance linear.Até que resolvi virar “Pata”.
Sabe, a pata que adora chocar ovos e esperar nascerem seus patinhos? Também fui assim. Contudo, acrescentei mais algumas atribuições ao papel tradicional da ave. Eu era pata mãe, pata dona de casa, pata esposa, patroa, enfim. A figura perfeita para estampar o avental de cozinha.
Mas aí, comecei a achar que, além de pata, estava me tornando “Chata”.
Existe coisa mais chata do que alguém que só fala (e pensa) nos filhos, marido, casa, empregada, faxineira, jardineiro? Quando lembro que poderia ter impregnado esta coisa chata para sempre, tenho calafrios. Saltei de banda! Tem certos papéis que definitivamente não servem para você, ainda que paguem bem.
Até que, finalmente, resolvi assumir de vez o mais difícil de todos os personagens: “Eu Mesma”.
Não se engane, encarnar estereótipos, vestir figurinos, desempenhar scripts, é moleza! Lidar com o próprio eu é que são elas!
Leva um tempo para acostumar a ser legitimamente você. E uma das etapas cruciais para manter a própria identidade é reconhecer-se em suas fraquezas. Listar um breve dossiê dos tipos de pessoas e de papéis que já representei é uma fórmula, não só de me conhecer, mas de compreender as outras pessoas em seus papéis.
Fica tão mais fácil entender os adolescentes rebeldes de agora; as meninas complexadas; as pessoas arrogantes; as mães incorrigíveis; as mulheres submissas; lembrando que, em algum momento, já fui assim. Julgar, condenar e detestar pessoas pelos defeitos que verdadeiramente possuem, não fará com que elas mudem e ainda estressará você.
Assim, quando me pego mordendo o lábio de irritação porque uns e outros resolvem encarnar tipos desagradáveis para cima de mim, lembro que se estiver consciente, firme na condição de ser eu mesma, nada me atingirá. Respiro fundo, e tomo para mim o controle da situação. Funciona!
Outro dia, quando topei com um bando de cisnes (do tipo que citei aí em cima) querendo posar de donos da lagoa, confesso que o primeiro desejo que tive foi espantá-los a pedrada. Mas lembrei da velha técnica de controle da situação e, em vez de pedra, juntei algo que tenho verdadeira paixão, para afugentá-los.
   − Senhoras, experimentem este maravilhoso brigadeiro de menta, é um presente meu.
Não mudei a condição de cisnes daquele bando, tampouco era este o meu objetivo. Apenas, fiz com que abaixassem o pescoço por algum momento e provassem algo doce, para variar.

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Toalhinha de crochê


“Quando vejo um pedinte na rua fico imaginado se fosse um filho meu.” Disse estas palavras sem olhar em meus olhos e seguiu executando sua tarefa, sem perceber que havia deixado uma grande emoção no ar, que, literalmente, inspirei.
Não sou favorável às homenagens que transformam esta condição da mulher num feito extraordinariamente difícil, praticamente um fardo. Tampouco concordo com a frase que diz que ser mãe é padecer no paraíso, e confesso que tenho vontade de fugir no meio das solenidades que, em vez de festivas, mais parecem um cerimonial de velório, pondo todos os presentes aos prantos, e algumas homenageadas (eu, por exemplo) aos soluços.
Gosto de pensar em mãe como um fenômeno natural. Tal qual a lua e o sol; a noite e o dia; a chuva e o estio... Coisas comuns a nós, sem as quais dificilmente existiríamos, contudo, necessitam mais de atenção do que de homenagem.
Mãe não é santa! Mãe erra, vacila e cai nas emboscadas da vida. Muitas vezes atrapalha, incomoda, e é culpada mesmo. Por isso, acho incabíveis as pseudo-orações maternais, praticamente apelativas. Vejam o compromisso que colocam sobre uma mãe, tão logo acabam de ler que ela é excepcionalmente isto, aquilo, e aquilo outro. Uma lista de itens imaculados que ela mesma vai grifando mentalmente com X vermelho: “neste eu falhei”.
Trocando em miúdos, prefiro ter, e ser, mãe com pouco alarde e nenhum sensacionalismo.
Por isso tomei a frase dita pela mãe que pintava minhas unhas como o fio da meada para tecer a crônica deste ano. Nada mais expressaria tão lindamente o barato de ser mãe do que o sentimento que vem de dentro, a partícula viva do que há de mais raro no mundo, amar incondicionalmente.
Quem mais olharia para um mendigo com olhos de preocupação? Enxergaria por detrás da cortina da imperfeição? Perceberia o que se esconde sob o peso do pecado e amaria sobre todas as sentenças e condenações? Sem dúvida, uma mãe.
Mas o grande engano parte daí. Amar deste jeito não é nenhum milagre ou feito santificado pelo qual devam se ajoelhar todos os filhos e agradecer. Sentir este amor que brota, simultaneamente, ao gerar um ser, é um presente, uma exultação, uma alegria indescritível, um êxtase, isto sim!
Mãe não é perfeita! É como a lua que desaparece quando bem entende e só volta quando quer. O sol que ora aquece e conforta; ora queima e extingue. A chuva que tanto salva, quanto afoga. O estio, por vezes, benção; por outras, praga. Como toda criação, é feita de poderes e de fraquezas. Porém, a ela (ouso dizer que exclusivamente a ela) foi dada a capacidade de sentir o amor verdadeiro, simples, puro e despretensioso.
Assim, para arrematar com esmero, a mãe que me inspirou é extraordinária como uma reconhecida obra de arte e, ao mesmo tempo, singela como uma toalhinha de crochê.

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