Hã?




Não é a primeira vez que acontece de alguém pedir a minha opinião sobre algo que não faço a mínima ideia do que seja. “O que você acha do UFC?” Para situações como esta costumo utilizar a velha e eficaz estratégia da contra-pergunta: “Hã?” Assim, despretensiosamente, como quem não quer nada, apenas um tempo para decifrar o enigma em questão.
No princípio achei que UFC fosse a sigla de algum time de futebol. União Futebol Clube? Perceba, portanto, como o “hã” não só nos salva de respostas ridículas, como força o inquiridor a explicar melhor sua pergunta.
 “O que você acha das lutas do UFC que estão sendo transmitidas pela televisão?” Ele perguntou novamente.
Ah! Bom! Por que não falou antes? Disto eu entendo! Ou melhor, não consigo entender. Como é que alguém pode gostar de assistir duas pessoas se soqueando até sangrar, e ainda torcer para que uma delas caia estendida no chão, de preferência desacordada que é para não ter chance de se levantar?!  Respondi exatamente assim.
Já em outra ocasião, quando estava praticamente diplomada pelo Google em MMA (agora é sua vez de dizer “hã?” que eu explico)...  Como estava dizendo, quando eu já havia pesquisado tudo sobre as artes marciais mistas, que pelo acrônimo em inglês significa (mixed martial arts), foi uma voz feminina que me indagou: “Você não gosta do UFC?”
Note que quando uma pessoa constrói a frase desta forma “você não gosta?”, é porque ela já sabe que você não gosta, mas quer saber até onde vai o seu estranho jeito de ser.
Aquela garotinha delicada estava tentando entender como alguém (que era eu) poderia não gostar de assistir duas pessoas brigando até sangrar, de preferência o lutador babaca que falou mal do Brasil. Graças ao meu instinto de sobrevivência neste estranho habitat Globalizado, na ocasião, me encontrava muito bem informada sobre todos os detalhes e poderia discorrer sobre sua pergunta com categoria.
 
Mesmo que se trate de homens lutando, e que isto possa representar o resgate da essência máscula, violenta, mas heroica, dos lutadores da Roma Antiga; ainda que os gladiadores de séculos atrás tenham reencarnado (segundo Galvão) neste terceiro milênio;  que os altos índices de audiência destes (reality) shows, rendam muito dinheiro às emissoras de TV; blá-blá-blá... Acho estas lutas um entretenimento (?) de extremo mau gosto!”
Entretanto, me restringi à mera frase: “Não, não gosto”.
Certamente esta não foi a última vez que me senti um alienígena vivendo entre os terráqueos.
Numa noite destas saí com um casal de amigos. Conversa ia conversa vinha e, entre uma frase e outra, o marido da minha amiga dizia “a culpa é da Rita!” Neste caso, não utilizei o “hã?”, porque não era uma pergunta dirigida a mim, era uma afirmação. A culpa (que eu não sabia do quê) era da Rita (que eu não fazia a menor ideia de quem fosse).
Caramba! Curiosa do jeito que sou passei a noite inteira com a “Rita” atrás da orelha. No outro dia, porém, não tinha a menor dúvida de quem poderia me ajudar. Corri para a internet e digitei a frase que o marido da minha amiga ficou repetindo a noite inteira.
E, como eu já suspeitava, descobri que a Rita é um personagem deste planeta Globalizado, assim como a doce menina que curte brigas sangrentas, e o másculo marido que gosta de novelas idiotas.
Depois de tantas e assustadoras constatações, desejo perguntar ao Google: “Será que sou de outra galáxia?”. Mas temo que ele responda: “Hã?”.

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Não diga que não avisei



Ainda que não me enquadre mais na categoria de estudante, sempre que as férias escolares chegam sou instigada a dar uma fugidinha extra da fatigante rotina dos diplomados. Muito mais do que a gurizada fico criando possibilidades mirabolantes de passeios inusitados que pichem a alma com inscrições indeléveis do tipo “eu estive lá”.
Com o advento da internet, mapas, guias turísticos e opiniões de viajados, foram descartados. O “quente”, depois de ter decidido para qual destino irá seguir, é entrar nos sites que fornecem a lista completa de hotéis, pousadas, hostels, albergues, para você escolher o que preferir e couber no seu bolso.  E, para garantir que não está sendo enganado, informam preços, expõem fotos e, até, avaliações de pessoas que se hospedaram nestes locais. Enfim, só falta a velha frase: “Não diga que não avisei.”
E foi desta forma, vasculhando dentre as várias opções a que melhor se encaixasse no bolso e no coração (a famosa dupla custo-benefício), que li o comentário de uma pessoa achincalhando em seu melhor português a pousada em questão.
Tendo a ficar constrangida sempre que alguém lança sua ira sobre algo ou alguém na minha frente, mesmo que entre nós exista uma tela de computador e incalculáveis quilômetros de distância. Sinto-me envolvida na situação,como se tivesse culpa de algo que nem sei o que é, e devesse fazer algo se soubesse como.
Pois bem, a mulher (havia me esquecido de mencionar que o comentário mordaz partia de uma mulher) detalhou minuciosamente todos os itens de sua indignação ( raiva, zanga, repulsa?) sobre a (pobre, desprovida, indefesa?) pousada, ali mesmo, escancaradamente, via internet para que todo mundo lesse, inclusive eu e a minha tendência “cumpliciosa”.
Claro que antes de construir qualquer avaliação sobre um acontecimento pondero entre as razões e culpas envolvidas, que é para não sair tomando partido de um ou de outro pelo calor da exaltação. E foi deste jeito que me lembrei da mensagem intrínseca contida no site de hotéis: “Não diga que não avisei”.
Poxa, a senhora exasperada estava reclamando por serviços e acomodações de (no mínimo) três estrelas a uma pousada sem estrela nenhuma, composta de uma estrutura simples exposta (por fotos) para quem quisesse ver, e optar por suas tarifas 50% (no mínimo) mais baratas! Sem dúvida é mais um daqueles desatinos em que a pessoa quer dar pouco e receber muito.
Como cúmplice que não tem nada a ver com o barraco fiquei tentada a enviar um email à senhora equivocada sugerindo algumas regrinhas de como utilizar melhor o mecanismo da inteligência, mas acabei deixando prá lá, num surto de “eles são desbotados que se entendam”.
É que esta é uma mania nacional, imortalizada na figura de Gerson (e o seu vantajoso Vila Rica). Para quem não é do tempo em que cigarro era fashion, ele foi o cara que propagou a cultura do “pagando menos por mais” ou “dando pouco você merece muito”.
O pior efeito colateral (depois do câncer de pulmão) foi que o egocentrismo material gerou metástases nos dispositivos emocionais. Atualmente, a economia de si mesmo é a grande invenção que se carrega por todos os lados, sem fazer volume.
Doentiamente as pessoas foram economizando afetuosidade, poupando sorrisos, acumulando carinhos, contendo elogios, barganhando amor. Em contrapartida, o mundo foi sendo invadido por seres egoístas, carrancudos, frios, invejosos, solitários que vivem exigindo vantagens dos outros para si, e congestionando agendas de consultórios de psicanálise.
A lei de retorno é clara até para quem não sabe ler: Quer receber? Dê em troca.
Ela se aplica às questões materiais e às emocionais também. Desta forma, para não haver equívocos, confusões, frustrações e desilusões pesquise antes, procure bastante, decifre até o que não está nas entrelinhas, e jamais diga que não avisei.

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Sem rodinhas




“Ela continua desorganizada como sempre.” Começou a me contar, com esta frase, a visita a uma amiga em comum que não vejo há muito tempo. E, no desenrolar do relato, fiquei sabendo que nossa amiga desorganizada da adolescência, não só vive muitíssimo feliz em sua residência cheia de filhos, enteados, bichos, (pó), como conhece boa parte do mundo.
Tá certo que conserva até hoje o estilo “mochileira”, mas desta forma (de mochila) já visitou toda a Europa e boa parte dos Estados Unidos.
Mirei o chão, enquanto ouvia minha amiga contar sobre a nossa amiga que mantém o reboco das paredes da casa descascado; a pia cheia de louça (suja); o chão cheio de vestígios do último café da manhã (ou do penúltimo?), e enxerguei a grande e velha pedra dos caminhos:  APARÊNCIA.
Automaticamente, imperceptivelmente, inconscientemente...sei lá, juntamos paradigmas pela vida (feito pedras), os guardamos na mente (feito bolso), e seguimos pesados de tantos padrões.
Achamos que o cara de terno e gravata é mais feliz do que o cara de camiseta e boné, como se gravata e terno fossem garantia de alguma coisa (não é a toa que os maiores golpistas vestem terno!). Contudo, a questão aqui não é o terno, e sim, a ilusão causada pela aparência.
Praticamente reverenciamos mulheres belas e bem vestidas como se fossem mais importantes, inteligentes, interessantes. Sem termos trocado uma única palavra, colocamos beldades no topo da pirâmide social, simplesmente pelo visual.
Assim acontece com tudo que vemos. Carros belos e possantes nos levam a crer que transportam pessoas realizadas e felizes, casas enormes e impecáveis nos fazem crer que abrigam famílias perfeitas e afortunadas, e por aí vamos.
Enquanto a minha amiga organizada - dona de uma casa impecavelmente limpa de paredes de massa corrida intactas - relatava a visita à casa engraçada da nossa amiga desorganizada, pude visualizá-la chegando com sua bela mala de rodinhas (que raramente rodaram), e perguntei em silêncio a mim mesma: Qual das duas carrega menos peso?
Não pense que sou amiga traíra, que sorri pela frente e faz careta por traz. Tomei minha amigas como exemplo, mas me coloco no mesmo plano. No plano das pessoas que ainda são ludibriadas pela aparência. Que acham que pacotes bonitos contêm os melhores conteúdos. Leia-se aí: pessoas, carros, casas, empregos.
Não nego ser enganada pela impressão, sempre que vejo imagens de pessoas em aeroportos carregando suas bolsas, malas e valises decoradas com hologramas famosos (Louis de Tal, Victor das Tantas). É como se eles tivessem superpoderes! O superpoder da aparência.
Até entendo porque tanta gente vive querendo comprar “poder” falsificado.
Mas depois da visita da minha amiga à nossa amiga desorganizada (viajada e feliz), chutei de vez todo e qualquer resquício de aparência que ainda poderia me fazer escorregar.
Se tiver de optar entre uma mochila sem marca ou uma mala de rodinhas e hologramas cobiçados, (não penso nenhuma vez) escolho chegar mais longe.

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Vovó e o lobo


Há poucas semanas fiquei espantada e, consequentemente, inspirada por um crime feminino. A assassina das malas absorveu algumas horas do meu pensamento, disparou o alarme da sala dos meus assombros, furtou murmúrios de pavor e me rendeu uma crônica.
Há poucos dias, outra matadora tomou para si minha atenção, penetrando em minha mente, disparando a campainha do quarto das fantasias e me rendendo boas risadas.
A vovozinha homicida remexeu em cada uma das gavetas em que guardo conceitos, preconceitos, teorias, opiniões, causando uma bagunça completa.
Jamais imaginei que, algum dia, pudesse achar graça de um crime. Até assistir a entrevista da senhora gaúcha, de 87 anos, que acabara de matar o ladrão que entrou em seu apartamento, enquanto ela dormia. Claro que me dei conta da minha heresia.  Até olhei para o lado, a fim de conferir se alguém de carne e osso teria testemunhado o meu desatino, e para o alto... Mas como, igualmente, não havia nenhum sentinela celestial, soltei a gargalhada reprimida.
Devo estar perdendo o juízo, pensei durante o banho (tenho uma leve suspeita do que pode estar causando o disparo da conta de energia da minha casa). Eu, que há semanas atrás critiquei, com todos os verbos e adjetivos que o poder da escrita me concede, a mulher que matou o marido e o despachou em três malas para o mato; não consigo deixar de rir ao rever a confissão da senhorinha gaúcha, acometida de artrite e que mal consegue caminhar sozinha: “Pensei, é ele ou eu. Então, decidi que seria ele.” E, com um revolver calibre 32 consumou sua decisão.
Fui remetida à história do lobo mau (aquele que engoliu a vovó da Chapeuzinho Vermelho inteirinha),e voltei de lá com uma explicação plausível para o meu desvario.
Deve ser o cansaço de ouvir e ler sobre a crueldade do lobo ( das histórias infantis e de gente grande), sobre as vovozinhas indefesas ( vovozinhos, criancinhas, mocinhos, mocinhas...também). De saber da ferocidade com que os malvados têm adentrado nas casas, nos carros, nas lojas, nas vidas, e furtado cada um destes itens impunemente.
Deve ser a nostalgia dos tempos em acreditava em super-heróis, em mocinhos justiceiros, policiais leais e poderosos. A saudade de bater os pés e as mãos, ao ver o bandido levar a pior.
Sou defensora dos direitos humanos, repudio todo tipo de violência contra os seres,  dos hominais aos vegetais. Por conta disto, sou uma incompetente matadora de moscas.  Mas, convenhamos, de tanto ver a maldade fazer chacota dos indefesos, assistir a frágil senhora sair ilesa da cena do crime, me causou exultação (imoral?).
Ok! Confesso o meu delito (aplaudi a vovó). Mas firmo minha defesa no argumento de que o meu ato é resquício da minha formação em fábulas. Onde o lobo não saía ileso para contar a história, pelo contrário, ia parar no fundo do rio com a barriga cheia de pedras, que era para não correr o risco de voltar. E a vovozinha...vivia feliz para sempre!

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