Quem dá mais?


 
Sou da época em que tabu era mais do que um perfume barato. Convivi com este monstro invisível que, ao que tudo indica e pelo que tenho observado, encontra-se soterrado.
Confesso, contudo, que ainda não me acostumei totalmente com esta era libertária. Outro dia vi uma garota totalmente nua na novela das sete... oito... sei lá... era no início da noite,  e me peguei espantada: “ não seria cena pra sessão coruja, enquanto as crianças dormem?”
É que o monstro deixou marcas profundas, principalmente nos seres que nasceram com a inscrição:” frágil - delicado -mimoso - sutil -  bibelô”. Nós mulheres, é claro.
O malvado sussurrou nos ouvidos da humanidade, por exemplo, que o hímen era um invólucro sagrado que resguardava a integridade moral, espiritual, corporal, (e o escambáu!) da mulher.
É claro que a notícia acabou chegando aos meus ouvidos também. E, numa época em que não havia aula de educação sexual, eu não fazia a menor ideia do que seria este tal hímen!
Devo ter perguntado. Alguém (que não lembro quem) me disse que era uma membrana fininha, igual à pele do ovo, que a mulher possuía (no lugar tal), que era o atestado de virgindade e, automaticamente, de sua integridade.
Se fechar meus olhos agora, consigo rever a imagem que criei do lacre da mulher direita. Praticamente uma madrepérola. É que o tabu tinha destes sadismos de enfeitar o terrorismo com frufrus para parecer menos atemorizador. Embora, eu nunca tenha acreditado que uma coisinha tão ínfima e oculta fosse responsável pela manutenção ou destruição do caráter de uma mulher.
Muito bem, queridas e queridos, esta historinha de hímen já era, já foi, já DEU!
Atualmente, das teorias sexuais, faz-se uma leitura dinâmica. Pula-se a parte da virgindade e vai-se direto para os métodos anticoncepcionais. Aprende-se tudo rapidinho, que é para chegar logo na parte mais interessante, os métodos (e posições) eróticos. E ou não é?
Por que resolvi escrever sobre a virgindade, então?Porque fiquei sabendo que uma menina daqui do meu estado, de Santa Catarina, pôs sua virgindade a leilão pela internet, e fiquei pasma!
Não pela atitude da garota. O atestado de virgindade é dela, ela que o rasgue do jeito que quiser e bem entender; estou pouco me importando se a sua pele de ovo, for bicada por este ou por aquele pinto; também não estou nem aí se a madrepérola virou um negócio, como ela mesma admitiu. Tá certo, o negócio é dela! E, pra resumir, eu não sou mãe desta guria.
Mas também não sou ingênua, burra, otária, para não ter sacado que ela deu o primeiro passo. O mesmo (e certeiro) passo que deu a “bullyinada” da faculdade, a ingênua Geisy Arruda, para galgar os degraus que levam à Playboy, à Fazenda, ao Big Brother, e faturar muita grana!
O que me deixou pasma, atônita, abismada, boquiaberta de verdade, foi saber que existem homens que ainda cobiçam um hímen intacto! Que dão lances altíssimos pelo (prazer?) de deflorar uma virgem! Aqui, agora, neste tempo em que o sexo é mais banal do que banana na feira!
E que, antagônica e ridiculamente, a internet, a mídia, a imprensa, os meios que mais contribuem para extinção de todo e qualquer tipo de tabu remanescente, resolvam desenterrar o sentido arcaico da castidade feminina para faturar sobre ele.
Nada mais burlesco, antiquado, retrógrado e machista poderia inspirar o meu dia e uma crônica.
E eu que, às vezes, me acho jurássica...
Ha!  Mas eu já estava me esquecendo de mencionar a parte mais tocante, emocionante, comovente desta história toda. Enquanto o negócio não é fechado (ou aberto), a virgenzinha passa os seus dias em sua alcova virtual, dando entrevistas e lendo livros de filosofia. Não é meigo?!



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A bruxa Zul


 
Zulmira olhou-se no espelho e não gostou do que viu. Todos os dias ela se olhava no espelho e todos os dias não gostava do que via. Tinha olhos arregalados, nariz comprido enverrugado, queijo torto e todos os dentes estragados.
Zulmira era feia de doer. Tinha cabelos vermelhos, secos e fedidos, em cima deles, um horroroso chapéu preto e pontudo. Usava um vestido tosco e comprido e uma faixa roxa na cintura. Até o espelho se arrepiava ao refletir tão horrível criatura. “Pobre Zul!” Pensava Cristalino, o espelho amigo de Zulmira.

Todos os dias era a mesma ladainha. Ao ver-se no espelho a moça se achava uma bruxa. E Zul era mesmo uma bruxa, só que uma bruxa diferente. Em vez de ficar feliz sendo tão feia, ela choramingava descontente:
— Quem disse que tenho que ter este nariz comprido, este queijo torto e estes dentes estragados? Quem disse que preciso ter cabelos fedorentos e usar este chapéu envergado? Quem disse que preciso usar este vestido ultrapassado, sujo e rasgado?

A vida não tinha sido fácil para Zul. Desde pequenina ela se achava diferente das outras bruxinhas. Enquanto todas contavam, faceiras, a primeira verruga que nascia no nariz, Zul tentava escondê-la com o pó da casca do ovo de perdiz. Ninguém entendia direito os modos daquela bruxa menina que em vez de aprender poções e bruxarias adorava misturar as flores e criar perfumaria.
Tinha pavor de aranha, medo de rato, nojo de gambá, fugia das baratas e de cobras nem queria ouvir falar. Sonhava com morcegos de tanto pavor que tinha. Mas nos sonhos da bruxa Zul cada morcego virava uma linda borboletinha. A bruxarada esperava que com o passar da idade a bruxinha pegasse gosto pela coisa e saísse pelo mundo a fazer muita maldade.

O tempo passou, Zul cresceu e ficou uma bruxa feita. Mas quem esperava que a as coisas mudassem, enganou-se. A pobre bruxa até tentava fazer as coisas perfeitas. Ensaiava a risada apavorante, testava poções maléficas com a bruxa Adelaide, tinha aula de voo em vassoura, participava da convenção anual e ouvia com atenção as palestras das mais experientes em assunto de maldade. Anotava tudo num caderno para nunca esquecer. Mas, por mais que tivesse tentado, Zul não conseguia aprender.


Como poderia ser uma bruxa normal se ainda tinha pavor de aranha, medo de rato e de barata e nojo de gambá? Como poderia estar contente se todos os dias, quando se via no espelho, desejava ser diferente?
Então um dia, depois de ter sonhado com morcegos de asas de borboleta, bruxa Zul tomou uma decisão. Ia partir sem que ninguém a visse. Na calada do dia, enquanto todas as bruxas dormissem, ela partiria. E assim o fez.
O sol brilhava alto e quente. Zul ajeitou o chapéu, amarrou a trouxa de roupa num pau e lá se foi para o alto da montanha. Queria ficar sozinha para pensar e sabia que lá em cima onde o ar era puro e fresco as outras bruxas não ousariam chegar.
Já no topo da montanha, Zul descobriu uma casinha pequena de madeira escura que parecia abandonada. A bruxa, então, cansada, se atirou no chão duro e dormiu. E sonhou. No sonho uma bela moça veio lhe falar. Vestia um vestido azul da cor do céu e tinha asas transparentes que a faziam flutuar.
— Você não nasceu para ser má. Como qualquer criança você nasceu para ser o que desejar. Para ser o que quiser basta seguir o seu coração que irá se transformar.

Zul acordou de supetão e nas palavras de seu sonho se pôs a pensar. “Quer dizer que não preciso ser feia e má? Posso fazer as coisas que pedem o meu coração? Puxa! Se for assim, de hoje em diante não serei mais uma bruxa!”
Daquele dia em diante a bruxa Zul só ouvia o seu coração. Das plantas que tanto gostava passou a cuidar. Misturava flores perfumadas, em vez da malcheirosa poção. Cuidava dos bichinhos que a sua volta vinham brincar, dava-lhes água comida e carinho. De tão feliz que estava, passava os dias a cantar.
A bruxa Zul até se esquecera do espelho Cristalino no qual se olhava todos os dias. Na verdade ela achava que aquela imagem de bruxa não deveria ser a dela. Afinal, seu coração tão bondoso em vez de torná-la tão feia deveria fazê-la bela.
 
Foi então que por descuido, certo dia, a bruxa Zul ficou de frente para o espelho. Sem poder fugir da imagem ela viu-se, com surpresa, de corpo inteiro. Esfregou os olhos com muita força e voltou a esfregar. A moça que ela via não era ela e sim aquela que em sonho viera lhe falar.
Tinha cabelos longos e macios, olhos vivos e serenos, o nariz era perfeito e o queijo era pequeno. Zul abriu a boca abismada: “Será que estava sonhando?”. Foi então que viu os dentes, brancos e lindos brilhando. A moça não acreditava, o vestido tosco sumira, no lugar do negro e rasgado, o cetim azul reluzia. As mãos eram lisas e delicadas, as unhas limpas e aparadas. Zul não agüentou, caiu de joelhos no chão sem saber se ria ou chorava. Ao ouvir seu coração e toda a bondade que nele existia a bruxa havia se transformado numa boa e bela fada.
O espelho amigo, Cristalino, de felicidade sorria. Em vez da bruxa horrorosa, era a fada Zul que para sempre refletiria.

 

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Bruxas à solta



O bacana de assistir a um filme pela segunda, terceira ou quantas vezes sentir vontade, é que você não precisa mais ficar tão ligado nos fatos e diálogos, pois já sabe o que vai acontecer e, praticamente, o que será dito. Sua mente pode brincar de entrar e sair da paisagem cinematográfica sem correr o risco de perder a parte crucial da história e deixá-lo boiando no final, junto com as letrinhas brancas do “casting” sobre a tela preta.
Além da paradinha para mexer a pipoca, pegar o guaraná e fazer xixi, você pode se ausentar da trama para bater um papinho básico com você mesmo. Foi o que fiz, enquanto assistia pela segunda ou terceira vez (perdi a conta) “As bruxas de Salém”, protagonizado pelos maravilhosos Daniel Day-Lewis e Winona Ryder.
 O filme é baseado no episódio ocorrido, em outubro de 1962,na América do Norte, em que, por pura superstição, pessoas inocentes foram julgadas e condenadas à forca pelo crime de bruxaria no pequeno povoado de Salém, Massachusetts.
Enquanto pescoços eram pendurados em cordas, corpos arremessados no vácuo e pés dançavam no ar com a morte, falei para mim mesma que se tivesse nascido na Europa, entre os séculos XV a XVII, certamente teria sido caçada e (caso capturada) condenada à forca ou à fogueira.
Como espiritualista não duvido que isto tenha realmente acontecido numa encarnação anterior e que eu tenha sido sentenciada à fogueira, uma vez que reencarnei com a pele um tanto quanto “tostada” desta vez (brincadeirinhaaa!).
Contudo, a caça às bruxas não é mero enredo da dramaturgia, como alguns podem pensar. Mas sim, um impactante fato histórico marcado pela perseguição religiosa e social que teve início no século XV, perdurando até o século XVII.  Durante três séculos ou mais, cerca de 50 mil pessoas foram executadas por crime de bruxaria, 75% mulheres.
Bastava ser diferente. Ter algum dom especial, dotes medicinais, mexer com ervas, curar ferimentos, servir de parteira, ter pensamento próprio, questionar crenças e posturas religiosas, seguir outra religião que não fosse católica, ou, simplesmente, acreditar num patuazinho qualquer de boa sorte, queimar incensos perfumados, dançar à noite na mata, de dia no quintal de casa... Enfim, se por estes últimos itens eu já estaria ferrada, imagina se admitisse, naquela época, que preferiria mil vezes utilizar a vassoura como meio de transporte do que de limpeza.  Condenação na certa!
Quanto ao filme, deixa claro que além de fatores sensíveis e intuitivos inerentes à alma feminina, existe um sério desencadeante da faceta “bruxesca” da mulher: a paixão.
Já ouviu dizer que mulher apaixonada é um perigo? Pois acredite. A bonitinha do filme, a de carinha angelical e jeitinho indefeso (Winona, é claro), era a perversa da história. A que causou a morte de dezenas de pessoas.
 E toda esta maldade, por quê? Porque o cara por quem ela se apaixonou, caiu de quatro e rolou no feno (Daniel, é lógico), rejeitou-a. Porque era casado, e não só se arrependeu da besteira que fez como lutou até o fim para defender a esposa, pois a bruxinha fez de tudo para enfiar um colar de corda no pescoço da rival.
Está sentindo um “déjà vu”?  Não se espante, não é preciso ter vivido na idade média para testemunhar barbáries como esta.
Vou lhe contar um segredo. Não me pergunte como eu sei, mas sei.  Existe até hoje, e acredito que sempre existirá, uma bruxa adormecida em cada mulher. Quando ela se apaixona a bruxa desperta. Se correspondida, será boa; se rejeitada, muito má!
Por isso, (e já que aboliram forcas e fogueiras), é prudente que se ande sempre com gravetos e fósforos na bolsa. Se é que vocês me entendem...
Quem não entendeu que assista ao filme... quantas vezes quiser.

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