O show tem que continuar




Das minhas músicas preferidas, da época em que as músicas eram poesias cantadas que marcariam época e se tornariam imortais, “O Bêbado e a Equilibrista”, sem dúvida, está nas primeiras colocações da lista.

Numa parceria  de João Bosco e Aldir Blanc, a música, além de ser um berro nos ouvidos da ditadura militar vigente na época, é um hino de esperança inspirado pela morte de Charles Chaplin, em 1977. 
“O bêbado com chapéu-coco fazia irreverências mil pra noite do Brasil”. A música é linda, a letra é fantástica e para mim cabe inteirinha neste momento. 
Estamos vivendo outra vez uma ditadura. Não uma ditadura militar, mas um regime onde o governante aglutina todos os poderes, o que não deixa de ser a mesma coisa.  
Não vemos aqui um cerceamento dos direitos individuais, pelo menos não até agora. Pelo contrário, assistimos a um desregramento sociocultural conveniente ao sistema alienante do governo. Ou seja, vivemos numa ditadura às avessas disfarçada de democracia.
Aristóteles e Platão contaram lá atrás a história do ditador como um indivíduo que ganha o controle social e político pelo uso da força e da fraude sobrepondo regras estabelecidas para perpetuar o poder. Alguém já viu este “remake” na versão 3D brasileira? Aposto que sim. 
Não cabe mais a postura de pessoas que fingem que vai tudo bem obrigado! Pessoas que esperam sentadas em frente às suas janelas pelo momento em que a senhora Justiça toque a sirene, ocupe as ruas e dê o toque de recolher aos ditadores. 
Não dá para engolir mais o fato de que pessoas fiquem impassíveis diante de todas e tantas aberrações que vêm devastando os valores sociais. 
Levanta-se a bandeira da degradação do meio ambiente e todos batem no peito para fazer barulho e dizer que estão de olho nos predadores, o que é muito bacana e louvável. Mas quando se trata da degradação social, da ação direta e exterminadora dos princípios morais e éticos dos indivíduos da nossa sociedade, a maioria finge que não ouve, que não vê, não faz barulho, não quer se meter. São vítimas da propaganda subliminar criada pelos meios de comunicação para serem introduzidas no inconsciente coletivo. Também chamados Idiocratas.
Ouso e, ao mesmo tempo, lastimo em afirmar que, na miscigenação das várias raças colonizadoras deste país, o povo brasileiro constituiu-se numa linhagem de sangue ralo e morno, que o torna apático e submisso. Presa fácil para os dentes afiados dos tiranos.
Por tudo isto lembrei da música,  porque  a minha esperança  sobre o futuro deste  país encontra-se na corda bamba sem sombrinha,  e também, porque, tal qual Chaplin para João Bosco, a grande inspiração da minha vida está partindo.
Como é difícil compreender que o show de todo artista tem que continuar.

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Da incerteza do certo



Do velho, mas sempre recomendado, exercício de conhecer-se a si mesmo, confrontar-se com as nossas expectativas  com o propósito de escolher quais valem a pena manter na prateleira intitulada “desejos possíveis” e quais jogar na lixeira da desistência, é apenas um dos embates diários em nossas batalhas pessoais.
Expectativa é algo extremamente complexo de se lidar, pois além das que você já alimenta por si só, tem as que os outros alimentam por você, sobre você e todas as apostas que deveriam importar apenas a você. Ou seja, como se não bastasse nossas próprias expectativas sobre os nossos anseios para nos deixar ansiosos, tem a expectativa dos outros para nos enlouquecer de vez.
Certamente, de todas expectativas da minha, da sua, da vida de qualquer ser humano, ver o amor vingar é uma das que ocupam lugar de destaque na  tal prateleira dos desejos pessoais. Um amor que dê certo, de todos os objetos, é o nosso xodó!
E é exatamente a expectativa de encontrar o amor perfeito que desencadeia nossas maiores aflições e, intoleravelmente, o maior número de palpites alheios.
Quem já não ouviu, no auge de uma avassaladora paixão, alguém soprar-lhe nos ouvidos o vento odioso da duvida: “Você acha que isto vai dar certo?”.
Um minuto após o nocaute você olha para pessoa, dá um sorriso tonto de quem acabou de levantar da lona, e pensa em como rebater à altura o golpe baixo arremessado diretamente em seu coração.
Lógico que não! Nem você, nem eu, nem o intrometido  que resolveu antecipar o futuro, do qual  a única coisa que sabemos é que é incerto.  Ninguém poderá   garantir que “isto”, que é como sua grande paixão foi resumida, vai se transformar no amor perfeito e dar certo.
Claro que esta é a expectativa e, consequentemente, a parte aflitiva de qualquer relação. Ninguém vê os dias, meses, anos passarem ao lado de uma pessoa pensando: “isto não vai dar certo.” A menos que seja masoquista! Por outro lado, dias, meses, anos ao lado de alguém não garantem ter sido a escolha certa, o amor perfeito, nem coisa nenhuma. Pelo contrário, o que pareceu ser  certo por um razoável período de tempo, pode passar a dar errado de uma hora para outra. 
Temos mania de perseguir o certo, de tentar encalçá-lo no esconderijo secreto das coisas raras  e expô-lo publicamente como um troféu de nossa vitória certeira. “Estão vendo, eu sei fazer a escolha certa!” Como se a vida fosse imutável. Como se tudo não se transformasse a todo instante, até os sentimentos. 
Confesso que, por várias vezes, a pressão da expectativa dos outros sobre as minhas próprias expectativas, quase me empurrou precipício abaixo. Em muitos momentos pensei em descartar anseios e sentimentos, porque algum guru das emoções achou, por bem, abrir as cartas do meu futuro incerto. Sorte que a teimosia é uma característica que me ajuda em certos casos. Teimei, não desisti, persisti.
Se deu certo? De uma forma ou de outra deu.Aconteceu do jeito que tinha que acontecer,  durou pelo período que deveria durar e que gosto de chamar de “tempo certo”. Porque o tempo perfeito não é contado pelo número de dias, e sim pela intensidade com que os mesmos são vividos.
Não descarto os grandes anseios da estante, mas na prateleira abaixo delas  gosto de colecionar os momentos especiais, que é para quando poeira da dúvida se impregnar sobre as expectativas mais incertas
, eles continuem embelezando.


                                                                                   

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