No céu das impossibilidades



No cenário da vida roteirizada o indivíduo estuda, trabalha, cria laços, convive, cumpre obrigações e, é claro, se diverte. E onde ficam os sonhos? Gosto de pensar que os sonhos são nuvenzinhas invisíveis que pairam sobre paisagem das nossas histórias reais. 
Impossível explicar como, quando ou porque um sonho surge. Contudo, assim que acontece ele passa a ser quesito imprescindível para o alcance da felicidade. No sentido poético, conseguir agarrar a nuvenzinha invisível do céu das impossibilidades, é o êxtase!
“Eu quero viajar pelo mundo!” Choraminguei para a minha mãe, na esperança de que ela satisfizesse o meu desejo com a mesma facilidade e rapidez com que comprara a minha lancheira.
O meu grande sonho surgiu por volta dos oito anos de idade. Digo “grande sonho”, porque pequenos desejos a gente tem todos os dias. Para ser grande de verdade, um sonho precisa conter um considerável nível de dificuldade em ser alcançado, senão não vale.
Convenhamos que, aos oito anos de idade, ir ao shopping sozinha já seria algo dificílimo de realizar. Meu sonho ia muito além do centro de compras da cidade mais próxima. Eu desejava ir ao mundo!
Juro que lembro cada detalhe da conversa com a minha mãe, naquele dia.  Ela não era do tipo que parava os afazeres para dar ouvidos aos blablabás da filharada. Mas naquele momento, especialmente, ela parou para me ouvir.
— Não quero casar, nem ter filhos. Eu quero viajar pelo mundo.
— E o que tu vais fazer pelo mundo?
— Eu vou escrever... Sobre tudo.
A conversa acabou desse jeito. A mãe voltou para as suas costuras, e eu devo ter voltado a brincar. Mas, diferentemente do que ela deve ter achado, eu nunca deixei de sonhar este sonho.
Entretanto, com a chegada da adolescência outras coisas tornaram-se importantes e acabei dando maior atenção a elas. Paixões, namoros, estudos. Uma coisa leva a outra. Cursei faculdade, casei, tive filhos, fiz pós-graduação, descasei. 
Aquela conversa com a minha mãe passou a fazer parte das lembranças. Como um porta-retratos sem foto, esperando a história acontecer.
Há exatamente dois anos, ao levar a minha mãe ao médico, recebi a notícia de que ela estava gravemente doente e teria pouquíssimo tempo de vida.  O chão se abriu sob os meus pés e devorou a mulher que me tornei, trazendo à tona a menininha de oito anos que estava prestes a perder a pessoa mais importante de sua vida, sem sequer ter visto um fiapo do mundo.
Há um ano a minha mãe partiu.  Alguns meses antes, eu começava a planejar a minha partida.
Daqui a poucos dias vou sair numa viagem. Escolhi começar a ver o mundo pelo Brasil. Serão muitos dias. Muitas noites. Muitas cidades. Muitas pessoas. Muitas histórias. Eu, o meu companheiro e Aurora, a nossa Kombi.
Vamos levar o teatro pelos caminhos por onde passarmos e desbravarmos cada pedacinho inédito da vida que ainda não vivemos.
Vou viver a história guardada dentro da nuvenzinha que nunca deixou de pairar sobre a minha cabeça. Preciso surpreender o meu coração cansado de bater pelas conveniências da vida. Quero arriscar subir no céu das impossibilidades e trazer de lá um sol que eu nunca vi. Vou buscar a felicidade que se esconde em cima do monte, onde nunca subi.  
E lá do alto, de onde meus olhos não conseguem alcançar, sei que a minha mãe parara outra vez os seus afazeres. Só que desta vez, será para me ver registrar o grande sonho de escrever, na íntegra, a minha história. E de não ter, nesta vida, um único porta retratos vazio.




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