Um estranho verão


Respeito quem gosta de verão, assim como quem prefere o inverno e sigo calada com o meu outono amado. Mas este calor está indo além da simples controvérsia sobre qual a melhor estação.
Há algo muito diferente no ar deste verão estorricante, além da legião dos insetos voadores noturnos e do implacável mosquito da Dengue. Há um silêncio assustador que nem as escandalosas trovoadas conseguem dissipar. Se houvesse um vulcão adormecido pelos litorais deste oceano atlântico, apostaria que ele está prestes a despertar. 
Não sou dada a sensacionalismo e nem caio em balelas proféticas sobre o extermínio da humanidade. Quase tive um ataque de riso e raiva ao assistir o filme 2012, enquanto contabilizava o número de cenas hilárias que transformaram a teoria Maia numa comédia de quinta.
Geralmente sou mais cética do que crente. Entre acreditar nisto ou naquilo, opto por observar de cima do muro das minhas interrogações.
Mas há algo fora do lugar e não são as gordurinhas que brigam com o biquíni. Há uma ameaça silenciosa que nem o ventilador ou ar condicionado conseguem disfarçar.
Há algo tão estranho neste verão que chego a pensar que houve um deslocamento no inferno e ele veio parar exatamente aqui na Terra, pois, além do calor infernal, nunca vi tanto parente do capeta desfilando por aí.
O calor insuportável torna as pessoa, insuportavelmente, mais mal humoradas e pré-dispostas a cometerem graves delitos. Numa tarde,  em que o sol estava mais prepotente do que nunca, vi dois senhores quase se engalfinharem na disputa pelo galho de uma árvore. O mísero galho não tinha flores, nem frutos, mas dava a sombra necessária para proteger um veículo, apenas um veículo. Não fiquei para saber o resultado da briga, mas saí dali pensando em produzir árvores artificiais e faturar uma boa grana alugando-as por hora.
Não me levem a sério, é que acabei de acordar com a sensação de ter levado uma surra....aliás, esta é mais uma das estranhas façanhas deste estranho verão, além de ter transformado o meu colchão num modelo térmico que superaquece sem que eu precise plugá-lo na tomada.
Normalmente não sou de reclamar. Pratico o poder do pensamento positivo e juro que tentei a técnica de ajustar a mente na temperatura desejada para manter o corpo fresco. Mas não funcionou. Sinto-me um dinossauro que solta fogo pelas ventas. Uma baleia que esguicha suor por todos os poros. Um bicho preguiça que deve ser esquecido em seu galho de árvore, por favor.
Algo me diz que o mundo pode acabar a qualquer momento e que estou prestes a virar uma estranha espécie extinta num estranho verão. 
Com licença, acho que vou fazer uma fotinho para as futuras civilizações. De biquíni, em frente ao espelho fazendo biquinho ou de shortinho com a legenda: #bora#malhar#academia#fui#. O que vocês acham?
Credo, este verão está me deixando mesmo estranha, muito estranha....

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O último capítulo


Dias atrás assisti ao filme “Deixe a luz acesa” do diretor Ira Sachs, com a parceria do brasileiro  Maurício Zacharias,  que expôs corajosamente sua conturbada relação amorosa com outro homem.
É um filme intenso e tenso. Não por causa da relação homossexual, pelo contrário, o homossexualismo passa longe da estante onde se arquiva os problemas mais insolúveis da vida. Os roteiristas deslizam sobre esta questão social, deixando claro que este tipo de preconceito está muito bem assentado em grande parte do mundo. A tensão se dá pelo envolvimento que um dos amantes tem com o crack.
Espantosamente fiquei sabendo, através das redes sociais, sobre a repercussão do último capítulo de uma novela brasileira  em que se daria (e se deu) o beijo gay. Achei uma coisa estranha, quase bizarra, para não dizer patética. Pessoas, nesta época da existência humana, em meio ao ápice das invenções tecnológicas e descobertas científicas ainda se surpreendem, se chocam ou precisam levantar bandeiras em defesa do direito de amar e, logicamente, beijar pessoas do mesmo sexo?! É como entrar no túnel do tempo e cair no meio da manifestação da queima dos sutiãs. Senti-me vivendo em plena década de 60.
Entre o casal do filme, a homossexualidade foi um aspecto facilmente contornado e assumido. As cenas tórridas, os beijos e abraços explícitos, as manifestações amorosas  não foram feitas com a intenção de  chocar. O que chocou foi a  luta incansável de um dos amantes para salvar  o parceiro do fim presumível da droga. O que, igualmente, choca quando acontece na vida real com casais héteros.  Aliás, vii pouquíssimas coisas mais chocantes do que isto.
As cenas de um baile funk  é o que me choca. A imagem de um traficante é o que me repugna. A visão de um assassino é o que me revolta.  A traição, a desonestidade e a baixaria sem censura da televisão é o que me incomoda.
O foco está errado!  Pessoas ainda preferem ter um viciado ou um marginal com o seu sobrenome do que um homossexual.  Cada vez mais pais deste Brasil afora terão de conviver com o fato de terem gerado um ser diferente do que, retrogradamente, ainda se convenciona como normal.  E ( pelo amor de Deus!), terão que assumir a responsabilidade de amá-lo  acima de qualquer olhar torto, risinho de deboche e comentário inconveniente de parente ou vizinho infeliz .
Era desta forma natural,  que eu gostaria de ver a homossexualidade ser apresentada no horário nobre. Como um caso de família corriqueiro ( e respeitado) e não como uma anomalia a ser perdoada no último capítulo por um pai (que não era nenhum exemplo a ser seguido) vencido pelo cansaço.
Adoro finais felizes, quem não gosta? Chorar em cadeia nacional (preciso admitir) é fenomenal! 
Mas acho triste que os homossexuais precisem estourar os números da audiência da Rede Globo para mostrarem que são normais, apenas no último dia.





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