Faz assim



(Às vezes eu escrevo cantando, às vezes eu canto escrevendo.  Se vai dar em música não sei...poesia com certeza!)

A lua falou que te viu por aí
E que estava perdido, tentando encontrar o caminho de volta
Lá de cima ela viu que sozinho chorou
Disfarçando que ria, em frente a minha porta.
Faz assim,
Não aceite que falem por ti o que vai no teu peito
Não deixe que eu durma e acorde sozinha
Não minta, não esconda a dor deste jeito.
Faz assim,
Revele este amor antes que fique tarde
Me arrombe, desperte, durma comigo
E confesse que me amar é a mais pura verdade.

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Verão brasileirês


 
FALTANDO praticamente dois meses para a formal entrada do verão, o calor chega na frente antecipando as atividades típicas de quem mora próximo ao mar.
– Que calorão!
Esquece-se momentaneamente (ou inteiramente) a poluição que bóia nas águas e parte-se para as praias.
– Que maravilha!
Basta seguir pelas vias que dão acesso aos balneários para sentir a brisa fresca batendo na face afogueada feito tapinhas de luvas tiradas do freezer.
– Que delícia!
Uma moto apressada ultrapassa-me numa velocidade desmedida. Sobre ela um herói incógnito arrisca vidas (a sua e a dos outros), munido apenas de um poderoso capacete. A cena remete-me, instantaneamente, a lenda da mula sem cabeça... A mula voa para longe de mim de capacete, bermuda e o resto nu. Por onde anda a polícia? Você viu algum daqueles senhores de farda por aí? Será que chegaram primeiro nas praias e já estão a lagartear sob o sol?
– Que beleza!
Quase beijei a traseira do carro da frente. Não que seja meu tipo. Modelo 88-89, série prata enferrujada, sinaleiras queimadas... O automóvel senil não conseguiu avisar-me que iria parar abruptamente sobre a pista e quase que eu me agarro inteira no seu capô descascado.
Avistou algum policial por aí? A coisa está, literalmente, fervendo e ainda estou longe da praia.
– Que refrescante!
Fila indiana sobre o asfalto. Acidente? Apenas um mero “congestionamentozinho” na entrada do parque aquático. Assisto a água fresca esguichando lá fora, enquanto asso no meu forno de quatro rodas. Só não vejo a luz das viaturas. Será que Deus assumiu o posto e mandou a corporação inteira curtir uma pelada na areia? É melhor crer que sim!
– Enfim, praia!
Areia branquinha enfeitada de guarda-sóis coloridos, de cachorros marrons, brancos, pretos...
– Que paradisíaco!
Crianças correndo, carros correndo, motos correndo, mulas de cabeça voando na beira-mar.
– Que mágico!
Caranguejo resolve morar na latinha de cerveja abandonada. Papa-terra abocanha uma deliciosa embalagem do picolé recém-lançado.
– Que maneiro!
O mar não consegue controlar as próprias ondas. Umas querem rebolar ao som do funk carioca, enquanto outras preferem sacolejar ao ritmo do sertanejo universitário. A guerra praiana de alto-falantes deixou até o quero-quero pirado. Precisou ser internado!
Pra resumir, no brasileirês legítimo, em seu horário adiantado o verão vem bater nas portas. Porém, na correria para encontrar a esteira poeirenta, o guarda sol enferrujado, o bronzeador vencido, o biquíni desbotado, o calção mofado...Muita gente esquece o bom senso e a educação em casa. E pra piorar...
– CADÊ A POLÍCIA?!!!!!
Será que estão vestindo uma sunga oficial? Eu é que não vou procurar o distintivo.

(Do meu livro Na Sala de Espera.)

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Chô, satanás!


 
“JESUS não era só mansuetude não! Muitas vezes perdeu a calma, ralhou em alto e bom tom com os seus discípulos e imaginem o quanto deu de preocupação à Maria, sua mãe.”
Quando aquele estudioso de assuntos religiosos afirmou (com maestria) esta faceta oculta da vida de Jesus, eu me dei conta de que ele também era humano. Foi a glória!
Imagine o alívio que dá saber (no mínimo conjecturar) que o filho primogênito de Deus também subiu nas tamancas, rodou a baiana e perdeu as estribeiras.
Perceba o conforto que é pensar que Jesus, em sua teimosia de sair pregando por toda a Galileia, deixou Maria com o coração em frangalhos pelo medo de que algo acontecesse ao filho rebelde. Sinta o quanto isto não só nos aproxima do grande mestre, como sugere que ele já deu algumas voltinhas pelo nosso mundo nada angelical.
Porque (fala sério!) como é difícil carregar um par de asas nas costas! Como é impossível equilibrar uma auréola sobre a cabeça!
A gente até tenta... Sabe aquela história de vigiai e orai? Funciona. Até certo ponto, depois não tem jeito. A gente sem querer baixa a guarda e quando vê acontece o assalto dos pensamentos malvados. Aqueles que roubam a nossa tolerância, saqueiam a nossa paciência, furtam a nossa benevolência... E nos deixam nus sobre um par de tamancas perdendo, finalmente, as asas, a auréola e a compostura.
É quando a gente lança um palavrão, atira uma baixaria, dispara a metralhadora de sapos venenosos que estavam entalados na garganta... É quando somos humanos.
Não estou aqui dizendo para ficarmos tranquilos porque as portas do céu estão escancaradas para nós e que Jesus (o temperamental) está nos esperando encostado no batente. Sabemos que ele enfrentou quarenta dias no deserto com o Satanás atazanando e não sucumbiu à maldade. (Pelo menos é o que está escrito).
Estou apenas querendo sentir que quando os filhotinhos do mal vêm me espetar com seus tridentes afiados tentando a minha paciência e tirando-me do sério, posso lutar contra eles sem correr o risco de ir parar no purgatório.
Afinal, quem nos garante que Jesus em momentos de extrema tensão emocional não mandou o capeta (de volta) para o inferno?!

(Do meu livro Na sala de espera.)

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Extraviada


Foto: Enio Frasseto

Às vezes, no meio das coisas que acho, me perco
Entre as coisas que perco, às vezes, me acho.
Reconheço assim que desconheço
O que é começo ou fim.
Na incerteza de onde vim, aonde vou
Sigo me perdendo, enfim
Para encontrar o que de mim restou.

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Paredes Vivas


Foto: Enio Frasseto

Recordo cada um, todos amores
Relembro todas, cada uma das dores
Distingo cheiros, nomeio perfumes, repilo odores
Discursos, palavras, frases, oradores
Ouço-os ainda, gratidão e rancores
Sorrisos francos, braços abertos, olhares consoladores
Bocas comprimidas, falsos abraços, olhos traidores
Revivo detalhes, nuances, sabores
Rememoro paisagens, cenas,  dissabores
Ainda que tenha perdido as primeiras cores
Que o tempo as tenha violado com seus predadores
Que as cascas arranquem meus azuis e meus bolores
Que os pincéis dos anos me pintem cinza, enganadores
Minhas paredes continuam vivas e entre elas ainda nascem flores.

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O que importa



Pouco importa as palavras que engoli
Os pensamentos que abortei
Os desejos que assassinei
A realidade que nunca deixou de ser sonho.
Pouco importa o que não fui
O que deixei de ser
O que temi fazer
A coragem que nunca deixou de ser medo.
Pouco importa os vãos que não vasculhei
Os cômodos que não visitei
Os segredos que não revelei
A verdade que nunca deixou de ser mentira.
Pouco importa o que acho que sou
O que penso que os outros acham
O que os outros não sabem, mas pensam
O ser que nunca deixou de achar que seria.
Pouco importa as faces que faço
Os disfarces que visto
As máscaras que desfilo
O personagem que nunca deixou de ser ficção.
Pouco importa o “se” que nunca foi
O fazer que nunca fiz
O ser que nunca fui
O sou que nunca deixou de ser o que não era.
O que importa
É o contrário de tudo que pouco importa.

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Confesso que já morri



FOI embaixo da cama. Resolvi morrer de tristeza onde ninguém pudesse me encontrar. Tinha cinco anos e acabara de ver meu irmão mais velho partir com sua enorme mala para longe de mim. Depois morri de saudade. E aos poucos, fui descobrindo que iria morrer muitas e muitas vezes durante a minha vida.
Já morri de vergonha da diferença de 10 a 15 centímetros de altura que me faziam destoar das minhas amigas. Das minhas pernas finas. E, inesquecivelmente, de ter me estatelado no chão na hora do recreio, bem na frente do menino que era dono do meu coração.
Um pouco depois quase morri de inveja de uma colega que foi passar as férias na Disney, enquanto eu ficava em casa assistindo Sessão da Tarde e me empanturrando de Chips e bombom. Terminei de morrer quando ela voltou contando detalhes da viagem, agarrada numa Minnie e num Mickey legítimos.
Perdi a conta das vezes em que morri de raiva e depois ressuscitei para morrer de arrependimento. Quantas vezes eu fui enterrada por morrer de dor? Por morrer de medo? Por morrer de tédio? Por quantas vezes o meu coração parou e a autopsia comprovou que eu morrera de amor? Em quantas vezes ele descompassou me fazendo morrer de felicidade?
Não faço a menor idéia. Mas posso lembrar que renasci todas as vezes. Embora depois de cada funeral eu já não fosse a mesma. Reencarnara no mesmo corpo, mas o meu olhar era diferente. A minha mente fora estendida. O meu coração ficara mais forte para enfrentar outras mortes.
Em algumas cheguei a pensar que não iria mais viver, noutras achei que pararia de morrer. Finalmente compreendi que morrerei muitas vezes, enquanto teimar em viver.

(Do meu livro Na Sala de Espera.)

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Vilão




De me perder sem achar
Na bagunça em que me instalei
Encontro a certeza que pouco sei
Nada sou
Do muito que pensava ser
Onde estou
Não é lugar, é solidão
Para onde vou
Não é destino, é ilusão
Fuso arbitrário do coração
Bate mais rápido que o tempo
Voa mais alto que a razão
Leva nas garras a vítima
Roubada de si
Enclausurada em si
Exposta a si
Perdida em si
Vilão sou eu.


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Falseie



Se veio do coração, siga em frente
Decida por emoção, por que não?
Ame por carência, paciência!
O amor verdadeiro soa falso
O falso parece verdadeiro
Como saber o que é o quê?
Quando se sente o que não se vê
Amar falsamente é melhor do que não ter
Alguém que verdadeiramente ama você.
 (  ) Ter  (  ) Não ter
Quando o X da questão vir do coração, não hesite em marcar
Falseie.



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Criatura e criador


DE onde viemos e para onde vamos? Não sei precisar ao certo há quanto tempo esta pergunta martela em minha mente e, sem sombra de dúvida, na mente de toda a humanidade.
Temerosos de que as marteladas nos enlouqueçam acabamos abrindo a gavetinha dos enigmas indecifráveis da nossa existência e trancafiamos lá esta questão insolúvel. Medida simples, porém insatisfatória. Não é à toa que vira e mexe estamos remexendo na tal gaveta, trazendo para fora a malfadada questão: de onde mesmo nós viemos?
Das várias teorias em pauta, algumas definitivamente eu rejeito e tenho minhas razões para isto. Francamente, não posso conceber a idéia de ser ancestral de algum tipo de primata que resolveu evoluir e virar gente. Tudo bem que as outras espécies de macacos (que optaram por não evoluir) existentes nas matas e nos zôos hoje em dia sejam apenas nossos primos distantes... Mas, a parentada que me perdoe à soberba, mas não vou contar aos meus filhos e netos a historinha da macacada da nossa família. Não vou mesmo!
Ser uma folhinha remanescente da extremidade das ramificações da árvore genealógica do Sr. Adão e da Sra. Eva me parece algo básico demais. Não sei o que é mais intolerável, ter nascido do barro ou da costela de alguém. Além da inconsistência dos dados, desde que esta história surgiu, a mulher passou a ser um apêndice do homem. Como um osso faltante que não faz falta nenhuma. Reneguei definitivamente o meu nome desta árvore.
Continuo assim, embrenhada na confusão criada pelo Evolucionismo de Darwin e no paradoxal Criacionismo da versão Gênese Bíblica, onde o pecado de Adão e de Eva (não se sabe ao certo quem comeu “o quê” primeiro) deu início à humanidade, mas não abençoou o ato sexual. E ainda resta o efeito Big Bang!
A idéia de ser fruto de um amontoado de poeira estelar perdida no espaço, até que me agrada. Dá um toque de glamour místico. Ser descendente direto das substâncias de outras galáxias é uma hierarquia e tanto! Permite-me mirar o céu numa noite estrelada esperando o momento em que a família extraterrestre venha me resgatar num OVNI superpossante.
O fato é que quanto mais procuro me desvencilhar da teia de fundamentos inconsistentes sobre a origem do ser, mas me enredo e acabo me afastando de uma verdade palpável. Ao refutar aquilo que não me convence alicerço a teoria de que pouco importa “como”, “do que” ou “de onde” surgi. Que diferença faria a minha vida, descobrir de onde eu vim? O que mudaria nos meus conceitos, na minha bagagem, no meu presente, no meu futuro e no meu coração? Exatamente nada!
Fechei a gaveta deste enigma para sempre e joguei fora a chave, pois a tempo descobri que a origem e a razão de tudo se chama AMOR. Não sei de que matéria ele advém, só sei que vive e se desenvolve dentro de cada ser. Desta forma não nos fez meras criaturas, e sim, poderosos criadores.

(Do meu livro Na sala de espera.)

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O medo que mora comigo


 
ADMITO corajosamente que tremo, suo e tenho cólicas só em me imaginar numa aventura radical. Destas que ativam a adrenalina dos corajosos e o pânico dos medrosos. Tenho medo sim!
Claro que tentei mudar. Lógico que experimentei a terapia de choque para vencer o que (psicologicamente analisando) me atrapalharia pelo resto da vida.
O primeiro duelo que travei com o medo foi sobre as dunas. Nada de armas, nada de contar passos e atirar mais rápido. Apenas um buggy, alguns amigos, um motorista inexperiente, eu e o medo. Sobe dunas, desce dunas, acelera na descida, um pouco mais na subida...UHHHH!!! Cabelos voando, os amigos sorrindo, o medo gargalhando, uma freada brusca e eu... Estendida no chão! Com o nariz quebrado e o medo vitorioso zombando: “Quero ver explicar à sua mãe!”
Como as dunas são o playground de quem mora junto à praia, travei a segunda batalha com o medo novamente sobre elas. Alguns amigos, todos inexperientes, uma prancha de sandboard, eu e o medo. Desço primeiro sentada, por ser mais confortável (mentira). Depois em pé por não ser covarde (mentira). UHHHH!!! Cabelos voando, os amigos sorrindo, o medo gritando e eu...
Estendida no chão! Com um novo rosto esculpido de areia, o tornozelo inchado e o medo zoando no ouvido arenoso: “Quero ver explicar à sua mãe!”
Dei por encerrada a minha história de combate na areia. Na terceira vez que encarei o medo, foi sobre o mar. Alguns amigos, um ultraleve, um piloto experiente, eu e o pavor. Relutei. Tentei fugir. Dei a luta por vencida, preferi desistir. A torcida encorajou. Vai lá! É imperdível! Vai se arrepender se não for! Fui! UHHHH!!! Cabelos voando, a vida voando, o medo voando agarrado atrás de mim. E eu... Prestes a desmaiar nas alturas!Desci cambaleando, amparada pelo medo, e a cabeça eclodindo: “Quero a minha mãe!!!”
Desisti de lutar. Passamos da idade, eu e o meu medo de intrépidas experiências. Permiti que ele morasse comigo, o que de certa forma me torna corajosa.
Conviver com o medo me causou maiores problemas? Não sei. Só sei que se alguém, porventura, tentar me convencer a esquiar nos Alpes Suíços, descarto gentilmente a idéia dizendo que prefiro arriscar-me (heroicamente) sobre uma gôndola, em Veneza.

(Do meu livro Na sala de espera.)

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Encruzilhada



Cheguei até aqui
Porque o vento me trouxe
A brisa impeliu
A chuva forçou
A noite acenou.
Eu vim
Por todos os motivos
Por falta dos mesmos
Aqui estou.
Dou-me o direito, no entanto,
De quedar-me ao meu cansaço
Dar uma trégua na andança
Parar um pouco nesta hora
Alguns minutos, segundos talvez
Dou-me o direito agora.
De olhar para trás, o caminho vencido
Pois nele não mais andarei
Na minha frente uma encruzilhada
Para onde vou, ainda não sei.
Do descuido do uso
Encontro a bússola despedaçada.
Sem direção eu paro
E peço licença
Na rua da minha vida
Vou me assentar na calçada.

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Com licença, Glória Kalil



Falávamos de moda. Dos hits do momento, o certo e o errado, a epidemia de vestir. Cores daqui, estampas dali e, concluímos que não existe mais moda. Ou melhor, ao nos depararmos com as vitrinas todas por aí, descobrimos uma mistura indiscriminada de tudo o que um dia foi moda.Voltemos lá atrás. A sociedade e as décadas foram marcadas por modismos. Mulheres e homens do passado ditavam padrões de elegância e o resto do planeta corria tentando enquadrar- se no grupo dos que “andavam na moda”.Minha irmã possui fotos maravilhosas do final da década de 60, vestindo microssaia com botas até o joelho e cabelos lisérrimos até a cintura. Embora, na época, ninguém sequer pensava que pudesse existir uma tal chapinha ou escova definitiva. Dava-se um jeito de estar na moda e pronto, Praticamente todos iguais.Depois disso a minissaia caiu, ou melhor, deu lugar as saionas longas ao estilo indiano que marcavam a inconformidade com o mundo de conflitos e ambições. Eram os hippies dos anos 70 trazendo o Oriente para o Brasil.
Já nos anos 80, o povo é que caiu nos embalos de sábado à noite onde a moda ganhou o glamour de luzes e brilhos. Sonia Braga ficou imortalizada pelas meias de “lurex” dentro das sandálias altíssimas. No auge da liberação social as Frenéticas entoavam o hino “Soltem suas feras”!
A partir dos anos 90 a memória se confunde, uma vez que a moda passou a girar com a mesma rapidez das mudanças econômicas, tecnológicas e sociais. Usou-se de tudo um pouco: jeans, floral, xadrez, listras, bichos, prata, ouro... Só que cada coisa no seu tempo. Assim: se você usasse o xadrez enquanto a moda ditava o floral você seria taxada de cafona. Prata e ouro durante o dia, só se você tivesse um tipo de “profissão” daquelas não muito convencionais. Deu pra entender? Estampa de bicho? Era preciso cuidado, muito cuidado...
De volta aos dias de hoje, atente-se para o que está acontecendo. Pode-se vestir uma bermuda xadrez pela manhã, um vestido floral à tarde e uma blusa tigrada à noite. Passear com uma minissaia sem causar espanto ou com um vestido longo sem ser ridícula. Sandálias prateadas durante o dia e douradas à noite, por que não? Couro, verniz, preto, branco ou colorido.
Marca-se o estilo “vale tudo”. Confirma-se a tendência da globalização onde a rapidez com que o mundo acontece não permite o luxo ou lixo de padronizar vestimentas, estilos e comportamentos.
Foi belo enquanto durou, mas falar de moda hoje em dia é falar da diversidade mundial. Dos choques culturais, religiosos, sociais. É viver o presente com os pés no futuro. Então, quando uma consultora de moda não consegue se fazer entender é simplesmente porque a moda já não possui uma única definição. O que permanece é o estilo. E esse sim precisa ser entendido.
A moda que cabe em você hoje é a que a sua cabeça dita e pela qual o seu coração suspira. Ou seja, ser VIP, fashion, antenado (como queiram apelidar), não é ser outdoor de etiqueta ou discípulo de costureiro, mas sim desfilar a própria personalidade com charme de Gisele Bündchen.

(Do meu livro Na sala de espera)

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De mulher para homem numa mesa de bar


JÁ registrei o meu pedido ao universo de que na próxima encarnação quero vir homem. Quando verbalizo este desejo que há muito deixou de ser íntimo, algumas pessoas arregalam os olhos e me encaram com um olhar inquisidor de quem não entendeu direito aonde eu quero chegar.
Admito que ser mulher é uma coisa ímpar no que se refere às possibilidades maternas, à própria sensualidade, à percepção aguçada, à sensibilidade aflorada, enfim ,vir mulher foi muito legal. De forma que nem quero ficar aqui citando a parte que me incomoda como integrante deste sexo.
Meu objetivo na verdade é discorrer sobre a parte que admiro nos homens e que faz com que eu deseje trocar de sexo na minha próxima existência.
Existe uma coisa no sexo masculino que por mais que as mulheres jurassem num pacto de sangue serem iguais, acabariam cortando-se à toa. Há uma coisa no clã masculino que aprecio e acredito piamente que seja um toque exclusivo dos machos: a cumplicidade.
Os homens são cúmplices uns dos outros mesmo não sendo grandes amigos. Mesmo tendo se cruzado por acaso numa única noite num bar qualquer. Não me refiro a uma cumplicidade malandra que encoberta as proezas uns dos outros. Refiro- me a cumplicidade da alma. Esta alma livre que os homens possuem, a qual me causa inveja.
Quantas mulheres neste mundo de meu Deus permitem-se, após as extenuantes oito horas de trabalho, entrar num bar de esquina para curtir um “happy hour” com a turma? Quem dentre as próprias integrantes do meu sexo consideraria normal descarregar toda a tensão do dia numa roda prosaica de seres com os mesmos anseios da alma, num bar de esquina? Só homens o fazem.
Tiro o chapéu para os homens. Não os que objetivam embebedar os sentidos a ponto de perderem a razão. Mas os que num bate-papo descompromissado, numa cantoria improvisada, numa partida de sinuca, lavam suas almas e espantam suas dores, seus medos, sem alarde.
Respeito os homens pela displicência com que encaram as vidas que não são suas. A forma como se permitem o regalo de uma roda de conversa sem se preocuparem se um ou outro não está vestido de acordo com a ocasião. A indiferença com que observam que este ou aquele engordou ou emagreceu e a impassibilidade com que lidam com a quantidade de rugas que fulano ou cicrano adquiriu em seu tempo de existência. Admiro por isto, a alma masculina.
E invejo a cumplicidade que se consagra nestes templários de esquina no final de tarde, no prenúncio da noite. Onde vozes veladas descortinam segredos irreveláveis. Olho sorrateira pelas portas abertas de luzes acesas, e quase sou capaz de ouvir os queixumes das almas dos homens que ali estão. Quem dera poder postar-me a ouvir as inúmeras histórias... Mas não posso.
Aguardo então, para a próxima existência, o momento em que eu possa escrever ao anoitecer sobre uma mesa capenga em meio aos amigos, num bar, de uma esquina qualquer.

(Crônica do meu livro Na sala de espera.)

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Ilusão


Se soubesse que não haveria amanhã, não teria mais tempo para fazer tudo do nada que fiz até hoje.
Perceberia que o nada parece muito, quando se crê que ainda há tempo.
E que o muito não é nada, quando o tempo se finda.
Se não houvesse amanhã, só teria tempo para pensar no que gostaria de ter feito e não fiz
E no que não gostaria de ter feito, e acabei fazendo.
Assim, a vida se faz da ilusão do tempo que existimos achando estar vivendo.



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Rótulos que colam em nós


 
SOU da geração que ia à praia sem filtro solar. Esse negócio de ficar lambuzando o corpo inteiro e esperar dez minutos antes de cair na água? Bem capaz! A única prevenção era o traço branco de hipoglós abaixo dos olhos e no centro do nariz (num descolado estilo indígena), combinando com beiços untados da mesma pasta (ao maneiríssimo estilo surfista).
Nunca pratiquei o surfe, somente jacareísmo com prancha de isopor, até surgirem as delicadas morey boogies e me tornar uma pretensa bodyboarder. Com isto estou querendo dizer que passava o verão inteiro imersa em água salgada. O que em reação com uma epiderme recheada de melanina transformava-me numa ilegítima afro-descendente.
Adivinhe então qual foi o apelido que ganhei? MACACA!
Nada de moreninha, pretinha, neguinha... eu era a macaca. Imagine o que este apelido “inofensivo” me rendeu por toda a adolescência e parte da juventude...
Eu queria ser branca! Igualzinha ao resto das minhas amigas branquelas que só pegavam “uma cor” quando o verão estava acabando. Numa síndrome Michael Jackson, eu queria algo que me fizesse clarear. PUTZ! Em que ano inventaram o bloqueador solar? Nem imagino! Só sei que quando eu o descobri nunca mais o larguei.
Também sou da geração das mulheres baixas. Medir mais de 1,65cm naquele tempo era quase uma anomalia. Imagine quem tinha 1,70cm e um par de pernas finas!
Para piorar ainda mais a situação, na época, éramos obrigados a desfilar no dia 7 de setembro. E adivinha quem formava o primeiro pelotão? As maiores. As que tinham um par de pernas finas por baixo das saias pregueadas azul marinho. Eu, o protótipo de Olívia Palito completamente desprovida de qualquer Popeye ou Brutus que lutasse por mim e me salvasse daquele mico.
Eu queria ser baixinha! Igualzinho ao resto das minhas amigas normais (e paqueradas). Que podiam comprar todas as cores do maravilhoso tamanco de madeira que era o hit do momento. Claro que eu também tive um, branco. Mas para usá-lo fazia um ridículo contorcionismo com o pescoço tentando diminuir os cinco centímetros excedentes e não me sentir o último coco do coqueiro.
Depois deste peso que, literalmente, curvou as minhas costas por toda a adolescência, transformando-me numa longa vareta envergada, surgiram as Top Models gigantes e magrelas. Foi quando desejei morrer duplamente: por não ter crescido pelo menos cinco centímetros a mais e por já ter passado da idade. Embora, com imenso alívio, nesta época pude endireitar a coluna e parecer menos desengonçada.
É que estas coisas pegam. Grudam em nós. Como uma etiqueta que pinica, incomoda, machuca. A gente dá uma sacolejada no corpo, finge que não está doendo tanto, mas vai seguindo com a danada espetando pelo resto da vida ou até que se resolva que é hora de cortá-la, rasgá-la, estraçalhá-la, queimá-la de uma vez por todas.
Convenhamos! Chamar uma garota (no auge da insegurança) de macaca, Olívia Palito, vareta envergada, caolha (não falei aqui do meu estrabismo congênito), pode ser uma brincadeirinha inocente para o autor, mas é o cúmulo da insensibilidade para quem é vítima.
Os orelhudos, narigudos, beiçudos, zolhudos, maricas, machorras, medrosos, burros, da adolescência, sabem muito bem do que estou falando. Depois de adulto dá uma trabalheira danada arrancar estas marcas indevidamente coladas no ego.
Haja regressão, hipnose, psicanálise, acupuntura... UFA!!
Hoje estou ótima com minha cor e com minha altura, muito obrigada. Mas que doeu, doeu.
Já quanto ao corpitcho... Às vezes bate uma nostalgia... Saudade do tempo em que era um palito. Nenhuma gordurinha aqui, nenhuma ali... Eu era top! Pena que não sabia.

(Do meu livro Na sala de espera).

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Vagalumes no jardim





O QUE é vazio para uns, pode ser repleto para outros? Pode. E, como pode!
Esta é mais uma daquelas questões de gosto, em que se fica arguindo o que seria do amarelo.
Eu, particularmente, não gosto de amarelo. Posso citar uma, no máximo duas, peças de roupa amarelas que tenha usado até hoje. Mas tem quem ame, e isto é o bom da vida! Tipo: sempre vai haver um chinelo velho para um pé descalço, e coisa e tal.
Porém, o que me levou a este interlúdio sobre sabores e dissabores não foi o amarelo, ou o pé descalço. Foi a questão de gosto mesmo, e, se vale a pena discuti-lo, vou explicar.
Loquei dois DVDs num final de semana. Dois filmes de gêneros distintos. Um, por escolha minha. Gostei do título (do original, em inglês), da sinopse e, é claro, da presença de Willem Dafoe e Julia Roberts (porque sempre espero mais do que uma linda mulher pode dar). Porém, não me senti muito
encorajada pela cara da atendente que acabou me indicando entusiasmadamente um suspense “da hora”.Com a chuva me cutucando do lado de fora, levei os dois.
Assisti ao suspense primeiro, acreditando menos em mim e mais na indicação da mocinha da locadora. O filme não tinha nada de mais e nada de menos também. Não me fez chorar, nem rir, nem sentir medo e nem sequer excitação, embora pretendesse ser um suspense erótico. Quando terminou, virei para o lado e simplesmente dormi sem pensar em nada.
Aprendi, ao longo da trajetória de apreciação de incontáveis películas, que se não faz pensar (para mim) não presta.
No dia seguinte fui assistir ao meu escolhido, Fireflies in the Garden ou, se preferirem em português, Um Segredo entre Nós. E, o filme – desencorajado – me fez chorar muitas vezes e rir em outras. Despertou-me o medo em alguns momentos e excitação em uma cena que nem pretendia ser erótica. Quando terminou, enquanto as letrinhas do casting rolavam pela tela preta, a música de fundo embalou a torrente de pensamentos que me inundaram. Ou seja, amei o filme!
Mas não vou sair por aqui dizendo que assistam porque é maravilhoso, inesquecível e parari parará. Foi bom para mim, mas pode não ter sido para você. Entende?
Li uma resenha sobre o mesmo filme em que o cara comenta que está até hoje procurando o segredo entre os vagalumes do jardim. Eu acho que ele não encontrou porque dormiu! Uma vez que a mim, desvendaram-se vários segredos durante o filme, sem que a Julia Roberts usasse uma microssaia e pintasse o bocão de vermelho. Aliás, ela pouquíssimo atua.
Não vim aqui fazer uma indicação. Vim discorrer sobre diversidade de gostos. E por que não dizer de anseios, de desejos, de vontades, de almas e corações?
O ótimo seria que todos se sentassem no sofá e rissem juntos. E chorassem igualmente, entre pipoca e guaraná. Que ninguém roncasse de tédio. Porém, enquanto uns descobrem – já nos primeiros segundos – os segredos entre os vagalumes no jardim, outros vivem a procurar.
E tal como a vida imita a arte, assim acontece com filmes, assim acontece na vida.

(Do meu livro Na sala de espera).

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A língua dos homens e das mulheres





SE arrependimento matasse... Estaria morta! Por que foi cair na besteira de dizer (quando discutiam a relação) que ele precisava chacoalhá-la, tirá-la da rotina, libertá-la da mesmice, Surpreendê-la?
– Poxa, amorzinho! Tanto estardalhaço só por causa de um sustinho?
Sustinho?! Frederico inventa de pular detrás do carro no breu da garagem, no exato momento em que o relógio da igreja começa a tocar as doze badaladas, para lhe receber com um horripilante BUUU! E acha que ela fez um estardalhaço?! Quase arrebentou a alça da bolsa de tanto bater nele.
Noites depois, quando o relógio da igreja finalizava a décima segunda badalada, entra em casa e encontra Frederico dormindo no sofá vestido de Zorro.
– O QUE É ISSO, FREDERICO???!!!
Ele pula do sofá, puxa a espada e desenha a letra “S” no ar.
– Desculpa, amorzinho! Era para ter sido um “Z”!
Será que tinha falado em mandarim? Será que era tão complicado para um homem surpreender uma mulher?
Na terceira tentativa, Frederico, em pleno domingo, entra porta adentro trazendo toda a família atrás de si. Pai, mãe, irmã, irmão, namorada do irmão, irmã da namorada do irmão, cachorro e... Praticamente, os papéis do divórcio para ela assinar.
– Mas amorzinho... Eu só queria tirá-la da rotina! (Preciso consultar o Tadeu).
– Desisto! Me rendo! Entrego as armas! Vou pra casa da mamãe!
...
Relatava toda tragédia para a mãe entre um gole e outro de chá, quando toca o som de mensagem no celular. “Eu não existo longe de você!” Era Frederico, enviando a música que ela tanto gostava.
Quatro minutos depois: “A solidão é o meu pior castigo.”
Três minutos depois: “Eu conto as horas pra poder te ver.”
Dois minutos depois: “Eu te quero a todo instante.”
Um minuto depois: “Nem mil alto-falantes vão poder falar por mim!”
Zero minutos depois: A campainha toca.
Frederico aparece na porta com um imenso buquê de rosas e a frase “EU TE AMO” escrita na testa em letras garrafais vermelhas. Ela se joga em seus braços declarando emocionada: “Também te amo, amor!”
Frederico mantém o abraço apertado, tentando engolir algumas pétalas que foram parar na sua boca e entender o acontecido. “Passei um tempão na escuridão da garagem esperando por ela. Me vesti de zorro só para ela. Levei minha família inteira para tentar animar o nosso domingo... E ela me deixou!
Agora mandei mensagens com a música boba do Claudinho e Buxexa. Apareci com buquê de flores e um ridículo ‘EU TE AMO’ escrito com canetinha vermelha na testa e ela se atira em meus braços me fazendo comer rosa, chorando e dizendo que também me ama!!! Quem entende estas  mulheres?!”(Sorte que o meu amigo Tadeu entende!)

(Crônica do meu livro Na sala de espera).

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Fim nada


O dia de Finados foi definido em mim quando criança. Aprendi, ano após ano, de observação involuntária que ventaria forte neste dia e que, coincidentemente ou não, seria sempre um dia poeirento de sol, com uma atmosfera tão seca quanto tensa. Conheci a rotina da data a partir da primeira morte na família, quando passei a ver minha mãe sair na véspera para ir até o cemitério limpar e organizar as moradas dos parentes que partiram. O que me causava total estranhamento e confusão, afinal me ensinaram direitinho que todos eles já estariam morando no céu.
Na minha cabeça pequena, igualmente de vento, de pensamentos gigantescos, oportunescos e traquineiros, aquele não era um feriado melancólico, mas sim um super feriado festivo. Quando mais eu poderia me infiltrar no labirinto de túmulos, num vertiginoso jogo de esconde-esconde com meus colegas ou, numa versão mais madura, me embrenhar entre os mesmos para observar sorrateiramente os garotos bonitos que vinham cumprir a obrigação da visita aos mausoléus solitários? Somente no dia dos mortos.
Em meio à incansável expedição pelos corredores de sepulturas, imaginava milhares de pares de olhos curiosos e confusos espiando, lá do céu, a festa que ocorria ali embaixo, como se ela estivesse acontecendo no lugar errado.
Na volta para casa, depois de muito sorvete e de impregnar o cheiro dos lírios, das palmas e das gérberas por todo o corpo, minha mãe me obrigava a deixar os calçados do lado de fora da casa e tomar banho para tirar qualquer vestígio da poeira dos falecidos. O que, em arremate aos fundamentos inconsistentes que teciam em minha vida desde que tive idade para compreender as palavras e identificar o medo, me levava a acreditar que os esqueletos vagavam pelos corredores de jazigos quando ninguém estava por perto.
Os adultos costumam contar uma historinha bonita para as crianças, na qual a morte é uma viagem tranquila para um lugar paradisíaco onde, um dia, todos nós nos encontraremos por lá. E elas acreditam piamente. Contudo, eles, os adultos, desacreditam piamente no que contam.
É fato que ninguém sabe ao certo aonde o trem da vida vai parar, em qual a estação cada um irá descer e o que irá encontrar ao pisar pela primeira vez na plataforma de desembarque. Então, sendo assim, cada um deveria acreditar naquilo que lhe é mais é cabível e agradável. Entretanto, é comum que, ao crescer, as pessoas fiquem céticas e passem a crer num trem sem maquinista que leva a lugar nenhum.
Particularmente criei a imagem, o percurso e estação do trem que me é conveniente. Com isto, as partidas não são tão desesperadoras; as despedidas um sutil aceno  de "até mais"; a separação uma saudade temporária de alguém que irei reencontrar em breve.
E enquanto o apito do trem não me assalta, procuro gastar intensamente cada dia da minha estada aqui, como se fosse o último. Conforme uma das pérolas de Quintana: “Morrer, que me importa? O diabo é deixar de viver”.

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Qual é a tua?


 Lá do alto do fio, o pardal me olha nos olhos e pergunta:
-Qual é a tua?
Devolvo a ele o olhar desafiador e a pergunta:
- Qual é a tua?
O bichinho emplumado vira-se de costas e com a precisão de exímio equilibrista remexe as asas curtas e poderosas e sai voando contra o sol, deixando sua resposta evaporando-se no ar: “A minha é voar”.
Estas paradas que acontecem tipo, você achar que um bicho consegue ler seus pensamentos e enviar-lhe a mensagem subliminar que tanto aguardava, é brincadeira da mente para provar que você não precisa estar lúcido o tempo inteiro para ser normal. Pode naturalmente “viajar” de vez em quando, sem ser louco.
Bom, é bem verdade que naquele dia eu e o pardal nos permitimos uma loucurinha básica, mas que a mensagem veio a mim escancarada, veio.
 “O negócio do pardal é voar”. Claro, os seres animais são movidos pelo instinto, além do que nascem todos iguais, vivem todos da mesma maneira e morrem igualmente.
Nada de crise, entende? Nada de questionamentos do tipo: Será que continuo vivendo na Pardalândia ou me mudo para a Colônia Beija Flor? Será que continuo subsistindo por estas árvores da pracinha ou me aventuro a viver entre as matas da Amazônia? Será que guardo está grana para pagar o tratamento ortodôntico do Pardalzinho Junior? Será que faço um empréstimo para reformar minha casinha de madeira ou como os cupins antes que eles a comam completamente? Não há estresse na vida dos bichos! (Mesmo que alguns doutores de animais às vezes o diagnostiquem).
Então, naquele instante de conversação telepática com o pardal, percebi que algo tem saído errado no mundo hominal.
Nascemos todos diferentes, isto é fato e é bacana. Vivemos todos de forma diferente e isto é legal também. Só existe um pequeno equívoco. Ouvimos dizer - desde simples embriões dormindo no ventre das mamães corujas (sem penas) - que o objetivo de toda humanidade é unicamente ser feliz. Como se a felicidade fosse um produto a venda em qualquer lugar por qualquer valor.
Assim saímos com nossas pernas, braços, corpo e mente insana a perseguir a tal felicidade.  Porque à medida que vamos crescendo, vamos nos dando conta de que ela não se encontra no boteco do Seu Joaquim e nem no hipermercado da capital. A felicidade, esta coisa que sussurraram em nossos ouvidos como um mantra divino é uma coisinha danada de rara. E, pra piorar, danada de cara!
Não existe felicidade de graça, meus caros. Sem casa própria, carro do ano, viagens ao mundo, dinheiro no banco, namorado rico... Sem o resto todo que você certamente já sabe, dizem que não dá pra ser feliz.
E sabe qual é a má notícia? A gente acredita!
Então, corre-se ainda mais rápido e desarvoradamente sem saber ao certo onde precisa chegar.
Ao ver o pardal flutuando sobre o fio de eletricidade em cima do meu jardim, senti uma inveja (branca) de sua condição de ser aquilo que é e viver do jeito que sabe, sem encucações. Quando o vi se afastar em seu vôo displicente, desejei poder fazer o mesmo. Não ter nascido com asas no lugar dos braços, apenas trilhar o caminho que me cabe com a mesma displicência e liberdade, sem ter que me preocupar em “pousar” junto a tal felicidade.
Quer um boa noticia? Então copie a resposta completa que o passarinho deixou escrito no céu antes que ela evapore: “Ninguém está aqui para ser feliz. Todos (por favor, inclua-se nesta) estão aqui para seguir numa caminhada. Ser feliz e felicidade são sensações momentâneas que você poderá experimentar neste percurso, e não o ponto de chegada. O caminho é muito mais interessante do que o fim. Observe-o.”
Fala a verdade? Assim não fica mais fácil entender a vida? Não nos torna mais normais, humanos e, ironicamente, felizes?! A mim faz. Ao meu inquilino pardal, certamente também.
Mas agora com licença, pois o meu gato acabou de entrar e está me olhando com cara de “Qual é a tua.” E vou ter que parar por aqui, para poder explicar a ele que a minha é, simplesmente, viver.
(Crônica premiada em 3º lugar no concurso da Academia Criciumense de Letras - 2011).

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