Rótulos que colam em nós


 
SOU da geração que ia à praia sem filtro solar. Esse negócio de ficar lambuzando o corpo inteiro e esperar dez minutos antes de cair na água? Bem capaz! A única prevenção era o traço branco de hipoglós abaixo dos olhos e no centro do nariz (num descolado estilo indígena), combinando com beiços untados da mesma pasta (ao maneiríssimo estilo surfista).
Nunca pratiquei o surfe, somente jacareísmo com prancha de isopor, até surgirem as delicadas morey boogies e me tornar uma pretensa bodyboarder. Com isto estou querendo dizer que passava o verão inteiro imersa em água salgada. O que em reação com uma epiderme recheada de melanina transformava-me numa ilegítima afro-descendente.
Adivinhe então qual foi o apelido que ganhei? MACACA!
Nada de moreninha, pretinha, neguinha... eu era a macaca. Imagine o que este apelido “inofensivo” me rendeu por toda a adolescência e parte da juventude...
Eu queria ser branca! Igualzinha ao resto das minhas amigas branquelas que só pegavam “uma cor” quando o verão estava acabando. Numa síndrome Michael Jackson, eu queria algo que me fizesse clarear. PUTZ! Em que ano inventaram o bloqueador solar? Nem imagino! Só sei que quando eu o descobri nunca mais o larguei.
Também sou da geração das mulheres baixas. Medir mais de 1,65cm naquele tempo era quase uma anomalia. Imagine quem tinha 1,70cm e um par de pernas finas!
Para piorar ainda mais a situação, na época, éramos obrigados a desfilar no dia 7 de setembro. E adivinha quem formava o primeiro pelotão? As maiores. As que tinham um par de pernas finas por baixo das saias pregueadas azul marinho. Eu, o protótipo de Olívia Palito completamente desprovida de qualquer Popeye ou Brutus que lutasse por mim e me salvasse daquele mico.
Eu queria ser baixinha! Igualzinho ao resto das minhas amigas normais (e paqueradas). Que podiam comprar todas as cores do maravilhoso tamanco de madeira que era o hit do momento. Claro que eu também tive um, branco. Mas para usá-lo fazia um ridículo contorcionismo com o pescoço tentando diminuir os cinco centímetros excedentes e não me sentir o último coco do coqueiro.
Depois deste peso que, literalmente, curvou as minhas costas por toda a adolescência, transformando-me numa longa vareta envergada, surgiram as Top Models gigantes e magrelas. Foi quando desejei morrer duplamente: por não ter crescido pelo menos cinco centímetros a mais e por já ter passado da idade. Embora, com imenso alívio, nesta época pude endireitar a coluna e parecer menos desengonçada.
É que estas coisas pegam. Grudam em nós. Como uma etiqueta que pinica, incomoda, machuca. A gente dá uma sacolejada no corpo, finge que não está doendo tanto, mas vai seguindo com a danada espetando pelo resto da vida ou até que se resolva que é hora de cortá-la, rasgá-la, estraçalhá-la, queimá-la de uma vez por todas.
Convenhamos! Chamar uma garota (no auge da insegurança) de macaca, Olívia Palito, vareta envergada, caolha (não falei aqui do meu estrabismo congênito), pode ser uma brincadeirinha inocente para o autor, mas é o cúmulo da insensibilidade para quem é vítima.
Os orelhudos, narigudos, beiçudos, zolhudos, maricas, machorras, medrosos, burros, da adolescência, sabem muito bem do que estou falando. Depois de adulto dá uma trabalheira danada arrancar estas marcas indevidamente coladas no ego.
Haja regressão, hipnose, psicanálise, acupuntura... UFA!!
Hoje estou ótima com minha cor e com minha altura, muito obrigada. Mas que doeu, doeu.
Já quanto ao corpitcho... Às vezes bate uma nostalgia... Saudade do tempo em que era um palito. Nenhuma gordurinha aqui, nenhuma ali... Eu era top! Pena que não sabia.

(Do meu livro Na sala de espera).

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