Perspectiva


Qual o antônimo de retrospectiva? Perguntei aos meus botões num lapso de raciocínio, destes que nos põe a vasculhar a mente para obter a resposta que resolveu se esconder e nos causar o tal branco.  Mas antes que os botões respondessem, outra pergunta bem mais intrigante assaltou meu pensamento: Quem inventou de falar com os botões, quando, como e por quê?
Desta vez perguntei ao Google sobre esta maluquice de interagir com os carinhas redondos que possuem dois furinhos no meio e nada mais (nem boca, nem ouvidos...). Mas não encontrei “botovina” nenhuma de resposta (se existe patavina por que eu não posso criar a botovina?). Conclui assim que, se eu  posso falar com botões, posso falar com quem quiser, de quem quiser ou não quiser.
Não quero falar de 2011!!! Tenho o direito, cá com os meus botões, de optar em não olhar para trás. E o que é o contrário de olhar para trás? Olhar para frente! Escolhi narrar o antônimo de Retrospectiva e os meus botões me apoiaram plenamente: “Fale de Perspectiva.”
Nunca fui dada a nostalgia ou melancolia, a única saudade que sinto é daquilo que posso matar. Qual é a graça de ficar chorando por aquilo que não vai mais voltar? Nenhuma. Assim, não só abrirei alas para que 2011 adentre no túnel do tempo, como colocarei uma enorme pedra na entrada para que ele desista de qualquer tentativa de voltar à minha memória.  Rezo para que não ressuscite.
Sabe aquele tipo de pessoa ou situação que pousa na sua vida sem o seu consentimento, que não tem muito a ver com você, causa mais aborrecimentos do que alegria, mas, ao final das contas, você se dá conta de que ela foi necessária, no mínimo para poder exercitar sua tolerância? O ano que deixa seu posto foi toleravelmente necessário para mim.  Ergo um brinde à 2011: “Valeu camarada!!!”
Mas agora vou tratar do presente. Este que está prestes a trocar um dígito na sua identidade. Minha preferência sempre foi mesmo pelos números pares. Par lembra conjunção, comunhão, encontro, união. Aí, ai... já me sinto tão envolvida por 2012, que esqueci completamente do seu antecessor. Dá até uma vontadezinha de escrever um bilhete de despedida: “Já vai tarde!!!”
Só não vou ficar escrevendo os motivos que me impediram de amar 2011. Creia! Divergências são degraus. Ainda que tenha tropeçado inúmeras vezes chegando a rolar até o último, sinto que entrarei mais elevada em 2012.
Não ao ponto apostar que este será um ano mais complacente com as minhas fraquezas e dificuldades. Que me poupará das quedas e esconderá os problemas para que eu não me estresse tanto. Que abençoará minhas escolhas para que eu erre menos e apontará o caminho para que eu me encontre mais.  Que enviará sinais para que eu descubra a saída e palavras-chave para que eu saiba as respostas. Que evitará que meu coração se iluda e que minha mente engane. Que impedirá que as pessoas e animais que eu amo desapareçam e que os meus amados sofram. Que exterminará as doenças e as dores. Que fará com que as lágrimas sejam somente de alegria. Que o medo se suicide e que a coragem assuma o seu cargo. Que a inveja seja vencida; que o ódio caia; que o egoísmo morra; que o mal se evapore; que o amor domine o mundo.
 Se eu apostasse em um 2012 com esta perspectiva, certamente você acharia que, além de outras avarias, 2011 me endoideceu de vez. Perderia a credibilidade, não tenho dúvida. Passaria a ser uma charlatã de falsas profecias. Uma adivinha de quinta categoria. Uma farsa. Perderia meus leitores com certeza. Até porque dizem que será o ano do fim, lembra?
Então, não apostarei que 2012 será perfeito assim, mas, segundo  meus botões, se Perspectiva significa esperança; expectativa; probabilidade; ponto de vista... No meu ponto de vista, posso até não apostar, mas posso pedir, rezar, mentalizar e acreditar.
 Não se trata de corrente ( até porque sou a maior quebradora de correntes que conheço) mas se você quiser entrar nessa comigo podemos selar um pacto de fazer este decreto de fé. Se depender de nossas orações 2012 será o fim sim, mas só das coisas ruins.
Que todos os anjos, arcanjos, santos e orixás nos ouçam e nos abençoem.
Feliz 2012!


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Papai Noel Repaginado


O natal está aí outra vez e, me sinto um tanto quanto revoltada com este tal de Noel que já me excluiu de suas visitas faz tempo. Ou será que fui eu que o esqueci? Bom, não importa. O fato é que me dei conta de que, entra ano e sai ano, o cara barbudo continua firme, com sua sufocante roupa vermelha e desconfortáveis botas pretas, sendo o representante oficial da data. Poxa! Nem com toda esta evolução tecno–científica-comportamental o cara se dignou a renovar o guarda-roupa, fazer uma dieta ou passar num cabeleireiro?
Perdoem-me os conservadores, mas acho que se tudo muda o tempo todo no mundo (segundo Lulu), Noel também deveria ser repaginado.Sabe com é? Deixar o “papai” de lado e assumir o lado “brother” de ser. De igual para igual, num tête-à-tête puxar um papo com a rapaziada de todas as idades sem precisar sair disfarçadamente pela chaminé de casas que nem lareira têm.
E esta história de trenó e renas, então... A figura natalina poderia chegar de carro, de moto, a pé, sei lá! Chegar e não ter hora para voltar. Passar uma noite inteira de bate-papo, filosofia, cantoria, nostalgia o que der na telha e pingar no coração. Sem se preocupar com o saco.
Saco nestas alturas do campeonato também não dá, né?! Muito mais atual vir abraçado numa montanha de presentes, equilibrando-se elegantemente para não se estatelar no primeiro degrau que surgir à frente, ou, ainda melhor, vir sem nenhum presente, mas com uma montanha de abraços, daqueles que a gente se joga dentro e não quer mais sair.
Não me leia como uma devoradora de vovozinhos, nem me julgue uma pseudo-marketeira recalcada. Garanto que não pretendo exterminar o personagem do conto de dezembro, nem criar outra “logopessoa” e, muito menos acabar com a fantasia. Pelo contrário, só gostaria que esta magia fosse um pouco mais real.Adoraria transformar Noel em outro cidadão de nome qualquer. Alguém de pés no chão, à minha altura. Ao alcance dos meus lábios e dos meus ouvidos para que pudéssemos trocar confissões e sonhos na noite de natal. Entende?
Que tal colocarmos este plano em prática? Topa?
Ok! Preste atenção! Vou lhe dar um presente.
Não! Não vou tirá-lo de nenhum saco. Ele está aqui, atrapalhando minha visão, agarrado a mim... Juntinho do meu coração... Um minutinho.... Trouxe um abraço para você!!!! Opaaaa! Pegou?
Se olhar com cuidado, verá que junto dele tem também um beijo e um cartão ultramoderno! Como é feito de matéria invisível, talvez não consiga lê-lo...Saiba que nele está registrado o meu todo o carinho e admiração por você. E ainda, num subscrito final, carimbei “Hip-hip- hurra!”. Que representa a minha torcida para que você vença em tudo aquilo que tentar.
Ah! Já ia esquecendo... Não sou seu papai, nem sua mamãe, mas tenho que lhe aconselhar.
“Se não tentar, nunca irá vencer!”.
Também não estou vestindo um conjunto vermelho e botas pretas, mas pode acreditar...
“ Não importa como os outros vêem você, e sim, como você se vê.”
Tampouco tenho barbas e longos cabelos brancos, mas posso garantir...
 “Os únicos números que marcam a vida são os que contam as emoções sentidas.”
Enfim, não moro no Pólo Norte, não me chamo Noel, nem vim de trenó. Mas estou aqui para garantir...
 “Papai noel é simplesmente alguém que faz o seu natal ser mágico!” -  Ho-ho-ho!  
                                   

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Correria


 
UM alerta tem se dado sobre uma epidemia existente. De todas as síndromes possíveis do século, a falta de tempo tem sido o mal de toda gente.
Um exacerbado acúmulo de tarefas por fazer, de sonhos a executar, de sonhos a sonhar... Simplesmente porque não se tem mais tempo para gastar.
Alguém um dia sugeriu: “organize o seu tempo”. Assim tentei fazer, e uma das primeiras providências foi abandonar o relógio. Como se o velho amigo de pulso me impusesse, no compasso das horas, os poucos minutos que ainda sobravam para cada coisa. Não olhar os ponteiros infalíveis poderia amenizar a paranóia da correria controlada. Opção errada.
Do acordar ao dormir, mesmo que um cuco neurótico não grite a cada hora que o tempo está passando, o dia já não é suficiente para fazer tudo o que se precisa. Quem dirá o que se deseja. Então se corre – como o coelho da história da Alice – em qualquer país. Por todo planeta uma mensagem universal é facilmente assimilada: Estou com pressa!
As 24 horas do dia já não passam, voam. Se uma hora continua tendo 60 minutos e 1 minuto continua sendo composto de 60 segundos, por que o dia parece que está sendo sequestrado? Procuro quem deva estar por trás de tudo isto e imagino um mago inconsequente empurrando o globo terrestre para que ele gire como carrossel desgovernado. Sinto-me nauseada!
A globalização colocou o mundo em total conectividade. O que acontece na China, no Alasca ou na África, chega a nós em tempo real. Isso quer dizer que estamos interligados. O que acontece; o que muda; o que precisa ser mudado... Já não é assunto de comunidade.
As informações se atropelam, as inovações pedem reciclagem. Já não dá mais para viver num mundinho, é preciso acompanhar o mundão. O slogan diz: “perde quem fica para trás”. Então, precisamos correr! Está explicado: o vilão não é o tempo, o tempo é que foi violado.
O finado Sócrates nem sequer imaginou que séculos diante do seu o homem não teria tempo para viver, nem sequer filosofar.
Pensamentos ficam amputados; idéias são abortadas; planos esquecidos; desejos esmaecidos.
A vida sem sentido é disputada na maratona do dia e ele só tem 24 horas. Corre Jesus, Ave Maria! O filho que espere. O cachorro que se vire. Os amigos, outra hora. A poesia, mais tarde. Apaga a luz, amanhã é “outra-feira”,quem dera fosse domingo.

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Magia


Do deck do Café da Corte- São José

Lua no ar
Medo do sol
Que nasce trazendo a manhã
Compõem o canto dos pássaros
Que assustam...
Sem saber porquê.

Batida de mãos
Música do coração
Letras perfeitas
Compõem a poesia dos loucos.
São poucos
Iguais a você.

Magia branca
Feitiço doce
De chocolate preto
Que a alma sorve.
O sabor perfeito
De ter você.

Colchão no chão
O gás da água
Borbulha na boca da noite
Encharcando o insaciável prazer
Do coração sedento
De amar você.

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A culpa é da minha mãe



 

JÁ fui taxada por muitos de “boazinha demais”. Companheiros enciumados já me acusaram de “simpática demais”. O que na tradução das entrelinhas significava que eu poderia parecer
“disponível demais”.
 Tudo por conta do meu sorriso escancarado, da minha conversa solta, do meu espírito brincalhão.
“Puxei à minha mãe!”, eu me defendo.
Quem diria que aquela adolescente birrenta iria admitir, no futuro, ser parecida com a sua inimiga número 1 do passado?  Vai dizer que o os titios Freud e Jung não estavam certos em suas análises sobre os complexos de Édipo e Electra? Vai dizer que quando a menina se dá por conta, está amando o pai e odiando a mulher dele?
 Sou do time que joga a favor das exceções, mas conheço muitas mães de menininhas adolescentes para saber que ambas vivem em pé de guerra.
Mas voltando ao início, quando eu culpava a minha mãe por ser “queridinha demais”... Peguei este jeito dela, das incontáveis vezes que saíamos na rua e ela ia cumprimentando todos, sorrindo para todos, falando com todos, brincando com todos. Tornando, para mim, um simples passeio numa cansável maratona.
A culpa é dela se hoje cumprimento a todos, sorrio para todos, falo com todos, brinco com todos. A culpa é dela se não deixo um único e-mail sem volta. Nenhum comentário sem o devido agradecimento. Nenhuma pergunta sem resposta. Nenhum carinho sem troco.
Acredito no milagre da gentileza, na força do sorriso, no poder da boa educação. Em consequência, ainda acredito na boa intenção das pessoas.
 Você acha que por isto me torno “ingênua demais”?
A culpa é da minha mãe!

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TOC- TOC


TOC-TOC. Minha campainha tem som de batida de mão porque ando cansada destes sons remasterizados futuristicamente metálicos e impessoais. Ela poderia tocar DIM-DOM, uma vez que o natal está chegando e ele lembra o toque de um sino que toca DIM-DOM. Mas ainda prefiro o TOC-TOC da mão. Prefiro o natal que parou no tempo, de preferência o natal do tempo que eu era criança e aguardava dezembro ansiosamente por onze meses.
TOC-TOC!  Dezembro chegou.
Não o deixo entrar imediatamente. Paro um pouco para tentar adivinhar como estará sua cara agora, desde a última vez que nos vimos.  
Lembro que ele estava desanimado, com olheiras profundas, olhos e corpo cansado. Vi um Dezembro estressado entrar pela minha porta.  Confesso que quase não o reconheci. Cheguei a pensar que poderia ser um impostor tentando me pregar uma pegadinha, sabe? O Agosto acinzentado matando o desejo latente de vestir vermelho. O Julho gelado querendo se passar por quente. Enfim, na última vez que encontrei Dezembro ele se parecia com qualquer outro, menos com ele mesmo.
Deve estar ficando velho, o pensamento sussurrou em meu ouvido. Cansado da maratona anual, tudo sempre tão previsivelmente e cansativamente igual. Corrida de presentes; tempo empacotado; pressa na vitrine; estresse com laço de fita; injustiça brilhando na árvore; crianças sem brilho; adultos ofuscados; velhos desesperançados.
Me compadeci do último dezembro. Quase aconselhei que não viesse naquele ano. Que se desse o direito de gazear, tal um aluno despreparado em dia de prova. Que saísse pela janela e se escondesse no telhado. Trinta e um dias sem que ninguém soubesse dele. “Será que foi sequestrado? Assassinado? Alguém avisou a polícia? A Interpol? A CIA? Terá sido queima de arquivo? O tráfico organizado? A Máfia? Vítima de Papai Noel psicopata? Procura-se Dezembro vivo...ou mesmo morto.”
Mas guardei todas, uma a uma, estas idéias mirabolantes. Dezembro já não é divertido como antigamente. Perdeu o jeito para fantasia e imaginação. Não só não acataria minha sugestão, como se ofenderia profundamente. “Imagine um ano sem mim. Quanto prejuízo causaria. A Bolsa despencaria; o dólar dispararia; o real sumiria; os bancos faliriam; as lojas fechariam. Uma síncope no mercado financeiro.”
Podre Dezembro, pensei no ano passado, está totalmente obsediado pelo espírito capitalista. Esqueceu  completamente do ilustre aniversariante do dia 25. Achei melhor nem falar.
TOC- TOC!! Ele está lá fora impaciente.
Deveria ter me preparado melhor para a sua chegada. Ter executado a agenda antecipadamente. Linha a linha. Ter montado uma programação diferente. Visita aos velhinhos, às criancinhas e amigos desamparados. Confeccionado lembranças originais. Cartões de poesia. Origamis de prosperidade, sorte, amor e alegria. Bolas de sementes de fertilidade. Camisetas pintadas à mão. Bolsa de retalhos. Retalhos de coração. Ter escolhido uma trilha sonora “Para um dezembro diferente”. Playlist com os cantores preferidos. Um ritual de agradecimento para cada dia. Flores nos vasos. Incensos nos ambientes. Banho de sal grosso. Colares de contas. Contos do ano todo. Agora não dá mais tempo.
TOC-TOC!! Ele está lá fora. Sorte que não temos neve por aqui, senão já estaria congelado. Até que não seria má idéia! Um dezembro congelado. “Atenção! Dezembro hibernando até o próximo verão.”
Um tempo para nos refazermos, eu ele. Apararmos as arestas e desconsideramos as rusgas, afinal ele foi minha visita mais esperada no passado. Começava a sentir saudade dele antes mesmo que partisse. E quando partia me alimentava diariamente de sua lembrança. Meu Dezembro de criança chegava junto com as férias, assim, íamos juntos para praia. Por causa dele ganhei meus melhores e inesquecíveis presentes: a bicicleta vermelha; a boneca que canta; a boneca que anda; a sombra do Papai Noel que nunca vi, mas juro que estava lá. Os foguetes rasgando o céu. As oferendas para Iemanjá. Os três pulos. As três uvas. As três amigas. Minha mãe, meu pai e eu.
Não tenho vontade de abrir a porta para este Dezembro que se perdeu de mim. Ou será que fui eu?Não quero receber este Dezembro maduro e responsável que me força a compreender que nunca mais serei criança. Que chega para lembrar que já não sou feliz com ele, como fui um dia.
TOC-TOC! Estou saindo pela porta dos fundos. Avisem Dezembro que só volto em janeiro.

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O PRESENTE



Você ainda não havia nascido quando veio o pedido para que me pusesse a escrever. Poesia, carta, bilhete, mensagem ou lembrete que o levasse a saber.  Que as palavras embora não custem nada, são preciosos presentes para dar e receber. Como fazer? Escrevo palavras bonitas, borrifo essência, acomodo numa linda caixa e a envolvo com fita? Azul porque você é um menino? Nada a ver! Logo vai descobrir. As cores não determinam nada além do que você sentir. Homens vestem rosa, acredite. Choram não se deixe enganar. Se ouvir o contrário, não hesite em duvidar. Lágrimas não azuis nem rosa são transparentes para que todos possam derramar.
Assim, quando a tristeza vier lhe visitar (e ela sempre virá) não se amedronte, nem a espante. Abra a porta e a deixe entrar. Chore com ela se sentir vontade. Assim como veio, partirá.  No tempo certo: nem muito cedo, nem muito tarde. O bom de tudo, logo irá perceber. Que no vão de estar triste, mora uma figura ilustre que todos querem conhecer. Nem rosa, nem azul, nem transparente. Dizem que não possui uma única cor. Que é reluzente.  Misturada, listrada, embolotada, colorida.  Não posso afirmar ser mentira ou verdade, mas sei como se chama. No vão da tristeza vive a felicidade.
Se irá reconhecê-la? Com certeza. Tão logo sair deste quartinho escuro e mergulhar no salão iluminado. No primeiro momento não entenderá nada. Se sentirá incomodado, chacoalhado, sacudido, tapeado, jogado. Este pega-pega, beijos e abraços apertados, são fatias de felicidade que só experimenta quem é realmente muito amado. Você já é. Intensamente!
Crescerá rapidamente, a cada dia e em todos os sentidos. Mas é pelas coisas que fizer que será reconhecido. Sugiro então, que ame muito. A tudo e a todos da mesma maneira que amar você.  Faça o bem! Sempre que puder, mesmo que não puder, além do que puder. Não se importe de saber a quem. Ignore o mal. Mesmo sendo horroroso, impiedoso e forte. O perdão é a melhor arma para lhe fazer vitorioso. Havia esquecido está parte?  Sim, terá que lutar enquanto estiver por aqui. Nada que não possa ser vencido. Nada que não consiga vencer. Fique atento. O maior inimigo está dentro de você.
Para ignorá-lo sorria muito. Silencie sempre. Fale o necessário. Ouça incansavelmente. Pense antes de qualquer comentário. Quando sentir vontade cante. Quando não conseguir parar, dance. Quando pensar em dizer, diga. Quando desejar correr, corra. Se cansar, durma. Se amar, confesse. Se for pedir, peça. Acima de tudo e por tudo agradeça. Nada será lhe dado ou tirado, sem que você mereça.
Não se preocupe em ter uma profissão. Perca o sono ouvindo seu coração. Acredite no caminho que ele ditar e siga. É mais fácil chegar quando se sabe a direção. Mas antes de partir só existe uma atitude. Agarre-se a ela como uma valiosa bagagem. Estude! Letras, números, tabelas, fórmulas. Jeitos de tornar a vida ainda mais bela. Poupe água e energia, com exceção da sua. Não se poupe, sue. Respeite  os animais irracionais e racionais. Ora racionalize, ora extravase; jamais se submeta.  Entre ser ou não ser; ser ou ter; não fique em dúvida, seja. Cometa!
O resto, deixo que descubra sozinho e (quem sabe) reescreva sua própria poesia, carta, bilhete, mensagem ou lembrete. Algo que não o deixe esquecer. Que a vida é o mais valioso presente e vivê-la plenamente é a melhor maneira de agradecer.
E para arrematar com requinte, este que lhe foi inspirado. Penduro em sua vida, feita pelo anjo da guarda, uma guirlanda iluminada. “Seja bem-vindo Conrado!”

                                                     Para: Conrado (antes dele nascer)

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Pra não dizer que não falei da morte



NÃO gostamos quando ela ronda. Desejamos ardentemente que ela nunca chegue perto de nós ou dos nossos. Por isso, passamos a maior parte da vida fingindo que ela não existe. Torcendo que, ao ignorá-la, ela tenha nos esquecido ou no mínimo nos deixado por último em sua infalível lista.
Porém, como devíamos esperar, ela chega.
E apresenta-se da forma que mais tememos e aparentemente que mais lhe agrada: sem avisar.
Sem pedir licença, sem dirigir condolências, sem apresentações.
– Com licença senhor ou senhora, eu sou a Morte e vim lhe avisar que chegou a hora de partir comigo.
Sem direito a argumentação.
– Mas como agora? Justo agora que eu iria começar um projeto novo. Agora que eu iria fazer tudo que ainda não fiz. Agora que tenho tanto a dizer, a reparar, a resgatar. Agora é cedo demais para mim!
Sem segunda chance.
– Sinto muito! Como todos sabem, para mim não existe hora, nem tempo certo ou errado. A mim só resta cumprir o meu papel, quando o tempo tiver esgotado.
Sem perdão.
– Sinto muito! Admito que andei me excedendo, me descuidando, ignorando... Mas isto é hábito de todos os mortais. Achamos que nunca virá, ou, pela lógica cronológica, que só virá nos buscar quando a chamarmos.
Sem explicação.
– Olha, estou levando fulano de tal, mas ele vai morar logo ali no andar de cima.
Sem saber pra onde.
- Mas vocês vão poder continuar se vendo e se falando. Basta trocarem os endereços e ligarem a webcam. Ele vai poder continuar escrevendo para você via e-mail. Também tem o chat que interliga todos os moradores lá de cima com os que continuam morando aqui embaixo. O bate-papo funciona 24 horas. Mas não tenha pressa em mudar pra lá também, pois a decisão não é sua.
O carrasco sem rosto e sem voz simplesmente executa a sentença que a todos foi dada, cumprindo a única certeza que temos, desde o momento em que a vida se fez em nós. A qual nós nunca aceitamos e para qual nunca nos preparamos; morrer.
E quando ela sopra com o hálito frio da sua presença nos tímpanos quentes da vida, nos encontra assim: desprevenidos, desarmados, indignados, estraçalhados, desesperados...
Perdidos nesta estranha mania de querer apenas viver.

(do meu livro Na sala de espera.)

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A felicidade não precisa de gaveta



ESTAMOS vivendo a era da corrida da abastança. Não entendeu? Preste atenção!
Você conhece alguém que se contenta com aquilo que ganha e que, sendo assim, resolveu viver, literalmente, a vida?
Você tem algum amigo, ou amiga, que trabalha numa parte do dia e na outra tira para cuidar de si, de seus hobbies, de seus livros, de seus discos, de seus filmes, de suas plantas, de seus filhos...?
Claro que não! (Deixo uma pequena margem para a exceção). A grande maioria das pessoas não se permite mais ter tempo de sobra. A humanidade vive uma nova era da corrida do ouro. Só que desta vez a alquimia transformou o ouro em notas, papel, moeda, casa, carro, roupa... Roupa, carro, casa, moeda, papel, notas...
Minha nossa! O que mais as pessoas precisam para se convencer de que mesmo construindo um caixão cheio de gavetas não dá para carregar tudo isso. Nem sabemos para onde vamos. Muito menos quanto tempo ainda nos resta por aqui. Então, para que correr tanto atrás das únicas coisas que não levaremos conosco?
Quantas pessoas com total controle de suas faculdades mentais se dão ao luxo (ou à pobreza) de ter apenas o necessário e de esbanjar na gastança de viver mais e melhor?
Espera aí, eu é que devo estar ficando louca! Como alguém poderá viver mais e melhor com pouco dinheiro? Uma vez que viver mais e melhor, nesta era, significa ter uma enorme casa (ou várias), um enorme carro (ou vários), uma enorme conta bancária (ou várias). Então, eu devo crer que se vinte e quatro horas já não são suficientes para se conseguir tudo isto que (supostamente) é necessário para ser feliz, imagine se alguém está a fim de perder tempo com futilidades como ler, ouvir música, assistir filmes, plantar, ou simplesmente cuidar dos filhos.
Outro dia, conversando com uma destas pessoas que chamamos “a exceção”, ela confessou abismada que a primeira coisa que perguntam ao vê-la passeando calmamente pelas ruas é:
— Você não trabalha???
Sabe o que ela responde
— Trabalho o suficiente para poder ser feliz!
Claro que esta pessoa não mora em mansão, nem tem carrão, nem um contão no banco. A menos que fosse uma herdeira rica. Porém, para “a exceção” a felicidade dos pequenos prazeres lhe garante um vidão. Lê bons livros, vai à academia, assiste filmes, pinta, borda e tricota... Tricota, pinta e borda.
Você deve estar se perguntando:— Ela trabalha?!?!
Eu lhe respondo: — A “exceção” trabalha o suficiente para poder ser feliz, pois sabe que a felicidade não precisa de gaveta.

(Do meu livro Na Sala de Espera.)

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Agenda




A contagem regressiva do tempo anuncia que o ano está terminando e dezembro é o aceno da despedida, em contagem acelerada até o Natal.
...
De 1 a 10 ainda dá para respirar, afinal ainda tenho mais 15 dias pela frente.
As aulas terminam ao mesmo tempo em que os amigos ocultos começam. É preciso comprar os presentes. Isto significa ter que enfrentar as lojas congestionadas (nesta época, mais cheias de vendedores do que de clientes). Melodias natalinas reverberam nos ambientes e se confundem com os alto-falantes dos carros que rodam nas ruas e me confundem. É hora de montar a árvore e os enfeites, pendurar a guirlanda na porta e encontrar o CD com músicas natalinas, entre as quais, a da Simone cantando “então é Natal...”.
...
De 10 a 20 a coisa começa a complicar. Os convites de formatura vão se acumulando. Tenho que me multiplicar para poder estar presente em todas as solenidades e não fazer desfeita. Correr para as lojas e comprar presentes. Porta-retrato, chaveiro, agenda, caneta. Com tanta correria perco a criatividade. As confraternizações vão atropelando as noites. É tempo de deixar o aconchego do sofá (das noites calmas do inverno) para ir brindar com os amigos do trabalho, da aula, do grupo de estudo, das entidades, das associações... As luzes de Natal tomam conta da cidade e anunciam com brilhantismo que vão consumir minhas preciosas horas. Numa loja qualquer Simone canta “e o que você fez?...”.
...
De 20 a 24 é o caos. Já não é possível caminhar. É preciso correr atrás do tempo tentando alcançá-lo, antes que ele acabe sem que eu tenha executado cada linha da agenda. Comprar presente para as crianças, para o pai das crianças, para os avós das crianças, os padrinhos das crianças, os amigos das crianças. Para os funcionários, o guarda, o jardineiro, o amigo secreto, a amiga explícita... Enquanto esbarro na multidão que resolveu sair de casa no mesmo dia em que eu para fazer as compras. Enquanto não encontro vaga para estacionar o carro. Enquanto o ponteiro do relógio gira mais rápido do que o velocímetro.
É preciso marcar cabeleireiro, manicure, depilação. Comprar os trajes da família para a ceia. Enquanto o Papai Noel sorri em todos os cantos, por todos os lados. Enquanto me arrependo por não ter deixado o carro em casa e seguido a pé. Simone canta no rádio “o ano termina...”.
...
Dia 24. Na véspera já não me reconheço. Os pés chiam, a cabeça ferve; o corpo não se aguenta. Pensar na ceia, preparar a ceia. É preciso preparar o velhinho: colocar a roupa, ajustar a barba, bigode, maçãs rosadas, sobrancelhas brancas, treinar o “oh-oh-oh!”, etiquetar os presentes, encher o saco (do Papai Noel), verificar o forno, o gelo, o cabelo, a máquina fotográfica, o batom. Atender a campainha! Receber o bom velhinho... Enquanto Simone canta ao fundo “e nasce outra vez...”.
...
Dia 25. No dia, não reconheço a casa. Os papéis rasgados dormindo no chão. As velas desmaiadas sobre a toalha. As bebidas esquecidas num canto, nos copos. As louças empilhadas (não esquecidas, largadas). Os brinquedos novos, enfeitando onde antes havia os enfeites. Os enfeites que perderam a graça. A árvore que perdeu o sentido. O espelho que reflete na íntegra a imagem dos meus 359 dias corridos, de cansaço. Simone (que nesta hora já possuiu o meu cérebro) lembra “então é Natal...”.

(Crônica do meu livro Na sala de espera.)

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Faz assim



(Às vezes eu escrevo cantando, às vezes eu canto escrevendo.  Se vai dar em música não sei...poesia com certeza!)

A lua falou que te viu por aí
E que estava perdido, tentando encontrar o caminho de volta
Lá de cima ela viu que sozinho chorou
Disfarçando que ria, em frente a minha porta.
Faz assim,
Não aceite que falem por ti o que vai no teu peito
Não deixe que eu durma e acorde sozinha
Não minta, não esconda a dor deste jeito.
Faz assim,
Revele este amor antes que fique tarde
Me arrombe, desperte, durma comigo
E confesse que me amar é a mais pura verdade.

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Verão brasileirês


 
FALTANDO praticamente dois meses para a formal entrada do verão, o calor chega na frente antecipando as atividades típicas de quem mora próximo ao mar.
– Que calorão!
Esquece-se momentaneamente (ou inteiramente) a poluição que bóia nas águas e parte-se para as praias.
– Que maravilha!
Basta seguir pelas vias que dão acesso aos balneários para sentir a brisa fresca batendo na face afogueada feito tapinhas de luvas tiradas do freezer.
– Que delícia!
Uma moto apressada ultrapassa-me numa velocidade desmedida. Sobre ela um herói incógnito arrisca vidas (a sua e a dos outros), munido apenas de um poderoso capacete. A cena remete-me, instantaneamente, a lenda da mula sem cabeça... A mula voa para longe de mim de capacete, bermuda e o resto nu. Por onde anda a polícia? Você viu algum daqueles senhores de farda por aí? Será que chegaram primeiro nas praias e já estão a lagartear sob o sol?
– Que beleza!
Quase beijei a traseira do carro da frente. Não que seja meu tipo. Modelo 88-89, série prata enferrujada, sinaleiras queimadas... O automóvel senil não conseguiu avisar-me que iria parar abruptamente sobre a pista e quase que eu me agarro inteira no seu capô descascado.
Avistou algum policial por aí? A coisa está, literalmente, fervendo e ainda estou longe da praia.
– Que refrescante!
Fila indiana sobre o asfalto. Acidente? Apenas um mero “congestionamentozinho” na entrada do parque aquático. Assisto a água fresca esguichando lá fora, enquanto asso no meu forno de quatro rodas. Só não vejo a luz das viaturas. Será que Deus assumiu o posto e mandou a corporação inteira curtir uma pelada na areia? É melhor crer que sim!
– Enfim, praia!
Areia branquinha enfeitada de guarda-sóis coloridos, de cachorros marrons, brancos, pretos...
– Que paradisíaco!
Crianças correndo, carros correndo, motos correndo, mulas de cabeça voando na beira-mar.
– Que mágico!
Caranguejo resolve morar na latinha de cerveja abandonada. Papa-terra abocanha uma deliciosa embalagem do picolé recém-lançado.
– Que maneiro!
O mar não consegue controlar as próprias ondas. Umas querem rebolar ao som do funk carioca, enquanto outras preferem sacolejar ao ritmo do sertanejo universitário. A guerra praiana de alto-falantes deixou até o quero-quero pirado. Precisou ser internado!
Pra resumir, no brasileirês legítimo, em seu horário adiantado o verão vem bater nas portas. Porém, na correria para encontrar a esteira poeirenta, o guarda sol enferrujado, o bronzeador vencido, o biquíni desbotado, o calção mofado...Muita gente esquece o bom senso e a educação em casa. E pra piorar...
– CADÊ A POLÍCIA?!!!!!
Será que estão vestindo uma sunga oficial? Eu é que não vou procurar o distintivo.

(Do meu livro Na Sala de Espera.)

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Chô, satanás!


 
“JESUS não era só mansuetude não! Muitas vezes perdeu a calma, ralhou em alto e bom tom com os seus discípulos e imaginem o quanto deu de preocupação à Maria, sua mãe.”
Quando aquele estudioso de assuntos religiosos afirmou (com maestria) esta faceta oculta da vida de Jesus, eu me dei conta de que ele também era humano. Foi a glória!
Imagine o alívio que dá saber (no mínimo conjecturar) que o filho primogênito de Deus também subiu nas tamancas, rodou a baiana e perdeu as estribeiras.
Perceba o conforto que é pensar que Jesus, em sua teimosia de sair pregando por toda a Galileia, deixou Maria com o coração em frangalhos pelo medo de que algo acontecesse ao filho rebelde. Sinta o quanto isto não só nos aproxima do grande mestre, como sugere que ele já deu algumas voltinhas pelo nosso mundo nada angelical.
Porque (fala sério!) como é difícil carregar um par de asas nas costas! Como é impossível equilibrar uma auréola sobre a cabeça!
A gente até tenta... Sabe aquela história de vigiai e orai? Funciona. Até certo ponto, depois não tem jeito. A gente sem querer baixa a guarda e quando vê acontece o assalto dos pensamentos malvados. Aqueles que roubam a nossa tolerância, saqueiam a nossa paciência, furtam a nossa benevolência... E nos deixam nus sobre um par de tamancas perdendo, finalmente, as asas, a auréola e a compostura.
É quando a gente lança um palavrão, atira uma baixaria, dispara a metralhadora de sapos venenosos que estavam entalados na garganta... É quando somos humanos.
Não estou aqui dizendo para ficarmos tranquilos porque as portas do céu estão escancaradas para nós e que Jesus (o temperamental) está nos esperando encostado no batente. Sabemos que ele enfrentou quarenta dias no deserto com o Satanás atazanando e não sucumbiu à maldade. (Pelo menos é o que está escrito).
Estou apenas querendo sentir que quando os filhotinhos do mal vêm me espetar com seus tridentes afiados tentando a minha paciência e tirando-me do sério, posso lutar contra eles sem correr o risco de ir parar no purgatório.
Afinal, quem nos garante que Jesus em momentos de extrema tensão emocional não mandou o capeta (de volta) para o inferno?!

(Do meu livro Na sala de espera.)

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Extraviada


Foto: Enio Frasseto

Às vezes, no meio das coisas que acho, me perco
Entre as coisas que perco, às vezes, me acho.
Reconheço assim que desconheço
O que é começo ou fim.
Na incerteza de onde vim, aonde vou
Sigo me perdendo, enfim
Para encontrar o que de mim restou.

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Paredes Vivas


Foto: Enio Frasseto

Recordo cada um, todos amores
Relembro todas, cada uma das dores
Distingo cheiros, nomeio perfumes, repilo odores
Discursos, palavras, frases, oradores
Ouço-os ainda, gratidão e rancores
Sorrisos francos, braços abertos, olhares consoladores
Bocas comprimidas, falsos abraços, olhos traidores
Revivo detalhes, nuances, sabores
Rememoro paisagens, cenas,  dissabores
Ainda que tenha perdido as primeiras cores
Que o tempo as tenha violado com seus predadores
Que as cascas arranquem meus azuis e meus bolores
Que os pincéis dos anos me pintem cinza, enganadores
Minhas paredes continuam vivas e entre elas ainda nascem flores.

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O que importa



Pouco importa as palavras que engoli
Os pensamentos que abortei
Os desejos que assassinei
A realidade que nunca deixou de ser sonho.
Pouco importa o que não fui
O que deixei de ser
O que temi fazer
A coragem que nunca deixou de ser medo.
Pouco importa os vãos que não vasculhei
Os cômodos que não visitei
Os segredos que não revelei
A verdade que nunca deixou de ser mentira.
Pouco importa o que acho que sou
O que penso que os outros acham
O que os outros não sabem, mas pensam
O ser que nunca deixou de achar que seria.
Pouco importa as faces que faço
Os disfarces que visto
As máscaras que desfilo
O personagem que nunca deixou de ser ficção.
Pouco importa o “se” que nunca foi
O fazer que nunca fiz
O ser que nunca fui
O sou que nunca deixou de ser o que não era.
O que importa
É o contrário de tudo que pouco importa.

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Confesso que já morri



FOI embaixo da cama. Resolvi morrer de tristeza onde ninguém pudesse me encontrar. Tinha cinco anos e acabara de ver meu irmão mais velho partir com sua enorme mala para longe de mim. Depois morri de saudade. E aos poucos, fui descobrindo que iria morrer muitas e muitas vezes durante a minha vida.
Já morri de vergonha da diferença de 10 a 15 centímetros de altura que me faziam destoar das minhas amigas. Das minhas pernas finas. E, inesquecivelmente, de ter me estatelado no chão na hora do recreio, bem na frente do menino que era dono do meu coração.
Um pouco depois quase morri de inveja de uma colega que foi passar as férias na Disney, enquanto eu ficava em casa assistindo Sessão da Tarde e me empanturrando de Chips e bombom. Terminei de morrer quando ela voltou contando detalhes da viagem, agarrada numa Minnie e num Mickey legítimos.
Perdi a conta das vezes em que morri de raiva e depois ressuscitei para morrer de arrependimento. Quantas vezes eu fui enterrada por morrer de dor? Por morrer de medo? Por morrer de tédio? Por quantas vezes o meu coração parou e a autopsia comprovou que eu morrera de amor? Em quantas vezes ele descompassou me fazendo morrer de felicidade?
Não faço a menor idéia. Mas posso lembrar que renasci todas as vezes. Embora depois de cada funeral eu já não fosse a mesma. Reencarnara no mesmo corpo, mas o meu olhar era diferente. A minha mente fora estendida. O meu coração ficara mais forte para enfrentar outras mortes.
Em algumas cheguei a pensar que não iria mais viver, noutras achei que pararia de morrer. Finalmente compreendi que morrerei muitas vezes, enquanto teimar em viver.

(Do meu livro Na Sala de Espera.)

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Vilão




De me perder sem achar
Na bagunça em que me instalei
Encontro a certeza que pouco sei
Nada sou
Do muito que pensava ser
Onde estou
Não é lugar, é solidão
Para onde vou
Não é destino, é ilusão
Fuso arbitrário do coração
Bate mais rápido que o tempo
Voa mais alto que a razão
Leva nas garras a vítima
Roubada de si
Enclausurada em si
Exposta a si
Perdida em si
Vilão sou eu.


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Falseie



Se veio do coração, siga em frente
Decida por emoção, por que não?
Ame por carência, paciência!
O amor verdadeiro soa falso
O falso parece verdadeiro
Como saber o que é o quê?
Quando se sente o que não se vê
Amar falsamente é melhor do que não ter
Alguém que verdadeiramente ama você.
 (  ) Ter  (  ) Não ter
Quando o X da questão vir do coração, não hesite em marcar
Falseie.



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Criatura e criador


DE onde viemos e para onde vamos? Não sei precisar ao certo há quanto tempo esta pergunta martela em minha mente e, sem sombra de dúvida, na mente de toda a humanidade.
Temerosos de que as marteladas nos enlouqueçam acabamos abrindo a gavetinha dos enigmas indecifráveis da nossa existência e trancafiamos lá esta questão insolúvel. Medida simples, porém insatisfatória. Não é à toa que vira e mexe estamos remexendo na tal gaveta, trazendo para fora a malfadada questão: de onde mesmo nós viemos?
Das várias teorias em pauta, algumas definitivamente eu rejeito e tenho minhas razões para isto. Francamente, não posso conceber a idéia de ser ancestral de algum tipo de primata que resolveu evoluir e virar gente. Tudo bem que as outras espécies de macacos (que optaram por não evoluir) existentes nas matas e nos zôos hoje em dia sejam apenas nossos primos distantes... Mas, a parentada que me perdoe à soberba, mas não vou contar aos meus filhos e netos a historinha da macacada da nossa família. Não vou mesmo!
Ser uma folhinha remanescente da extremidade das ramificações da árvore genealógica do Sr. Adão e da Sra. Eva me parece algo básico demais. Não sei o que é mais intolerável, ter nascido do barro ou da costela de alguém. Além da inconsistência dos dados, desde que esta história surgiu, a mulher passou a ser um apêndice do homem. Como um osso faltante que não faz falta nenhuma. Reneguei definitivamente o meu nome desta árvore.
Continuo assim, embrenhada na confusão criada pelo Evolucionismo de Darwin e no paradoxal Criacionismo da versão Gênese Bíblica, onde o pecado de Adão e de Eva (não se sabe ao certo quem comeu “o quê” primeiro) deu início à humanidade, mas não abençoou o ato sexual. E ainda resta o efeito Big Bang!
A idéia de ser fruto de um amontoado de poeira estelar perdida no espaço, até que me agrada. Dá um toque de glamour místico. Ser descendente direto das substâncias de outras galáxias é uma hierarquia e tanto! Permite-me mirar o céu numa noite estrelada esperando o momento em que a família extraterrestre venha me resgatar num OVNI superpossante.
O fato é que quanto mais procuro me desvencilhar da teia de fundamentos inconsistentes sobre a origem do ser, mas me enredo e acabo me afastando de uma verdade palpável. Ao refutar aquilo que não me convence alicerço a teoria de que pouco importa “como”, “do que” ou “de onde” surgi. Que diferença faria a minha vida, descobrir de onde eu vim? O que mudaria nos meus conceitos, na minha bagagem, no meu presente, no meu futuro e no meu coração? Exatamente nada!
Fechei a gaveta deste enigma para sempre e joguei fora a chave, pois a tempo descobri que a origem e a razão de tudo se chama AMOR. Não sei de que matéria ele advém, só sei que vive e se desenvolve dentro de cada ser. Desta forma não nos fez meras criaturas, e sim, poderosos criadores.

(Do meu livro Na sala de espera.)

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O medo que mora comigo


 
ADMITO corajosamente que tremo, suo e tenho cólicas só em me imaginar numa aventura radical. Destas que ativam a adrenalina dos corajosos e o pânico dos medrosos. Tenho medo sim!
Claro que tentei mudar. Lógico que experimentei a terapia de choque para vencer o que (psicologicamente analisando) me atrapalharia pelo resto da vida.
O primeiro duelo que travei com o medo foi sobre as dunas. Nada de armas, nada de contar passos e atirar mais rápido. Apenas um buggy, alguns amigos, um motorista inexperiente, eu e o medo. Sobe dunas, desce dunas, acelera na descida, um pouco mais na subida...UHHHH!!! Cabelos voando, os amigos sorrindo, o medo gargalhando, uma freada brusca e eu... Estendida no chão! Com o nariz quebrado e o medo vitorioso zombando: “Quero ver explicar à sua mãe!”
Como as dunas são o playground de quem mora junto à praia, travei a segunda batalha com o medo novamente sobre elas. Alguns amigos, todos inexperientes, uma prancha de sandboard, eu e o medo. Desço primeiro sentada, por ser mais confortável (mentira). Depois em pé por não ser covarde (mentira). UHHHH!!! Cabelos voando, os amigos sorrindo, o medo gritando e eu...
Estendida no chão! Com um novo rosto esculpido de areia, o tornozelo inchado e o medo zoando no ouvido arenoso: “Quero ver explicar à sua mãe!”
Dei por encerrada a minha história de combate na areia. Na terceira vez que encarei o medo, foi sobre o mar. Alguns amigos, um ultraleve, um piloto experiente, eu e o pavor. Relutei. Tentei fugir. Dei a luta por vencida, preferi desistir. A torcida encorajou. Vai lá! É imperdível! Vai se arrepender se não for! Fui! UHHHH!!! Cabelos voando, a vida voando, o medo voando agarrado atrás de mim. E eu... Prestes a desmaiar nas alturas!Desci cambaleando, amparada pelo medo, e a cabeça eclodindo: “Quero a minha mãe!!!”
Desisti de lutar. Passamos da idade, eu e o meu medo de intrépidas experiências. Permiti que ele morasse comigo, o que de certa forma me torna corajosa.
Conviver com o medo me causou maiores problemas? Não sei. Só sei que se alguém, porventura, tentar me convencer a esquiar nos Alpes Suíços, descarto gentilmente a idéia dizendo que prefiro arriscar-me (heroicamente) sobre uma gôndola, em Veneza.

(Do meu livro Na sala de espera.)

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Encruzilhada



Cheguei até aqui
Porque o vento me trouxe
A brisa impeliu
A chuva forçou
A noite acenou.
Eu vim
Por todos os motivos
Por falta dos mesmos
Aqui estou.
Dou-me o direito, no entanto,
De quedar-me ao meu cansaço
Dar uma trégua na andança
Parar um pouco nesta hora
Alguns minutos, segundos talvez
Dou-me o direito agora.
De olhar para trás, o caminho vencido
Pois nele não mais andarei
Na minha frente uma encruzilhada
Para onde vou, ainda não sei.
Do descuido do uso
Encontro a bússola despedaçada.
Sem direção eu paro
E peço licença
Na rua da minha vida
Vou me assentar na calçada.

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