TOC- TOC


TOC-TOC. Minha campainha tem som de batida de mão porque ando cansada destes sons remasterizados futuristicamente metálicos e impessoais. Ela poderia tocar DIM-DOM, uma vez que o natal está chegando e ele lembra o toque de um sino que toca DIM-DOM. Mas ainda prefiro o TOC-TOC da mão. Prefiro o natal que parou no tempo, de preferência o natal do tempo que eu era criança e aguardava dezembro ansiosamente por onze meses.
TOC-TOC!  Dezembro chegou.
Não o deixo entrar imediatamente. Paro um pouco para tentar adivinhar como estará sua cara agora, desde a última vez que nos vimos.  
Lembro que ele estava desanimado, com olheiras profundas, olhos e corpo cansado. Vi um Dezembro estressado entrar pela minha porta.  Confesso que quase não o reconheci. Cheguei a pensar que poderia ser um impostor tentando me pregar uma pegadinha, sabe? O Agosto acinzentado matando o desejo latente de vestir vermelho. O Julho gelado querendo se passar por quente. Enfim, na última vez que encontrei Dezembro ele se parecia com qualquer outro, menos com ele mesmo.
Deve estar ficando velho, o pensamento sussurrou em meu ouvido. Cansado da maratona anual, tudo sempre tão previsivelmente e cansativamente igual. Corrida de presentes; tempo empacotado; pressa na vitrine; estresse com laço de fita; injustiça brilhando na árvore; crianças sem brilho; adultos ofuscados; velhos desesperançados.
Me compadeci do último dezembro. Quase aconselhei que não viesse naquele ano. Que se desse o direito de gazear, tal um aluno despreparado em dia de prova. Que saísse pela janela e se escondesse no telhado. Trinta e um dias sem que ninguém soubesse dele. “Será que foi sequestrado? Assassinado? Alguém avisou a polícia? A Interpol? A CIA? Terá sido queima de arquivo? O tráfico organizado? A Máfia? Vítima de Papai Noel psicopata? Procura-se Dezembro vivo...ou mesmo morto.”
Mas guardei todas, uma a uma, estas idéias mirabolantes. Dezembro já não é divertido como antigamente. Perdeu o jeito para fantasia e imaginação. Não só não acataria minha sugestão, como se ofenderia profundamente. “Imagine um ano sem mim. Quanto prejuízo causaria. A Bolsa despencaria; o dólar dispararia; o real sumiria; os bancos faliriam; as lojas fechariam. Uma síncope no mercado financeiro.”
Podre Dezembro, pensei no ano passado, está totalmente obsediado pelo espírito capitalista. Esqueceu  completamente do ilustre aniversariante do dia 25. Achei melhor nem falar.
TOC- TOC!! Ele está lá fora impaciente.
Deveria ter me preparado melhor para a sua chegada. Ter executado a agenda antecipadamente. Linha a linha. Ter montado uma programação diferente. Visita aos velhinhos, às criancinhas e amigos desamparados. Confeccionado lembranças originais. Cartões de poesia. Origamis de prosperidade, sorte, amor e alegria. Bolas de sementes de fertilidade. Camisetas pintadas à mão. Bolsa de retalhos. Retalhos de coração. Ter escolhido uma trilha sonora “Para um dezembro diferente”. Playlist com os cantores preferidos. Um ritual de agradecimento para cada dia. Flores nos vasos. Incensos nos ambientes. Banho de sal grosso. Colares de contas. Contos do ano todo. Agora não dá mais tempo.
TOC-TOC!! Ele está lá fora. Sorte que não temos neve por aqui, senão já estaria congelado. Até que não seria má idéia! Um dezembro congelado. “Atenção! Dezembro hibernando até o próximo verão.”
Um tempo para nos refazermos, eu ele. Apararmos as arestas e desconsideramos as rusgas, afinal ele foi minha visita mais esperada no passado. Começava a sentir saudade dele antes mesmo que partisse. E quando partia me alimentava diariamente de sua lembrança. Meu Dezembro de criança chegava junto com as férias, assim, íamos juntos para praia. Por causa dele ganhei meus melhores e inesquecíveis presentes: a bicicleta vermelha; a boneca que canta; a boneca que anda; a sombra do Papai Noel que nunca vi, mas juro que estava lá. Os foguetes rasgando o céu. As oferendas para Iemanjá. Os três pulos. As três uvas. As três amigas. Minha mãe, meu pai e eu.
Não tenho vontade de abrir a porta para este Dezembro que se perdeu de mim. Ou será que fui eu?Não quero receber este Dezembro maduro e responsável que me força a compreender que nunca mais serei criança. Que chega para lembrar que já não sou feliz com ele, como fui um dia.
TOC-TOC! Estou saindo pela porta dos fundos. Avisem Dezembro que só volto em janeiro.

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