Desde o paraíso



A cena é clichê. Mulher e homem se encontram, num primeiro momento, (virtual ou pessoalmente) e trocam algumas palavras que acendem o paviozinho - quase atrofiado - do desejo. Com as fagulhinhas esquentando os ânimos, e todo o resto, ambos combinam um encontro mais calmo, elaborado e (ansiosamente) promissor.
O encontro acontece. Se não no mesmo dia, no seguinte, mas ainda na mesma semana.
Naquela altura (do encontro), com as fagulhas transformadas em chamas queimando as entranhas dela e dele, o (inevitável?) acontece. Antes que os dois consigam dizer, juntos, a palavra paralelepípedo e sem que nenhum dois tenha parado para pensar nas consequências  daquele fogaréu.
Apagado o fogo (como os antigos costumavam dizer), ele sacode a calça, sopra as cinzas, e vai embora tranquilo, certo e confiante de que  fogo foi feito para isto: acender e apagar, acender e apagar... Já, ela, não só demora mais do que o necessário para encontrar a calça, como cata cada milímetro cúbico da cinza, antes de ir embora nervosa, ansiosa e esperançosa de que as chamas daquele caloroso e inesquecível momento queimem para todo o sempre no coração (de ambos).
Acontecido isto, os dias deveriam passar para ela como passam para ele, mas não é bem assim que acontece. Depois do fervoroso encontro, os dias passam normalmente para ele, e os segundos se arrastam para ela.
Ele acorda; boceja como um leão; escova os dentes; veste-se; faz o desjejum; trabalha o resto do dia; volta para casa à noite, e ronca (como um leão) na frente da TV.
Ela acorda, e (antes de qualquer movimento) confere se recebeu alguma mensagem na madrugada, no celular. Escova os dentes sem olhar para o espelho, pois está atenta ao aparelho móvel sobre a pia. Veste-se distraidamente, tentando lembrar se não o desligou (sem querer) antes de dormir. Sai sem comer, porque perdeu completamente a fome. Não consegue se concentrar no trabalho, pois dedicou todo o estoque de atenção ao celular. Volta para casa um bagaço, e dorme chorando no vazio do seu quarto, agarrada ao celular... mudo e analfabeto ( não chama, nem recebe mensagem).
Casos como este (em que está escrito - até em braile - que ele não ficou afim) são muito mais comuns do que as mulheres gostariam, e só há duas coisas a fazer: fingir que nada aconteceu ou fingir que nada aconteceu.
“Ah! (você deve estar pensando)E se ele for do tipo que espera que a mulher tome a iniciativa e blá-blá-blá... Tá certo ( ainda que ache que esta não é a atitude comum de um homem que está realmente afim), vamos cogitar esta possibilidade. Neste caso a mulher pode enviar uma mensagem logo pela manhã, tipo “di boa” (a estranha gíria do momento):
“ Bom diaaaa!Espero que o dia esteja tão lindo para você como está para mim.”
 Se rolar uma troca de efusividades, beleza, vá fundo e se deleite. Agora, se o cara se fingir de morto do outro lado ( vai ser ainda mais difícil, mas... ) é a sua vez: FINJA-SE DE MORTA! Só não vá morrer de vez.
É que,” na boa” (a gíria que uso), não sou adepta de frases prontas, nem de conceitos pragmáticos. Abomino atitudes feministas, tanto quanto as machistas. Mas, em certos casos, a herança (genética?) sempre fala mais alto. Atenção mulher! O homem nasceu para caçar, e não para ser caçado.
Não corra atrás; não se ofereça de bandeja; não o coloque na parede; não congestione o seu celular; não encha o mural do facebook com indiretas; não tenha ataques histéricos (na frente dele); não tente provar que é a pessoa certa para ele; não implore; não se submeta; não se humilhe. O tiro acaba saindo pela culatra.
E, para finalizar, deixo um mandamento criado por mim (ainda que não seja Deus) para ser praticado pela mulher que é inteligente, mas que as vezes se esquece  de que, por mais que a humanidade evolua, certas coisas nunca mudarão: “ Amai a si mesma, como deseja ser amada por ele.”
Amem...se!

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Tal qual a bola


 
Se a vida me fugisse agora
Tal qual a bola que cai de minhas mãos
E rola
Se a vida rolasse para longe de mim
Ameaçando se perder de vez
Enfim
Tal qual a bola que perdi
Deixaria somente o rastro
Que fiz

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A normalidade


Os gritos que ecoavam no ambiente à meia luz chegavam aos meus ouvidos em um idioma estranho. Na linguagem de um mundo distante que não me prestei a aprender.
"Vai filho da p....!Bate! Soca ele!Vai, vai,vai car......Ehhhhhhh!!!! Ganhamos!"
Momentos antes, enquanto delineava os olhos para que enxergassem a rigor à beleza noturna que tanto me apraz, (fachos de luz, nacos de silêncio, música ambiente, perfume latente, promessas, beijos, queijo, desejo, vinho...embriagues da alma) não poderia imaginar que a magia daquela noite estaria, em primeiro plano,  na tela de uma enorme TV que emoldurava  dois homens  se engalfinhando num ringue.
Não é a primeira vez que me sinto démodé. Muito pelo contrário, a constância da minha desatualização às badalações do momento  tem me causado a sensação de anormalidade. Ora, pois, uma pessoa normal deveria não só saber que se assiste luta livre nos bares noturnos, como torcer por um daqueles dois homens que se soqueavam na lona.
Mas confesso que não sabia, e, o que é ainda pior, não fazia ideia de quem seriam aqueles sujeitos.Não gosto de luta livre, nunca gostei e suspeito que nunca vá gostar, ainda que todos os homens do mundo adorassem e eu estivesse desesperadamente tentando conquistar algum deles.
Mas vi que as mulheres gostam. E vi muito mais! Vi que elas também torcem, gritam,xingam,em alto e mau tom, tal qual os homens fazem. Independente de também terem os olhos delineados, as bocas pintadas, as saias curtas, as pernas amostra cobertas por meias de seda, mulheres estão cada vez mais parecidas com eles.
Confesso que cheguei a duvidar que alguma delas estivesse fazendo aquilo por gosto e vontade própria. Até cogitei a possibilidade de estarem fingindo no intuito de serem “gostadas” e admiradas por eles, e fazerem  parte do  interessante e atraente mundo másculo, entende? Mas, como admiti logo acima, é que sou anormal.
Normal seria se eu tivesse reservado a mesa mais próxima à TV naquela noite, e antes de sair borrifasse meu perfume mais caro pensando “ vou à luta”. Que atentasse para cada golpe lançado , torcesse para que o “meu” lutador fosse o mais violento, e me extasiasse no final com a sua vitória.
Somente uma pessoa anormal, como eu, pensaria em sair para bater papo - de preferência em baixo tom - ouvir música de qualidade e dançar sem coreografia.
Gente anormal vive fora do atual circuito televisivo, e consequentemente, por fora dos acontecimentos mais interessantes do mundo. Não sabe quem é Carminha, muito menos quem acabou de matar quem, em que novela, de que horário. Desconhece a letra e os passos marcantes das músicas que fazem sucesso atualmente, e sente profundamente pelo camaro amarelo ter perdido o glamour clássico de coupé esportivo.
Gente anormal, além do meio ambiente, defende a preservação da ortografia correta, e reza todas as noites para que as pessoas leiam uma página... apenas...por semana... que não seja exclusivamente da internet, e que aprendam a escrever...e pensar...até o final da faculdade.
Gente anormal acredita que o fim do mundo está sendo anunciado e que isto não tem nada a ver com os Maias ou Nostradamus, que é coisa de gente viva... e normal.
Enfim, gente anormal deveria ser confinada, de preferência numa casinha à beira mar, numa praia deserta.
Por favor, divulguem! Sou um perigo que anda à solta.
                                                                                             

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O mundo que pinto



O dia da criança faz um bem danado a toda gente grande. Tende a amolecer os corações endurecidos e diminuir, numa contagem considerável, a idade de todo adulto por algumas horas. 
Vai dizer que você não fica louco para rasgar o papel de presente que as mãozinhas desajeitadas demoram a fazê-lo? Ansioso para que o carrinho saia logo do pacote, só para ser o primeiro a mover o botão para o “on” e fazer o “test drive”?

Vai dizer que você não fica louca para ter a bonequinha fofa nas mãos e ajeitar os cabelos que foram desalinhados na embalagem?
Inventaram o dia da criança com fim comercial? Verdade! Usurparam o dia da padroeira do Brasil e o dedicaram todinho aos pequerruchos? É fato! Mas que este dia é daqueles que tornam o calendário, de trezentos e tantos, menos pesado, é a mais deliciosa constatação.
Não pense, contudo, que estou esquecendo os pequenos que não tiveram tanta sorte. Muito menos ignorando as milhares de criancinhas que vivem situações que não são cor de rosa e nem azul, são negras.
Não estou fingindo que não existe  pobreza, ignorância,  violência e injustiça. Isto tudo palpita em meu peito como cruéis alfinetadas que não me deixam esquecer que este mundo é mais feio do que eu gostaria. Mas jurei não falar disto hoje.
Presenteei a mim mesma com o egoísmo inocente e lícito das crianças, e me dei o direito de pintar o mundo com as cores que bem desejar. Não me censure, pois vou fazê-lo todo colorido.
Deixo as cores sombrias de lado. Finjo que no meu estojo faltam o preto, o marrom e o cinza. Será que os perdi por aí? Se achar, por favor, não devolva. Não hoje!
Hoje só quero as cores vivas e alegres da feliz igualdade.
Você também pode desenhar comigo, se quiser. Sol, arco-íris, pássaros, flores, borboletas, balões... Nuvens não! Não existem nuvens no céu deste meu dia. Não hoje. Não neste país, onde a Nossa Senhora Aparecida assina comigo esta obra.






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