Ser mulher é F...


"Ser mulher é F...!” Falou-me uma amiga despachada um dia destes. E, apesar de achar que o palavrão não combina muito com o sexo feminino, acabei concordando. Mulher é F.... mesmo! E com um F maiúsculo, que é para sustentar toda responsabilidade que carregamos sobre nossos “corpitchos” frágeis e delicados.
Foi a mesma amiga que completou: “Tá errado! O Criador fez as mulheres todas frageizinhas, fraquinhas, delicadinhas, mas deixou para elas as tarefas mais pesadas e estafantes. É ou não é?”
E eu cutuquei:” Não será que fomos nós, as metidas, que resolvemos burlar as leis divinas para nos igualar aos homens?”
...
Se, é ou não é; foi ou não foi; o fato é que cá estamos, as fêmeas criadoras e protetoras, tão cheias de tarefas que mal temos tempo de criar e proteger.
Minha mãe é o exemplo vivo da mulher, antes delas buscarem a tal igualdade entre os sexos. Lembra da profissão dona-de-casa? Minha mãe foi, e ainda é, a mais adorável dona-de-casa que conheci. E, se um dia ser “dona-de-casa” passou a ser uma condição vergonhosa, para mim, hoje em dia, passou a ser invejável.
A mulher minha mãe, muito mais do que dona da casa era dona do seu jardim, da sua horta, dos seus quitutes... Era dona do seu tempo de conversar com as vizinhas, de cuidar dos filhos, de ver novela... Ela sempre foi e será o conceito personificado do que é ser essencialmente mulher. E, como já falei, sinto uma inveja danada!
...
Gostaria de ser verdadeiramente dona da minha casa, do meu jardim, da minha horta, dos meus quitutes. Adoraria ter tempo para conversar com as vizinhas, de cuidar melhor dos meus filhos, de ver (novela, não!) meus filmes, de ler meus livros.... Mas não posso! Ando ocupada demais sendo a mulher deste milênio. Que não é nem dona da casa, nem do tempo, nem dela mesma.
Atualíssimas que somos, andamos tão atrapalhadas que já nem sabemos onde largamos nosso coração, nossos sentimentos, nossa alma. Será que estão dentro da bolsa que também não sabemos onde anda? Quem sabe o analista os encontre, ou o antidepressivo, ou Deus.
...
No meu caso, descarto as duas primeiras opções, há muito os paliativos não surtem efeitos sobre mim. Quando a coisa pega; o negócio encrespa; a estrutura balança e ameaça cair soterrando o que sobrou de mim; é a Ele que eu busco. E não pensem que é só para rezar, não! É para chorar, xingar, pedir explicação.
Nossos encontros não precisam nem de templo, nem de cerimônia. Falo com Ele do meu jeito e em qualquer lugar, e, por sua vez, Ele me responde do seu jeito em todo lugar.
Assim, com essa intimidade, quando o peso sobre minha condição feminina parecer ser insustentável, choro como toda mulher de verdade e lembro a Ele que, já que não me deu força nos braços, que me abasteça de muita força na alma, porque ser mulher hoje em dia é F...!

(Esta crônica faz parte do meu livro Na sala de espera que será lamçado em breve).

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Perdida no País das Maravilhas


Vá para aquela sala, e aguarde. Ordenou-lhe a moça loira de olhos exageradamente pintados. Aquiesceu e pôs-se sozinha numa confortável poltrona. Numa das extremidades da ante-sala um belo jardim envidraçado guardava a luz que fugia da rua para dar vida às plantas ali existentes.
Percebeu, camuflada num canto do jardim de vidro, uma pequenina porta. Aquela passagem era um convite aos amantes da natureza. Resolveu aceitá-lo. Agachou-se como pôde, até estar inteirinha do outro lado certificando-se de que a bela orquídea amarela era mesmo verdadeira.  Quando tentou transpor o caminho de volta percebeu que não havia mais porta. Deu um giro e descobriu-se em um ambiente estranho, como um imenso bosque. Estava perdida.


- Não fique aí parada, você vai se atrasar! Mexa-se, mexa-se!

Vestindo um conjunto de jogging branco, seu personal trainer ordenava sem parar, correndo em volta dos arbustos. Correr para onde? O professor estava sugerindo que ela começasse uma maratona, logo no dia em que tirara para cuidar de si? Era só o que faltava! Tinha que encontrar a portinha de vidro.

- Corra, corra, senão você vai perder a festa.

Mas que festa? Não estava lembrada de ter sido convidada para festa nenhuma naquela tarde. Resolveu seguir o corredor maluco que havia enveredado para dentro da mata espessa. Deu de cara com uma mesa impecavelmente arrumada. Bules de prata fumegavam um delicioso cheiro de ervas, enquanto bandejas brilhantes exibiam tentadoras tortas, bolos e biscoitos. Que lugar era aquele? Queria sair logo dali.

- Não fique aí parada, está na hora do chá. Venha comer com a gente.

Seu chefe estava sentado à mesa usando uma cartola verde. E o que a sua mãe estava fazendo ao lado dele usando uma tiara com orelhas de coelho? Ou seriam de lebre?... Comer?! Como se não bastasse as vezes que ficavam criticando o seu cardápio light, estavam sugerindo agora que ela se atirasse sobre aquelas guloseimas deliciosas e ganhasse milhões de gramas a mais? Nunquinha! Que lugar esquisito! Precisava achar aquela porta antes que o chefe e mãe a convencessem e a engordassem.

- Fuma comigo, então... Fumar emagrece.

Deitada de bruços sobre um galho gigante, a vizinha zen do 301 soltava fumaça rosa tragada de um narguilé. NÃO! Há um mês havia parado de fumar. Não queria voltar, nem engordar, nem correr. Onde estava a maldita porta de vidro?!

Na procura desesperada acabou espetando o dedo. Parou para retirar o espinho, quando ouviu alguém rindo.  Por pouco não caiu inteirinha em cima do cacto.  Brad Pitt, o gato, estava na sua frente sorrindo-lhe de orelha a orelha. E que sorriso! Que olhos! Que pêlos! O marido que desculpasse, ela tinha que agarrá-lo. Marido? Quem mandou pensar nisso naquele momento? O gato desapareceu. BRAD QUERIDO VOLTE! Posso pedir o divórcio!

- Cortem-lhe a cabeça! Cortem-lhe a cabeça!

 A sogra surgiu gritando por entre as rosas vermelhas. Mas, ela não havia tocado num único pelinho dele... Nem sequer pôde senti-lo arrastando-se nas suas pernas. Sempre soube que aquela mulher era louca. Tinha que escapar! Onde estava saída?

- Está na sua hora! Está na sua hora!

A secretária indelicada lançava o par de olhos exagerados sobre ela enquanto sacudia-lhe pelo braço. - ACORDE!!!
O psicanalista sorria-lhe da porta.
Levantou-se sonolenta e parou esperançosa em frente ao jardim envidraçado. E se o Brad Pitt estivesse escondido atrás das samambaias?... A consulta seria longa

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Preguiça


A notícia se deu já de manhãzinha.
Os pingos lá fora anunciaram contentes: “Neste domingo a rua é da gente!”
Imito a cortina. Fecho os olhos e escureço a mente: “A rua é da chuva e a preguiça é minha.”

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Sugestão


Previsão: chuva.
Agenda: Indoor
Sugestão: Shopping com as amigas
Marcas recomendadas: Gente
Lançamento para todas as estações: Energia positiva
Promoção Imperdível: Bom papo
Condições Especiais: Boas risadas
Formas de Pagamento: Com todas as bandeiras do coração.
Saldo das sacolas: Quilos e quilos de bem estar.

                      *Consumo sem moderação.*

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Finada


 
Não sei o que dói mais
Magoarem a mim ou magoar a outro
E de não saber, a dor no peito ouço
Na voz velada, soturna, espaçada
Como deveria ser a voz de um morto.
Se morta de dor me encontro
Por mim finada e por ninguém mais
As palavras confessam em uníssono rouco
Não morres pela dor que te causam
E sim pela que causastes a outro.

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A CHUVA QUE SABIA DEMAIS... SOBRE ALMAS E CORAÇÕES

 



E por que a chuva saberia demais? Indaguei enquanto uma garoa tímida se exibia do outro lado da janela, sobre a grama faceira do jardim. O que poderia um fenômeno da natureza saber, uma vez que não possui olhos e muito menos ouvidos? O que os incontáveis pingos poderiam conhecer, além do gosto da terra que provam; do verde das plantas que lambem; da poeira das coisas que engolem?
Nada! Afirmariam os especialistas. Coisa nenhuma! Diriam os céticos. Insanidade! Bradariam os racionais. Tudo! Exclamariam os sensíveis, os poetas, os loucos.

Pois, na noite de aguaceiro em que a mulher inundou o travesseiro de lágrimas na tentativa infame de afogar-se em seu amor bandido. E o marido entrou porta adentro no ensejo de salvá-la... Não foi a chuva que de cima do telhado ouviu-a confessar que preferia morrer afundada na culpa, a viver seca pela mentira?

E na tarde em que a garota foi sendo desnudada, enquanto o som agudo dos pingos eclodia dentro da lata, no quintal... Quem testemunhou o medo da primeira vez ser esquecido em meio às roupas jogadas? Quem além da chuva - enquanto transbordava de si a lata - ouviu a menina encher-se de amor para virar mulher?

Do mesmo modo, no dia em que a porta se fechou trancafiando a pancada de gotas do lado de fora e, os dois rapazes puderam despir as roupas molhadas para aquecer os corpos e os corações... Quem, a não ser a chuva encharcaria o preconceito para ver um estranho amor começar?

Há quem diga que seja o ritmo. Outros referem-se à melodia executada pelos pingos, como dedos liquefeitos compondo a nostalgia. Já os cientistas asseguram que é a presença da escuridão que umedece a serotonina. Motivos não faltam para atestar que nos dias chuvosos a mente fica dengosa e busca aconchego no coração. Sobram razões para explicar por que nos dias molhados a alma - que resolve se banhar – libera os sentimentos para passear.

Não encontrei nos laudos da história, registros de feitos memoráveis marcados durante um aguaceiro. De algum discurso dantesco proferido embaixo de um guarda-chuva ou de uma guerra vencida pela força de uma tempestade. Porém, sou capaz de apostar que a música das águas já inspirou incontáveis declarações; instigou inúmeras revelações; libertou fortes emoções. Posso garantir que a chuva já inundou desesperos; banhou lágrimas; lavou dores; abençoou amores; selou beijos; encheu sorrisos...

Poderia ficar aqui pingando acontecimentos e segredos, feito chuva que parece que nunca tem fim. Mas, interrompo para dizer que a chuva que sempre acaba e que sempre soube demais, continuará sabendo de tudo.

Embora, quando o sol volte não reste nenhum vestígio presente.  Todos os segredos revelados, todas as emoções sentidas terão sido levadas - em enxurrada- pela fiel confidente. Ainda que por vezes voltem para inundar a lembrança, feito enchente.

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CAFÉ FILOSÓFICO COM LEITE





Olhou para todo o leite derramado da pia ao chão. A sujeira branca causou-lhe raiva.
Que cor haveria de ser pintada a raiva? Negra? Como a infusão de energias ruins que tingem a aura?
Ok! A negritude da raiva teria que esmaecer agora. Não fora isto que aprendera?
“Relaxe, e pinte todo o seu corpo de azul.”
Estava tentando, estava tentando...
A esponja dragava o líquido branco, enquanto a raiva mudava de cor.
Azul? Não. Diria que a raiva passara a ser cinza agora.
Enquanto a esponja tornava-se branca e o mármore da bancada ressurgia negro.
Ótimo! A pedra fria que sugasse toda a ira.
Enquanto a sujeira branca se perdia no ralo e a esponja recuperava a cor amarela reafirmou a inutilidade de chorar sobre o leite derramado.
De sentir raiva.
De enfurecer-se por um deslize que era seu, exclusivamente seu.
O leite não se derrama. Você se distrai.
O chão não vem até você. Você cai.
A vida não machuca você. Você se expõe.
Secou os últimos vestígios molhados da pia ao chão.
Tudo voltara a ser como sempre foi. A esponja amarela, o mármore preto... A raiva ficara azul.
Tomou novamente a caixa de leite nas mãos. Começaria tudo outra vez. Com mais cuidado.
No armário repleto de xícaras buscou a sua preferida, lilás.
Sentou-se à mesa e, no caderninho de anotações colorido, registrou o devaneio.
 “Derramamos o leite muitas vezes. E todos os dias ele está lá, em nossas geladeiras, apesar da raiva que tenhamos sentido.
A vida se derrama sobre nós muitas vezes. E todos os dias nós estamos lá, agarrados a ela, apesar de todas as difíceis emoções que tenhamos sentido.
Em vez de chorar sobre o leite, melhor saborear o que dele sobrou. Em vez de chorar pela vida, melhor viver a que ainda temos.”
Despejou o café preto sobre o leite branco na xícara lilás.
O líquido quente deslizou deliciosamente pela garganta causando-lhe o adorado prazer de todas as tardes.
Que cor haveriam de ser pintados os pequenos prazeres?
Tomou o caderninho colorido e desenhou, distraidamente, um arco-íris.

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Caça-fantasmas

MUITO comum, quando criança, enfiar a cabeça embaixo das cobertas para afugentar os fantasmas que me ameaçavam. Invariavelmente eles apareciam à noite e eu tinha certeza de que, se a minha respiração transparecesse no movimento do cobertor eles iriam perceber e me capturar.
Com isso quase morria asfixiada antes de pegar no sono, e adentrar num mundo onde os fantasmas não existiam.
...
A gente cresce e os fantasmas noturnos vão desaparecendo do nosso cenário de medos. Entretanto os medos vão aumentando e os fantasmas passam a ser diurnos. O pior de tudo é ser grandinha o suficiente para saber que colocar a cabeça embaixo das cobertas não vai resolver nada. Morrer por asfixia, quem sabe?
À medida em que o mundo evolui, as gerações de fantasmas vêm se desenvolvendo e variando a origem da sua estirpe. A modernidade influencia os medos e os diversifica, assim como os prolifera. Ao mesmo tempo em que, nos dias de hoje os mecanismos identificadores de monstros psíquicos estão cada vez mais infalíveis, mais temos consciência da nossa suscetibilidade.
Num mundo onde se busca a normalidade, como conviver com a idéia de que somos vulneráveis, assombrados pelas nossas inseguranças? Como podemos demonstrar as nossas fraquezas sem correr o risco de sermos avaliados, diagnosticados, medicados? Como assumirmos a nossa condição de seres “fora da casinha”?
...
“Tenho medo dos assombros desta vida”. Isto já era cantando e em prosa e verso, desde a confirmação da existência de seres munidos de coração e alma. Tememos as dores das perdas, das paixões, dos amores. Tememos a insegurança das mudanças, dos projetos, do futuro. Tememos a verdade do que fomos, do que somos, do que queremos, do que os outros querem. Tememos os contatos com o nosso íntimo que nos mostram tão estranhos a nós mesmos.
Todavia, quem disse que existir é caminhar numa estrada florida, povoada por bichinhos encantadores? Creio que as canções de ninar protagonizadas pelo bicho- papão, cuca, boi da cara preta e outros monstrinhos, signifiquem realmente “durma e entre no mundo dos sonhos.Mas não esqueça que o bicho está lá fora, e você tem que estar preparado para enfrentá-lo. Não adianta enfiar a cabeça embaixo desta cobertinha quente, não. Ele sabe que você está respirando.”
Se tivéssemos interpretado direitinho estas letras quando criança, aprenderíamos desde cedo que se ficar o bicho come, mas se correr o bicho também pega. Que a única saída é matar o bicho. E nisto nenhuma receita vai nos ajudar se não colocarmos a cabeça para fora da coberta e gritar  'BUUUU!' antes que ele nos assuste.

( Esta crônica faz parte do meu livro Na sala de espera que será publicado em breve)

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Descobertas




Cansada de jogar os dados na inconstância da sorte
Hoje vivo.
Cansada de lambuzar o rosto do amargo do pranto em nome da dor
Hoje sorrio.
Cansada da lentidão dos encontros e escassez de carinho
Hoje me abraço.
Cansada de esperar tua volta num momento qualquer
Hoje te esqueço.
Cansada de vasculhar as entranhas revirando o íntimo
Hoje me encontro.
Cansada de esquecer de mim, me jogando num canto
Hoje me amo.





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Homens ao mar


SENTADA em minha cadeira sob o guarda-sol, nada mais me resta neste típico verão sulista, mesclado de muito sol e muito vento, do que ficar admirando os corpos livres, leves e soltos que desfilam a beira-mar.
E o meu senso crítico (o qual tento em vão trancafiar), faz com que a minha atenção se volte para a profusão de barrigas avantajadas e corpos fora de forma que se expõem ao meu olhar.
...
Você deve estar pensando que estou me referindo às mulheres, certo? Errou!Aos homens.
Os mesmos que deixam claro a toda hora o gosto por mulheres de “corpitcho” enxuto. Senhores seletivos que avisam às companheiras que não gostam de mulheres gordas. Maridos generosos que pagam academia para excelentíssimas ficarem do jeitinho que eles querem. Namorados exigentes que dizem “depois não reclame se eu olhar para as outras”.
É ao sexo oposto que estou me referindo e que tem deixado bem claro: “Seja como eu quero, que eu não ligo como estou”.
...
Não consigo deixar de sentir uma mistura de indignação e revolta ao pensar o quanto o sexo frágil tem que ser forte, por ter o corpo comparado o tempo todo às gostosas da TV. O quanto é preciso jejuar, caminhar, correr, malhar, nadar pra chegar no verão do jeito que eles gostam, enquanto comem churrasco e bebem cerveja sem dar a mínima ao fato do verão estar chegando.
Quando ele chega, tememos ter que levantarmos das nossas cadeiras para sermos avaliadas, enquanto eles levam as gordurinhas para passear displicentemente, sem canga!
...
Desde quando Adonis era gordo e Afrodite era magra? Quem inventou que a barriguinha do homem é charme? Quem disse que as mulheres preferem o Toni Ramos ao Rodrigo Santoro, o Danny De Vito ao Ben Affleck? Quem deixou estes senhores acreditarem que os seus corpos não possuem padrão estético? Quem esqueceu de lembrar a eles que o verão estava chegando?
As mulheres estão cada vez mais entrando no verão com tudo em cima, graças às condições que o mundo masculino impõe e padroniza. Bendita a academia, o silicone, a lipoaspiração, a cirurgia plástica, por que não? De certa forma, benditas musas televisivas que nos enchem de inveja e nos inflam o ego. E que ego!
...
Sou contra o feminismo, que tenta extrair da mulher o que ela tem de mais belo, que é exatamente ser mulher. Ao mesmo tempo, repudio o machismo que impõe padrões que não cabem aos homens.
Aprecio por isso o mundo das aves, onde os machos são muito mais belos e as fêmeas sempre cobiçadas.
Senhores Pavões, no próximo verão estejam nas praias!

(Esta crônica faz parte do meu livro Na sala de espera que será lançado em breve)

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Estereótipos


TRATEI de definir (e já vou explicar por que) a palavra mulheraça ou “mulherão”, na forma como é mais utilizada. E pelo que consta nas páginas do amigo Aurélio, trata-se de uma mulher alta e forte.
Aprofundando o conceito e extraindo toda a sagacidade que o dicionário da língua portuguesa não alcança, mas a criatividade humana trata de incrementar, mulherão é uma mulher alta, forte, bonita e gostosa.
Quem quiser uma definição concreta, é só buscar nas páginas de revistas e imagens da TV. Um desfile de mulherões se apresenta todos os dias, para todos os gostos e preferências. Sem dúvida, para quem isto implica num disparo do cifrão na conta bancária é um baita currículo.Ser mulherão abre portas. Dá asas para quem não sabe voar (mas acaba aprendendo). Transforma a mediocridade em talento, e uma simples mortal em divindade. Cria fãs-clube, adoradores, seguidores, loucos e fanáticos.
...
Décadas atrás, Marilyn Monroe foi descoberta pela sua beleza, e só depois descobriu que poderia utilizar-se dela para desenvolver a sua capacidade. O furacão loiro causou furor e arrebatamento pelo mundo todo. E quem poderia considerar que aquele belo par de pernas e de olhos, aquela boca carnuda, aquela cabeleira loira, não tivesse talento? Só um louco de pedra.
Marylin foi o marco do mulherão. A partir dela novas e novas divindades foram surgindo e ganhando espaço nos calendários masculinos, nas revistas masculinas, e atualmente nas TVs da família inteira. Embora, com a volatilidade atual, sobreviver deste “talento” requer mesmo muito talento.
...
Se você percebeu certa ironia até aqui, deve ter percebido também que à medida que este conceito tem tomado proporções voluptuosas, tem causado danos às mulheres que não são nem altas, nem bonitas (para os padrões estabelecidos), nem gostosas.
Mulheres que precisam trabalhar a sua autoestima, para que ela não desmorone diante de tanta divindade exposta por aí. Que se tornam escravas da balança e do bisturi, na ânsia de galgar alguns degraus do pedestal que exibe e aceita, só mulherões.
Ser bela não é ruim e nem é pecado. O equívoco consiste em valorizar apenas aquilo que se vê por fora. O que é ruim é o culto exacerbado da beleza física e do padrão estético. O que é lamentável é a conceituação de beleza como um atributo essencialmente externo, onde a alma deixa de existir.Precisamos praticar urgentemente a ginástica espiritual!
...
Devemos ser mulherões por tudo aquilo que temos feito e sentido e que não está marcado em nossa altura, no nosso manequim, no nosso exterior. Que o nosso espelho reflita primeiro a beleza do que somos.
Da mesma forma, devemos desejar homenzarrões sim. Somente os homens que sejam altos, fortes, bonitos e gostosos, por dentro.

(Esta crônica faz parte do meu livro Na sala de espera que será lançado em breve)

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Feliz



A felicidade deste instante compõe-se da calmaria do dia nublado.
Da embriaguêz do jazz que toca na sala.
Dos dedos que versam no teclado.
Dos versos que declaram sem fala.
A felicidade neste instante sou eu perto de mim.
E o resto do mundo preso lá fora.




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Há droga no ar


Há muito as novelas deixaram de fazer parte das minhas atividades diárias noturnas. E quando me permito alguns minutos em frente à telinha para ver o que esta rolando no meio novelesco arrependo-me amargamente de tê-lo feito, uma vez que não consigo compreender o que notáveis novelistas andam fazendo com a capacidade que possuem.
Só posso pensar ser um caso de prostituição do talento em nome do dinheiro e do reconhecimento. Que outra explicação poderia haver para a imbecilidade dos roteiros escritos por pessoas, sem sombra de dúvida, cultas e talentosas?
...
Quem matou Glória Pires, ou melhor, quem matou Norma? Será que não existe nada mais atrativo, que faça os seres humanos colarem em seus sofás, do que crimes, baixarias, prostituição, desonestidade, crueldade e todos os outros adjetivos que existem para denominar o mal do mundo?
Queimo todos os meus neurônios e não consigo entender o que as pessoas buscam e encontram, perdendo seus preciosos tempos assistindo histórias horrorosas que nada trazem de positivo à vida de ninguém.
Compreendo que assistindo às barbaridades e infelicidades dos outros, adultos de todos os cantos do mundo passem a achar suas próprias vidas normais um pouco mais toleráveis. Mas o que esperar de crianças e adolescentes que alimentam destas porcarias enlatadas a sua mente e espírito?
...

Se as emissoras de TV exploram a imoralidade e os desequilíbrios emocionais e mentais como fonte de audiência, o que um pobre mortal que mal consegue lidar com suas mazelas diárias pode sentir e pensar? Que a vida é mesmo uma porcaria na qual só se dá bem quem tem dinheiro, não importa como. E ao mesmo tempo, quem faz as coisas erradas pode ser assassinado a qualquer hora, afinal matar, roubar, trair e sobrepujar são componentes desta droga que é viver.
...
Assim, meus caros, além da montoeira de drogas químicas que alienam os seres, existem as drogas sociais também nocivas à saúde vital dos indivíduos.
O vício da fuga contido nas novelas é um mal que a grande maioria não percebe e vai consumindo diariamente, viciando os sentidos, reações, comportamentos e sentimentos.
Há os que possuem senso crítico e conseguem filtrar todos os malefícios que a podridão das vidas inventadas das telenovelas possui, contudo, da forma como a humanidade vem caminhando e agindo, percebe-se que ela está intoxicando-se gradativamente e transferindo todos os efeitos colaterais para o mundo.
...
A vida é uma missão complicada. Os dias após dias estão aí para comprovarem isto. O mal anda a espreita de suas vítimas o tempo todo e, na maioria das vezes, alcança os seus objetivos. A fraqueza, o medo, a dor, são nossos companheiros de jornada, além da injustiça que teima em nos seguir. Para se sair bem nesta empreitada é preciso ter a mente limpa de toda imundice que agrava ainda mais os problemas que já existem. E o que as pessoas andam fazendo?
Afundando-se espontaneamente no lamaçal apodrecido que a mídia exibe indiscriminadamente. Vampirizando as desgraças e tormentos alheios. Abastecendo o espírito com toda carga negativa que, literalmente, está no ar.
...
Nos adultos independentes e já totalmente dependentes, sabe-se que é muito complicado reverter este quadro vicioso, mas com pequeninos ainda há tempo e jeito de manter-lhes ilesos.
Senhores pais, em sã consciência, tirem as crianças da sala!


(Publicada no Jornal Enfoque Popular em 19/08/2011)

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Amor pelo preço de tabela

 

Fechou a reserva da suíte no motel. A promoção garantia velas acesas, pétalas de rosas e uma banheira transbordando de espuma com perfume de morango. Tudo isto pelo preço de três horas da tabela.

A idéia surgiu no segundo encontro, quando se fez de rogada e não entregou o ouro (e nem o baú) ao bandido.
Precisava conferir melhor o terreno. Até que o bandido lhe desse a certeza de ser bom moço. Neste caso, bom homem, pois ele já passara dos cinquenta. E ela, na cátedra dos mais de quarenta vividos, tornara-se mestre em saber que uma vasta (ou rala) cabeleira branca não era nenhuma garantia.
“Os cafajestes também envelhecem”. Aprendera isto dia após dia, desde que seu estado civil passou a ser divorciada.
Resolveu ouvir a voz da própria experiência esculpida à talha de decepções. Decidiu entregar o ouro no terceiro encontro. Então, fez a reserva e a preparação.

Por baixo a calcinha rendada cobrindo a depilação milimetricamente primorosa; formando um par perfeito com o sutiã da mesma cor. Por cima cobertura discreta, quase inocente: vestido estampado e scarpin preto.
O espelho indagava por todos os cantos: “Tem certeza”? E antes que ela mesma desacreditasse, maneou a cabeça com a veemência das mulheres corajosas e pôs o medo para dormir. Iria sair sem ele desta vez.

Chamas tremulando em volta da banheira lembraram-lhe um balé sedutor de bailarinas silenciosas. Sentiu-se a própria gueixa ensaiando a dança para encantar o cliente.
Arrancou a faixa que prendia o roupão de seda e viu-se nua no espelho. Não era o momento de contabilizar celulites ou gordurinhas inoportunas adquiridas com o passar do tempo... Afundou o corpo na água morna entre pétalas com perfume de morango. “Diabo de espelhos que não sabem mentir!”

A porta do banheiro se abriu. A silhueta desnuda aproximou-se segura, apesar da imperfeição do contorno desenhado pelo passar dos anos. “Diabo de seres masculinos que não precisam se esconder!”
Era hora de calar os pensamentos. De ficar surda a todas as dúvidas. De ordenar que o temor continuasse dormindo em casa.
Um estouro joga a rolha para longe. O champanhe inunda as taças e se mistura à água morna, às pétalas e ao perfume de morango.

O coração descompassa num misto de esperança e de tristeza. Será que seus olhos denunciariam o verdadeiro motivo de ter feito aquela reserva?
“Os homens fogem de compromissos sérios.” Aprendera isto dia após dia, desde que seu estado civil passou a ser divorciada.
Melhor fechá-los. Era hora da entrega.
Escolhera aquele momento. E sabia, melhor que ninguém, que na promoção de extras pelo preço de tabela não estava incluído o amor.

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CILADA DO AMOR

 


 
Quando pensei que do amor tudo sabia
Da chama fugaz
Da paixão incontida
Contada nos dias em que inflamaria
Até apagar-se em nada.

Quando pensei que do amor tudo sentira,
Da felicidade dos dias
Da dor de tantas horas
Do tudo que acaba.

Quando achei que do amor estivesse curada
Inviolável em seu atrevimento
Forte em sua investida
Imune ao seu encantamento.

Quando jurei do amor tudo esquecer
Sutil em sua presença
Doce em seu ataque
Límpido de sentimento
Eis que encontro você.

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Filosofia no recreio

Viver é melhor que ser feliz...

ENTRE o café e os biscoitos ele olhou para mim e perguntou: “Você é feliz?”.
 “Sou muito feliz!” Foi a resposta que lhe dei, sem nem sequer ter parado para refletir.
...
Horas depois, em que aqui me encontro, verifico que a gente só é ou está feliz de verdade se a resposta sai assim de supetão, escancarando a porta do coração e saltando da boca para aterrissar no meio da conversa.
Da mesma forma, quando ao se ouvir: “Está tudo bem contigo?” A resposta sair arrastada, emoldurada por olhos caídos: “É, a gente vai levando...” É porque não está tudo bem coisa nenhuma! Mais do que um sintoma é um atestado assinado de que algo está errado.
E, atenção! Ir levando ou deixar-se levar pode significar cair em “slow motion” no precipício. Demora, mas a gente acaba chegando lá embaixo.
...
Poxa! Se vai levando, então porque não levar pelo caminho mais feliz?
“Ah! Mas não é assim! Tem a falta de dinheiro; tem o desemprego; tem a doença; tem a solidão; tem a traição; tem isto e tem aquilo”.
E tem mesmo! Quem disse que descer até este plano era o mesmo que viver num parque de diversões? Pelo contrário, vou repetir: “Descemos a este plano, ou seja, não estamos no paraíso não! Temos que ralar sim, das mais diversas formas.
Agora, se os reveses nos impedirem de sorrir ou ser feliz, então o que estamos fazendo aqui?
...
Quando respondi ao meu amigo, na hora do lanche, que era muito feliz, completei dizendo:
“Contudo, se a felicidade é ter muito dinheiro; ter muitos imóveis; ter contas gordas em muitos bancos... Então, para os outros eu deveria ser extremamente infeliz. Mas como sou teimosa, afirmo que a felicidade tem a minha cara, porque a minha riqueza tem outros valores.”

( Esta crônica faz parte do meu livro Na sala de espera que será lançado em beve.)

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Saudade é assim



O vazio imenso...
Um vácuo que preenche os sentidos
Do nada que se faz intenso.
É dor sem ferimento
Febre sem remédio
Delírio sem entendimento.

A ausência presente...
Uma lembrança que maltrata
Da presença que se faz ausente.
É o cheiro que fica
A voz que ecoa
O calor que esfria.

O que se sente...
Nas horas infinitas
Quando alguém está distante.
Boca sem riso
Olhos se luz
Coração a perigo.

Saudade é assim...
Pensar e não dizer
Querer e não ter
Lembrar e não ver
Eu sem você
Você sem mim.

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Apressados






NA PRESSA DE CHEGAR AONDE QUEREMOS ESQUECEMOS DE CURTIR ONDE ESTAMOS.

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Tralhas

Eu tenho você guardado. Não pergunte por quê. Prefiro ficar calada. Que ninguém saiba. Muito menos você.
É mania que tenho de não jogar fora o que não tem mais a ver. Que não me serve, que é velho, antigo, cafona e ninguém vai querer.
Coisa de gente louca você chegou a falar. Só porque me viu guardar o suéter furado, que o gato assustado enganchou suas unhas. Fez um estrago danado. Não deu pra consertar. Estava velho, embolorado, encolhido e desbotado. Além de furado, é verdade. Mas foi um presente que ganhei de você. Isto não é loucura, é sensibilidade.
E para o seu conhecimento, se é que fosse saber. Guardo outras coisas suas, além de você.
Um pé de meia, avulso. Uma lâmina de barbear. As havaianas que usava em casa. O velho relógio de pulso que parou de funcionar. Iria rir se soubesse. Com certeza gargalhar. Mas é só o vício que tenho de não conseguir descartar, as coisas que um dia me foram caras, mesmo que agora só sirvam para atravancar.
É que me apego em tudo com que venha a conviver. Cuido, zelo e acarinho que é para fazer durar. Infeliz ou felizmente com você não funcionou. Ficou o tempo suficiente que achou que devia ficar. Agradeceu meus cuidados, zelo e carinho. Você sempre foi educado. Depois saiu devagarzinho. Fechou a porta sem bater. Deixou o vazio comigo e o seu perfume no ar. Acomodei os dois lado a lado. E, caso viesse saber, encontraria todas estas tralhas onde eu guardo você.

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Cinderela do terceiro milênio


OLHOU-SE no espelho antes de se atirar sob a cascata de água morna do chuveiro. Mirou os cabelos castanhos caindo desalinhados até abaixo dos seios e encarou os próprios olhos emoldurados pelo sombreado das olheiras. O olhar refletido no espelho era de puro cansaço. Precisava dar um jeito naquela imagem moribunda, se quisesse parecer viva na grande festa.
...
Deixou a água despencar sobre si. Lavou os cabelos com o xampu sem sal recém-comprado, e em seguida massageou-o com o condicionador de queratina que, conforme prometia no rótulo, devolveria o brilho perdido em meio à poluição da rua daquele dia estafante.
Desligou o chuveiro um pouco mais revigorada e pronta para iniciar a transformação.
...
Creme de morango com champanhe para o corpo. Loção tônica para o rosto. “Leave in” nos cabelos úmidos. Hidratante “pós-loção tônica” para o rosto. Secador, escova, chapinha, touca... Secou o suor que escorria entre os seios e aproximou o rosto do espelho. Corretivo, base, pó, sombra, delineador,lápis, blush, gloss... Depois de mais de uma hora o resultado começava a aparecer.
...
Aproximou-se da cama e observou os quatro vestidos estendidos sobre ela. Suspirou fundo e tentou adivinhar qual das quatro cores lhe traria mais sorte naquela noite. Preto garantiria classe. Vermelho, sensualidade. O azul sugeriria mistério.Dourado, glamour. Centenas intermináveis de segundos depois, viu-se envolta pelo cetim vermelho do tomara-que-caia descendo até os sapatos prateados. Queria ficar irresistível! Sabia que ele estaria na festa.
...
Maneou a cabeça soltando os cabelos lisos e brilhantes. Prendeu os brincos de strass e enfiou na mão o conjunto de pulseiras do mesmo material. Esborrifou o perfume francês favorito nos pontos estratégicos. Lançou o celular para dentro da bolsa prata. Analisou uma vez mais a imagem projetada no espelho e sorrio satisfeita. Ficara linda! Apanhou a chave do carro e partiu.
...
Subiu os degraus que levavam até o grande salão sentindo- se tensa e ao mesmo tempo ansiosa. Avistou um grupo de amigas ao qual se uniu trocando, efusivamente, beijinhos e elogios. O garçom lhe ofereceu um drinque. Os olhos passaram a procurar em volta. O sorriso tenso, o coração acelerado...
A bebida esquenta, o corpo relaxa. A música envolve, o corpo dança. Os olhos procuram em volta. E encontram.
...
No lado oposto do salão ela o reconhece. O causador de sua insônia. O protagonista de seus sonhos. O dono do beijo doce que lhe roubou a paz levando junto o seu coração. O corpo para! O peito prende a golfada de ar que lhe machuca o estômago. Entre dezenas de rostos sorridentes seus olhos distinguem a cena que jamais desejaria ver. Ele está ali!... Beijando outra mulher.
A dor golpeia-lhe os sentidos. O relógio avisa que ainda é cedo, mas para ela é hora de partir. Na fuga desesperada tropeça num degrau da longa escadaria e vê seu sapato rolar até a calçada. Levanta-se torpe de humilhação.
...
O “príncipe” continua na festa e nem sequer imagina que existe um sapato perdido, um pé descalço e um coração partido. Recolhe o sapato e calça o pé dolorido. Entra no carro e grita toda a dor.
Naquela noite, entre lágrimas e soluços, ela descobre que, assim como fadas madrinhas não surgem do nada para ajudar as cinderelas apaixonadas, não é preciso ser uma bruxa para transformar (da noite para o dia) príncipes adoráveis em abomináveis anfíbios.
“Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com acontecimentos reais terá sido mera coincidência... Ou, não”.

(Esta crônica faz parte do meu livro Na Sala de Espera que será lançado em breve.)

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De filha pra filhos



Corra até ele enquanto pode...

NÃO é a primeira vez que escrevo sobre  meu pai.
Sinto-me à vontade para escrever sobre ele sem medo de estar importunando você com uma historinha melosa e particularmente minha, porque ao falar do meu pai é como se estivesse falando sobre todos os pais de todos os filhos.
É a velha frase “só muda o endereço” entrando em cena mais uma vez para dizer que os pais, se não exatamente iguais, são completamente parecidos. E os filhos também.
É mais ou menos assim: a gente pensa que sabe o quanto ele é importante em nossas vidas, mas não se dá ao trabalho de dizer, pois tem certeza que ele já sabe.
Na verdade, só descobri a real importância do meu pai em minha vida quando ele deixou de fazer parte dela. Aí já não tinha mais como dizer a ele.
Herdei muitas coisas suas ao longo do tempo em que convivemos, embora ele não tenha feito nenhum testamento. Creio que sequer suspeitasse que tivesse algo valioso a me dar.
Certamente, se educação, respeito, honestidade, sinceridade, dignidade e humildade tivessem valor monetário, eu seria riquíssima! Pela quantidade disso tudo que ele deixou para mim.
Mas isto são coisas que a gente não percebe na hora. Como se ganhássemos presentes invisíveis e só conseguíssemos vê-los muito tempo depois. Valiosos presentes aos quais não damos o devido valor.
Preocupação de pai; conselho de pai; xingão de pai; rabugentice de pai; são ingredientes básicos que compõem o amor de um cara que precisa ser casca dura para ensinar você a lidar com a dureza da vida.
Não pense, por isso, que ele sabe o quanto é importante, nem considere desnecessário deixar claro que o ama com todas as letras que cabem no seu amor incondicional, pois pode acreditar, é assim que ele ama você.
Então, fale. E mesmo quando achar que já falou o suficiente: Fale!
Gastamos boa parte das nossas vidas tentando provar o quanto aquele senhor, que pensa que é nosso dono, é diferente de nós. Passamos tempo demais de nossas vidas contabilizando divergências, disputando opiniões, medindo forças. Tentando provar que somos donos do próprio nariz, mesmo que o tenhamos herdado geneticamente dele.
Consumimos tanta energia tentando provar a ele que não somos mais criancinhas, que perdemos o jeito de lhe fazer carinho. De lhe encher o rosto de bitocas. De lhe desmanchar todo cabelo escorregando a mão pelo seu rosto, terminando com uma apertada gravata no pescoço. Tudo para garantir a nossa posição de adultos no mundo. Doce ilusão.
Para todo pai que se preze filho nenhum cresce, portanto use e abuse desta condição. Corra até ele enquanto pode e lhe dê todo amor e carinho que andou esquecendo por estes anos afora, sem medo.
 Você não corre risco algum de parecer um adulto ridículo, afinal, para ele você não passa de uma criancinha sapeca brincando de ser gente grande.
(Esta crônica faz parte do meu livro Na Sala de Espera, que será lançado em breve.)

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Enquanto ela não volta

SEMPRE que retornava de uma viagem e cruzava a ponte que mora sobre o rio que contorna a minha cidade, uma tristeza silenciosa gritava em meu peito.

Cheguei a pensar que o passar dos anos e o ingresso à maturidade dissipariam isso.

Adoraria que uma corneta reverberasse em mim o som da alegria de estar voltando para casa.

Mas isto nunca acontecia.

A nostalgia de voltar continuava acompanhando-me a cada regresso.

E, se existe uma pena para quem comete plágio, confesso neste instante meu delito. Batizei a ponte das minhas chegadas de Ponte dos Suspiros. Não poderia nomear diferente a testemunha dos incontáveis suspiros, nas minhas contrafeitas voltas.

“O que vem a ser isto?” Não houve uma única vez que não me questionasse.

A resposta chegou de mansinho, como quem chega sem ser convidado e não quer atrapalhar.Surgiu de mim mesma, quando respondi à pergunta ao telefone:

– Já voltou de viagem?

– Voltei, mas minha alma ficou!

Como não havia me dado conta disto antes?

Quando fazemos uma viagem, é o nosso corpo que se desloca, mas é a nossa alma que passeia.

E a alma, esta coisa que tem nome, mas não possui forma nem idade, quando se solta reluta em voltar.

Quando viajamos deixamos em casa os nossos sentidos viciados e tomamos emprestado às sensações da alma. É quando enxergamos tudo o que vemos. Percebemos tudo o que tocamos. Sentimos todos os cheiros. Ouvimos todos os sons. Provamos todos os gostos... É quando a alma salta contente de onde mora para experimentar todas as novas formas.

Porém, viagens não são paragens, são instantes que terminam. Idas que precisam de voltas.

É quando a alma protesta, esbraveja, sente. Causando a tristeza como troco.

Agora compreendo o porquê de a ponte me fazer suspirar. Da inquietação instantânea que preenche o lugar para onde volto, como um café sem gosto em uma xícara lascada pelo tempo de uso.

E também sei que esta sensação é passageira. É apenas o curto instante que me encontro sem a alma, que teimou em voltar mais tarde. Quando ela volta tudo volta a ser como sempre foi.

Será que estou “viajando”? Perdoem-me!
A culpa é desta alma aventureira.


( Esta crônica que faz parte do meu livro Na Sala de Espera)

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O AMOR ESTÁ NA CARA

O amor está em nós....

Quando se fala do amor. Parece que o mundo vive a procura.
Tem que diga que ele se esconde. Tem quem jure que é uma grande mentira.
Que nunca é visto.  Tá sempre escondido. Subentendido.
Tem a turma que canta que o amor não foi feito pra ver; apenas pra ser sentido.
Peço licença, vou unir-me à discórdia. Para dizer que o amor é visível a todo instante.
Por todos os segundos que transformam amáveis minutos em hora.
O amor se mostra nos olhos. No olhar de ternura e cuidado.
O amor se exibe na boca. Nas palavras sinceras que traduzem o amado.
O amor se expõe nos braços, nas pernas e corpo.  Se faz nos gestos de afago, desejo, carinho de um para o outro.
O amor está pelos cantos dos livros empilhados. Na convivência das histórias vividas. Nas estantes dos discos guardados. Na cumplicidade das músicas ouvidas.
O amor está à mesa dos jantares elaborados, de velas acesas. No lanche rápido à luz do dia.
O amor está nas fotografias.
Nos momentos eternizados. Nas viagens programadas. Nos passeios improvisados. Nas idas ao supermercado.
O amor está no vazio da ausência. Na presença que falta na casa cheia de silêncio.
O amor está na tristeza. Na divisão das lágrimas doloridas. No afago que promete que tudo passa nesta vida.
O amor está na gargalhada. Na conjunção de explosões extravagantes. Na alegria dos amantes.
O amor está na discussão. No desequilíbrio intempestivo que faz necessário o perdão.
O amor está no inesperado. No surpreendente. No inusitado.
Quem acha que o amor é difícil de achar.
Pode estar perdido à procura.
O amor não se esconde, se escancara.
Se não estiver visível, talvez seja um engano.
O amor de verdade está na cara!

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Insight



(Um pouco de poesia)

Amor, não se desespere, nem me desconheça, meça ou avalie.
Apenas me peça! Que eu não desapareço.
Vou ali e já volto. Tive um insight, um troço.
Vou mudar de cena, trocar o figurino. Escolher outra cor, outro tom, criar novo teor.
Mas não se preocupe que eu não troco de amor. Sem você eu desafino.

Amor não fique aí parado, me abrace, me prenda e me enlace
Mas deixe que eu vá! Afinal, eu mereço.
Vou ali, mas eu volto. Tive um insight, um troço.
Vou entrar em cena, tocar um violino. Deixar meu violão, por que não?
Mas não se preocupe que não mudo de paixão. Sem você eu desatino.

Amor preste atenção!
Se eu mudar, seu mudei, quem eu fui ou quem sou... Já não sei.
Se amei e se amo... Me espere.
Nesta nova estação eu também amarei.

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Como teria sido, se não fosse

O QUE realmente nos trouxe até aqui? Foram os atalhos que pegamos ou a escolha do trajeto mais longo? O que nos fez trilhar esta estrada? Qual das placas que não lemos nos pôs aqui, neste exato momento?
Onde estaríamos agora, se tivéssemos nascido em outras famílias ou em países diferentes? Numa mansão em Beverly Hill, num barraco sobre o morro, num iglu no Pólo Norte...?
Quem seriam nossos amigos, nossos amores? Quem seríamos nós em nossa história de vida? Qual seria a nossa história? A quantas andaria a nossa vida?
Se você não tivesse a mãe que teve, talvez nunca soubesse ser uma boa mãe. Nunca aprendesse a fazer café passado, feijão da hora, arroz soltinho... Quem sabe não tivesse aprendido a amar; não fosse forte para suportar a dor; não tivesse esta mania de querer ver todos contentes. Muito menos teria a chance de dizer que se parece tanto com alguém.
Se não tivesse tido o pai que teve, talvez estivesse morando na Índia e colocado em prática o plano de nunca se casar. Então, talvez não tivesse filhos e também nunca soubesse o que é ser importante para alguém, mesmo que seja para “alguéns” pequeninos que lhe precisam o tempo todo.
Se não tivesse frequentado aquela escola, talvez nunca tivesse conhecido a garota da quarta-série que lhe emprestou seu belo jogo de canetinhas e que se tornou a melhor amiga que possui até hoje.
Se não tivesse passado naquele vestibular, talvez não tivesse levado tanto tempo para descobrir a verdadeira vocação. Quem sabe tivesse virado artista de novela ou modelo de passarela. Ou tivesse casado bem cedo e tido uma dúzia de filhos e hoje estivesse feliz ajudando a criar os netos.
Se não tivesse desistido daquela viagem, talvez tivesse conhecido o amor da sua vida. E até tivesse cancelado a volta e morasse até hoje no Peru. Então, não teria ido ao show da Rita Lee e sentado do lado de alguém que lhe paquerou a noite toda e lhe rendeu meses de uma tórrida paixão.
Se não tivesse perdido aquele ônibus, não teria conhecido o dono daquela empresa que lhe ofereceu carona e um emprego. Talvez nem tivesse emprego e precisasse consultar um analista para saber por que sua vida resolveu manter-se de pernas para o ar. Talvez você fosse padre, ou freira, e só precisasse se preocupar em rezar.
E se seu pai e sua mãe não tivessem se encontrado naquela rua poeirenta, sentado lado a lado no ônibus da faculdade, trocado aquele e-mail de trabalho, dividido aquela mesa no restaurante... Talvez você nem estivesse aqui agora, pensando como tudo poderia ter sido, se não fosse.

(Esta crônica faz parte do meu livro Na Sala de Espera)

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Quando aprendi a falar com Deus


Antes de qualquer coisa, preciso esclarecer que sempre achei que me comunicava com Ele. Desde pequenina, quando a única oração que sabia era a do Santo Anjo do senhor. Creio que nesta época houvesse realmente um contato íntimo entre nós, afinal, criança é o exemplar mais próximo de Deus neste planeta.
...
Mas cresci. E da oração do anjo guardador passei direto para o Pai Nosso, como se além do alvará de gente grande tivesse passado para a categoria dos que podem conversar de igual para igual com o criador. Ledo engano.
Sem me dar conta do quanto, fui perdendo o contato com Ele (apesar de todos os Pai Nossos recitados), como quem perde um grande amigo de vista. A admiração permanece, a saudade continua, mas como o amigo foi para longe a relação vai esfriando até ser transformar numa lembrança boa.

...
Foi assim que aconteceu conosco. Ocupei-me tanto com os afazeres da vida que não encontrava tempo para visitá-lo efetivamente e, consequentemente, nem Ele a mim. A distância entre nós foi aumentando mesmo que o guardasse no coração.
Contudo, contrariando todas as teorias teológicas, não me reencontrei com Ele num momento de dor e de desespero. Inexplicavelmente procurei-o quando estava tudo tranquilo, aliás, foi exatamente a calmaria excessiva que me desesperou. Precisava urgentemente de uma explicação sobre o papel que eu vinha desempenhando e, que a meu ver, era de mero figurante no mundo.
Chamei por Ele sem sequer imaginar em que distância se encontrava. Pus-me a falar-lhe como quem fala com as paredes e, neste surto de loucura, exigi que mudasse o meu roteiro. Não pedi para ser protagonista de nada, apenas para ter mais representatividade no palco da vida.

...
Cedo você descobre que Deus não pode ser visto, nem ouvido; mas só mais tarde você aprende que ele fala sem palavras e existe na fé. Sem fazer um único ruído Ele deu todas as respostas às minhas dúvidas e mudou definitivamente a minha história.
 A partir daquele dia a calmaria se fez tempestade em meu viver. Embasando todas as teorias evolutivas, para atender ao meu pedido e me transformar em alguém no mínimo mais interessante, Ele me enviou a uma estrada tortuosa na qual descobri sensações que jamais havia experimentado.
As dificuldades foram se apresentando a mim como incontáveis adversários a serem vencidos e (em incontáveis momentos) achei que não teria força suficiente para chegar até o final da batalha.
No entanto, nos momentos de maior dificuldade você percebe que, ao sintonizar o canal divino um combustível invisível o reabastecerá o tempo todo sem que precise pagar nada, apenas confiar piamente.
...
Confiei - me a Ele o tempo todo na nova caminhada. Em alguns trechos agarrei-o desesperadamente, tamanha a incerteza sobre onde aquele caminho iria me levar, e o combustível nunca faltou.
Enfim, não posso acabar este relato, esta confissão ou este testemunho (denomine-o como quiser) dizendo que venci. Feliz ou infelizmente comunicar-se com Deus significa ouvi-lo dizer em seu silêncio que a luta só acaba quando chegado o fim da sua jornada, e eu sequer imagino a quantos quilômetros estou da bandeirada final.
Mas posso afirmar que depois que aprendi a falar com ele, não só a vida passou a fazer real sentido para mim como me tornei mais forte, confiante e, certamente, alguém muito mais interessante e feliz.












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