Enquanto ela não volta

SEMPRE que retornava de uma viagem e cruzava a ponte que mora sobre o rio que contorna a minha cidade, uma tristeza silenciosa gritava em meu peito.

Cheguei a pensar que o passar dos anos e o ingresso à maturidade dissipariam isso.

Adoraria que uma corneta reverberasse em mim o som da alegria de estar voltando para casa.

Mas isto nunca acontecia.

A nostalgia de voltar continuava acompanhando-me a cada regresso.

E, se existe uma pena para quem comete plágio, confesso neste instante meu delito. Batizei a ponte das minhas chegadas de Ponte dos Suspiros. Não poderia nomear diferente a testemunha dos incontáveis suspiros, nas minhas contrafeitas voltas.

“O que vem a ser isto?” Não houve uma única vez que não me questionasse.

A resposta chegou de mansinho, como quem chega sem ser convidado e não quer atrapalhar.Surgiu de mim mesma, quando respondi à pergunta ao telefone:

– Já voltou de viagem?

– Voltei, mas minha alma ficou!

Como não havia me dado conta disto antes?

Quando fazemos uma viagem, é o nosso corpo que se desloca, mas é a nossa alma que passeia.

E a alma, esta coisa que tem nome, mas não possui forma nem idade, quando se solta reluta em voltar.

Quando viajamos deixamos em casa os nossos sentidos viciados e tomamos emprestado às sensações da alma. É quando enxergamos tudo o que vemos. Percebemos tudo o que tocamos. Sentimos todos os cheiros. Ouvimos todos os sons. Provamos todos os gostos... É quando a alma salta contente de onde mora para experimentar todas as novas formas.

Porém, viagens não são paragens, são instantes que terminam. Idas que precisam de voltas.

É quando a alma protesta, esbraveja, sente. Causando a tristeza como troco.

Agora compreendo o porquê de a ponte me fazer suspirar. Da inquietação instantânea que preenche o lugar para onde volto, como um café sem gosto em uma xícara lascada pelo tempo de uso.

E também sei que esta sensação é passageira. É apenas o curto instante que me encontro sem a alma, que teimou em voltar mais tarde. Quando ela volta tudo volta a ser como sempre foi.

Será que estou “viajando”? Perdoem-me!
A culpa é desta alma aventureira.


( Esta crônica que faz parte do meu livro Na Sala de Espera)

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