Como teria sido, se não fosse

O QUE realmente nos trouxe até aqui? Foram os atalhos que pegamos ou a escolha do trajeto mais longo? O que nos fez trilhar esta estrada? Qual das placas que não lemos nos pôs aqui, neste exato momento?
Onde estaríamos agora, se tivéssemos nascido em outras famílias ou em países diferentes? Numa mansão em Beverly Hill, num barraco sobre o morro, num iglu no Pólo Norte...?
Quem seriam nossos amigos, nossos amores? Quem seríamos nós em nossa história de vida? Qual seria a nossa história? A quantas andaria a nossa vida?
Se você não tivesse a mãe que teve, talvez nunca soubesse ser uma boa mãe. Nunca aprendesse a fazer café passado, feijão da hora, arroz soltinho... Quem sabe não tivesse aprendido a amar; não fosse forte para suportar a dor; não tivesse esta mania de querer ver todos contentes. Muito menos teria a chance de dizer que se parece tanto com alguém.
Se não tivesse tido o pai que teve, talvez estivesse morando na Índia e colocado em prática o plano de nunca se casar. Então, talvez não tivesse filhos e também nunca soubesse o que é ser importante para alguém, mesmo que seja para “alguéns” pequeninos que lhe precisam o tempo todo.
Se não tivesse frequentado aquela escola, talvez nunca tivesse conhecido a garota da quarta-série que lhe emprestou seu belo jogo de canetinhas e que se tornou a melhor amiga que possui até hoje.
Se não tivesse passado naquele vestibular, talvez não tivesse levado tanto tempo para descobrir a verdadeira vocação. Quem sabe tivesse virado artista de novela ou modelo de passarela. Ou tivesse casado bem cedo e tido uma dúzia de filhos e hoje estivesse feliz ajudando a criar os netos.
Se não tivesse desistido daquela viagem, talvez tivesse conhecido o amor da sua vida. E até tivesse cancelado a volta e morasse até hoje no Peru. Então, não teria ido ao show da Rita Lee e sentado do lado de alguém que lhe paquerou a noite toda e lhe rendeu meses de uma tórrida paixão.
Se não tivesse perdido aquele ônibus, não teria conhecido o dono daquela empresa que lhe ofereceu carona e um emprego. Talvez nem tivesse emprego e precisasse consultar um analista para saber por que sua vida resolveu manter-se de pernas para o ar. Talvez você fosse padre, ou freira, e só precisasse se preocupar em rezar.
E se seu pai e sua mãe não tivessem se encontrado naquela rua poeirenta, sentado lado a lado no ônibus da faculdade, trocado aquele e-mail de trabalho, dividido aquela mesa no restaurante... Talvez você nem estivesse aqui agora, pensando como tudo poderia ter sido, se não fosse.

(Esta crônica faz parte do meu livro Na Sala de Espera)

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