Tralhas

Eu tenho você guardado. Não pergunte por quê. Prefiro ficar calada. Que ninguém saiba. Muito menos você.
É mania que tenho de não jogar fora o que não tem mais a ver. Que não me serve, que é velho, antigo, cafona e ninguém vai querer.
Coisa de gente louca você chegou a falar. Só porque me viu guardar o suéter furado, que o gato assustado enganchou suas unhas. Fez um estrago danado. Não deu pra consertar. Estava velho, embolorado, encolhido e desbotado. Além de furado, é verdade. Mas foi um presente que ganhei de você. Isto não é loucura, é sensibilidade.
E para o seu conhecimento, se é que fosse saber. Guardo outras coisas suas, além de você.
Um pé de meia, avulso. Uma lâmina de barbear. As havaianas que usava em casa. O velho relógio de pulso que parou de funcionar. Iria rir se soubesse. Com certeza gargalhar. Mas é só o vício que tenho de não conseguir descartar, as coisas que um dia me foram caras, mesmo que agora só sirvam para atravancar.
É que me apego em tudo com que venha a conviver. Cuido, zelo e acarinho que é para fazer durar. Infeliz ou felizmente com você não funcionou. Ficou o tempo suficiente que achou que devia ficar. Agradeceu meus cuidados, zelo e carinho. Você sempre foi educado. Depois saiu devagarzinho. Fechou a porta sem bater. Deixou o vazio comigo e o seu perfume no ar. Acomodei os dois lado a lado. E, caso viesse saber, encontraria todas estas tralhas onde eu guardo você.

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