I ♥ alguém que não conheço

                          
Aguardava ser atendida em uma loja de fotografias quando a garota ao meu lado estendeu sobre o balcão uma camiseta estampada com a frase “I Justin Bieber”.  A adolescente tinha vindo reclamar do layout de seu amor anunciado pelo ídolo canadense, que não ficara à altura de seu sentimento. Do lado, a mãe muda (mas de ouvidos atentos) assistia a atitude firme da filha e, certamente, pensava (assim como eu) o quanto a paixão pode transformar, de uma hora para outra, um adolescente em um protótipo adulto defensor de seus direitos “coracionais”.
Contudo, meu pensamento voou (tenho certeza) mais alto e mais distante do que o daquela mãe, e foi pousar bem na minha adolescência, quando também me apaixonei por um ídolo.
Diferentemente da fã apaixonada pelo cantor de sua idade, me apaixonei por um cara mais velho que não cantava, mas batia um bolão. Para dizer hoje o que me fascinou em Edinho (o jogador do Fluminense e da Seleção Brasileira) naquela época, preciso reativar o meu sensor de atração de adolescente. Então, saiba que Edinho tinha uma cabeleira de fazer enlouquecer qualquer menina; olhos puxados de fazer qualquer garota tremer; boca carnuda de fazer uma guria sonhar acordada e chorar sem sentir dor (já vou explicar esta parte); pernas firmes e roliças; etc.etc.etc. Ai, ai... Edinho era tudo para mim! Mesmo que eu nunca o tivesse visto de fato, nem falado tête-à-tête, sequer o tocado. Tanto, que chorei por ele.
...
Naquela ocasião, eu e mais duas amigas formávamos um trio inseparável, praticamente trigêmeas siamesas. Nossas personalidades eram tão parecidas, que nos apaixonávamos pelo mesmo cara sem que isto provocasse uma quebra irreparável da nossa amizade, pelo contrário, creio que disputar as mesmas paixões era mais um testemunho de nossa homogeneidade, uma vez que somos amigas até hoje.
No caso do meu idolatrado Edinho, tive que dividi-lo com apenas uma delas, pois a outra se apaixonara por Reinaldo, também jogador da seleção. Mesmo assim, era prudente saber qual das duas era a real merecedora do amor do cobiçado jogador. E como saber, uma vez que o coração não dá atestado de intensidade sentimental? Ora, como? Até aparece que você nunca foi adolescente! Chorando uééé!!
No quarto, trancafiadas a quatorze chaves para que nenhuma mãe enxerida atrapalhasse a prova decisiva, eu e minha amiga concorrente nos concentramos para o campeonato de lágrimas, enquanto a felizarda das três, que não dividia o craque Reinaldo com ninguém, fazia o papel de juíza.  Um, dois, três... Cadê as lágrimas!!! Nenhuma gota sequer apontava a carinha no meu canal lacrimal, e eu estava prestes a perder Edinho para a amiga que já estava com olhos inundados. “Um minuto de intervalo meninas! Preciso ir ao banheiro.” Minutos depois volto para a prova cheirando a mentol, cânfora, óleo de eucalipto e com os olhos ardendo de tanto chorar. “Não vale! Usaste Vick Vaporub!!!”
Prova anulada! Resolvemos seguir assim, amando as duas o mesmo cara durante toda Copa do Mundo.
...
De volta a cena da loja de fotografias confesso que, no primeiro momento em que vi a menina apontando a falha no desenho da camiseta, pensei: “Como amor pode ser tão tolo às vezes, e a gente tão infantil ao ponto de senti-lo?”
Se apaixonar por quem nunca se viu, ou se viu foi só pela TV ou Webcam. Quem nunca se falou, ou se falou foi só por celular ou pelo áudio do computador. Quem nunca se tocou, ou se tocou foi só na fotografia ou na imagem da tela. Como alguém pode sonhar com alguém que, apesar de ser de carne osso, nunca se materializou em sua frente? Nunca transpirou, nem perfumou o ambiente. Nunca teve uma crise de riso, de choro, de tosse, ao seu lado. Nunca agarrou sua mão com toda força, nem trançou os dedos nos seus sobre o braço da poltrona do cinema, jamais lhe afagou os cabelos. Nunca apontou para que você visse uma figura engraçada, uma paisagem bonita, um pôr do sol deslumbrante. Como é possível amar alguém que não sabe qual a sua música preferida; o livro que acabou de ler; o nome do seu cachorro; o seu apelido; que você existe, adora poesia e escreveu um caderno inteiro sobre o amor de vocês dois. Como é possível amar o Pop Star que já namora a Selena Gomez?
Pelo mesmo motivo que amei a figurinha do álbum da Copa do Mundo: “Amar alguém é muito melhor do que não amar ninguém.”
A resposta me veio num segundo momento, quando tive um surto de sensibilidade pela causa da menina que amava Justin. Onde já se viu, vestir uma declaração de amor onde coração ficou rosa e não vermelho! “Pode ir tratando de estampar outra camiseta, moço!!!”



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Discutindo a presunção





ALGUMAS coisas caem bem apenas no papel. Ficam bonitinhas em artigos, revistas, livros... Mas quando saltam das páginas para aterrissarem na vida real ficam enviesadas, tortas, perrengues.
Já tentou discutir a relação?
Não me refiro a brigar, combater ou guerrear sobre pontos de vista e opiniões. Falo em argumentar, ponderar, enumerar uma a uma as diferenças (pacificamente) ao companheiro ou à companheira, numa boa. Tipo uma conversa civilizada, onde Fulana diz ao Cicrano tudo o que vem guardando durante dias e dias da entediante relação. Um desabafo sincero, onde o Cicrano informa a Fulana o número de sapos (e pererecas) que vem engolindo nos aborrecidos dias da relação.
Estou querendo mencionar uma conversa incolor, inodora, insípida, cristalina. Um strip-tease da alma, no qual você vai despindo-se lentamente ao som descompassado do coração.
Já tentou algo parecido?
Deixe-me adivinhar: teve que se cobrir rapidinho, vestindo cada sentimento de volta, antes que o frio da indignação do parceiro (ou da parceira) congelasse-lhe alma e coração?
A verdade nua e crua é esta! Ninguém, por mais politizado, antenado, espiritualizado que seja, gosta de ouvir falar sobre os fatos verídicos de sua pessoa, que a fazem ser uma (não tão boazinha) pessoa normal. Ou melhor, seria dizer, anormal?
Na real, anormal neste mundo (na presente dimensão) é ser perfeito!
Normal é gente que erra; que pisa na bola, na jaca, na casca da banana. Normal é gente que escorrega e leva o outro de arrasto com ela. Normal é quem perde a calma, a compostura, à estribeira, e já não se acha no meio de toda confusão. Normal é quem (não sendo barata) sente o sangue subir à cabeça antes de soltar um palavrão. Normal é esta raça que povoa o planeta e que se desequilibra de vez em quando, apesar de toda força da gravidade. E isto nada tem de grave!
UFA! Que alívio este parágrafo causou!
Agora sim. Depois de admitir todas as partículas vencidas do nosso eu imperfeito, dá para pensar em sentar e discutir qualquer relação.
Desenhando: enquanto um se achar o rei da bolacha e o outro a última cocada do pacote, os relacionamentos deformarão, perderão as tiras e terão mau cheiro, feito legítimas Ipanemas.
Ou seja, chega de fingir!
A gente erra sim! Muitas vezes somos um fulminante pontapé na parte frágil do parceiro ou parceira e queremos posar de delicadas bailarinas ou bailarinos. A gente chuta sim! E haja saco!
Esteja preparado. Puxe a cadeira, a poltrona, o divã ou simplesmente se jogue na almofada, pois mais dia ou menos dia, você vai ser convidado a discutir a relação. Então, relaxe. Desça da cobertura celestial (na qual pensa) que habita e permita-se alguns instantes de pés no chão.
Ouça, ouça, ouça. E quando achar que já ouviu tudo: OUÇA!
Talvez você não concorde com tudo, talvez concorde em partes, talvez não concorde com nada. O que importa é você ter parado e admitido que o assunto precisasse ser posto em pauta. Ter silenciado para escutar a parte afetada. O que conta realmente não é a sentença proferida, é a culpa anunciada.
Como? Vai querer dizer agora que não teve nada a ver com o caso?
Pegue o elevador. Aperte no zero. Desça outra vez.
Precisamos discutir a sua presunção.

           (Esta crônica faz parte do meu livro Na sala de espera).

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Tudo passa. Você fica


Em outra ocasião falei sobre a relação com a tristeza e da resignação que devemos adotar tornando este, mais um daqueles casos sem solução. Não que se deva por em prática a patética frase “ruim com ela, pior sem ela”. Melhor que a tristeza nunca nos visitasse, de preferência, que sequer tivesse conhecimento da nossa existência. Mas ela é danada! Conhece o mundo todo e, vira e mexe, bate em nossa porta como uma prestativa vizinha intrometida: “Oh, de casa! Trouxe uma nostalgia quentinha para você provar.”
Portanto, é melhor estarmos preparados para quando ela vier. Deixá-la entrar e ficar por algum tempo, até que se canse de nós, tanto quanto nós dela, e parta. Assumir a relação conformista com a tristeza, de certo modo, causa paz.
Já com a dor, é diferente.
Se fosse descrevê-la para você diria que a Dor é uma figura alta, forte e corpulenta.  Possui uma cabeça enorme, envolta por cabelos secos, desgrenhados, presos em um coque mal feito cheio de grampos. Olhos redondos e saltados, sobrancelhas grossas que se emendam onde começa o enorme nariz esborrachado. Boca sem lábio e bigode espetado. Usa um vestido marrom com manchas beges que lhe cobre os joelhos, mas deixa à mostra as canelas grossas e peludas, iguais aos braços e axilas. Tem pés enormes com unhas encravadas e sujas, idênticas às das mãos. A Dor é horrível!
Chega invariavelmente montada numa notícia ruim; numa descoberta dolorosa; num fim inesperado; numa partida indesejada. Sem sequer enviar um bilhete de aviso, voando feito uma bruxa aterrissa inesperadamente na pista do coração, ou seria do estômago?  Logo você descobre que a dor também passa pelo estômago, tanto quando a comida.
Aparece do nada e a qualquer dia. Num sábado em que a agenda dita alegria, logo depois do almoço. Melhor que viesse sempre antes, assim tiraria a fome e não causaria indigestão. Comida e dor não combinam. Logo você descobre que é mais fácil colocar a comida para fora do que a dor.
Já chorou no chão da cozinha? Do banheiro? Da sala? Do quarto? Na calçada?
Bati o recorde dos chãos em que já me joguei a fim de expelir a dor, inutilmente. Que alivio seria expurgá-la junto com as lágrimas, mas não é tão simples assim. A ignóbil hospedeira costuma instalar-se pelo período que lhe convier e geralmente este prazo independe da nossa vontade. Parasita feio e mau, copulando com as entranhas, gerando fetos amargos.
Logo você descobre que, diferentemente da tristeza, a dor não aparece sem motivo; não desaparece de uma hora para outra e nem se extingue de fato. Que ao partir terá deixado seus genes em você para sempre.
Que a dor dita o tempo de sua estada e que ele é mais longo do que você gostaria.
Que uma vez instalada, não sobrará muito de você em si. Ela o(a) possuirá inteiro(a) e o(a) fará refém sem qualquer negociação de resgate que o(a) tire ileso(a) de lá.
Que depois de ter hospedado a dor, você nunca mais será o(a) mesmo(a). Ficará incrédulo(a), desconfiado(a), chocado(a), sequelado(a), capenga e, ironicamente, mais forte.
Que existe uma razão para todas as coisas ruins que acontecem e para que você continue vivendo, mesmo que a sua identidade emocional esteja adulterada.
E, finalmente, você descobre que a sabedoria é fruto do relacionamento da vivência com o tempo. Que, sabiamente, na vida tudo passa; até a dor. E você fica; além e apesar dela.

(Publicada no Jornal Enfoque Popular 28/11/2011 )




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Até que a vida os separe




CONTRARIANDO as previsões pessimistas, desde o século XVI o casamento permanece na lista dos principais objetivos de vida dos seres humanos. Isto inclui homens e mulheres.
Ainda que classificado como uma instituição falida, a grande maioria das criaturas prefere casar e falir, a ficar solteiros por toda a existência.
Casamento é uma daquelas coisas que, por mais que digam que depois de certo tempo a gente se arrepende de ter feito, a gente teima e faz. Tipo: “Quem disse que não vai dar certo comigo, só porque não deu com a fulana?”
Sendo assim, milhares de teimosos do mundo casam em maio e em todos os meses, o ano inteiro. Muitos se arrependem, é claro. Mas muitos desbancam os pessimistas.
Quem é casado ou já casou e descasou, sabe que casar é bom. Unir as escovas de dentes, dividir o mesmo edredom, repartir as gavetas, juntar os CDs, os livros, as tralhas particulares... É deliciosamente romântico! A gente sonha com isto mesmo. Agora, se isto vai durar a vida toda, são outros quinhentos.
O casamento deve ser visto com paixão, mas também precisa ser encarado com a razão. Às noivas deslumbradas com a hora do sim, que curtem os preparativos das bodas achando que irão adentrar no mundo das nuvenzinhas fofas, onde não experimentarão mais nada pelo resto dos dias além do doce néctar do amor, é bom lembrar que isto só acontece na historinha da Barbie noiva.
Pezinhos no chão! Casar é bom sim. A lua de mel é doce de verdade, mas dia após dia o mel se junta às partículas naturalmente azedas da vida e quem não tiver um paladar resistente, não vai suportar mesmo. Já passa da hora de rever os conceitos. O que estão ensinando no curso de noivos neste novo milênio?
Como tudo na vida, casar é somar e dividir e ainda ter que subtrair. É estar contente e descontente. É receber e doar, concordar e discordar. É ser igual, mas na maioria das vezes diferente. É um jogo sedutor e envolvente que requer muita sabedoria e perspicácia, pois nele se pode ganhar ou perder. Embora, no final das contas, perder ainda é sair ganhando, no mínimo, maturidade e experiência.
Não é um mar de rosas, nem um céu feito de nuvens de algodão. Tem espinhos e chuva ácida sim. Não é fácil, ainda que valha a pena. Pode durar um ano, dez ou cinquenta, o que importa é que dure enquanto a chama arder.
Definitivamente, o casamento não está fora de moda. Agora, num mundo em que ninguém quer ser infeliz, sustentar a mentirinha “até que a morte nos separe” é pra lá de démodé.

(Cônica do meu livro Na sala de espera).

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Epílogo



Passado é uma história
Romance, drama, glória
Fim que não quer acontecer.
Passado é você, sou eu agora
Amor que veio e foi embora
Enredo que inventei só para ler.
Passado é um livro esquisito
Ora feio, ora bonito
Que me pus a escrever.
Passado é final de um capítulo
Vida em que já não existo
Página que criei para viver.
Sozinha no silêncio desta hora
Relembro o fim da nossa história
Quando rasguei eu e você.
Passado é dor que apavora
Você partindo embora
Sem que eu pudesse dizer.
Amo, ontem, hoje, sempre
Passado é o presente
Que teima em não morrer.


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Mariana Aydar, Palavras não falam

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As mentiras que contamos a nós mesmos


HÁ algum tempo (como de costume) saí com uma amiga com o propósito de esvaziarmos os corações.
Escolhemos um bar. Sentamo-nos junto à janela de onde podíamos ver a vida alheia passando velozmente dentro dos carros, e o músico que, apoiado num banquinho de madeira, tirava belos acordes do violão entoando com voz melódica e afinada... Às vezes no silêncio da noite...
Estava prestes a emendar um coro com minha voz desafinada (mas com coração sensível de escritora), quando minha amiga soltou um grunhido abafado. Olhei para ela e, com espanto, vi o seu rosto encharcado por lágrimas escuras que tinham acabado de despencar do par de olhos decorados por rímel e delineador.
Entreguei-lhe um guardanapo para que limpasse o borrão escuro que começava a desfigura-lhe o rosto. E falei: “Calma! Respira fundo e me conta tudo. Estou aqui para te ouvir.”
Durante mais ou menos uma hora, minha amiga de infância abriu-me o diário dos últimos quinze dias (era o tempo que estávamos sem nos ver), nos quais o namorado (de anos) como um desprezível cafajeste a fez sofrer imensamente, até finalmente confessar que a via apenas como uma grande e boa amiga.
Minha cabeça fervia, meu coração soqueava o peito e eu precisava me controlar para não gritar: “Manda este (piiiiii) para a (piiiiii)!” Porém a deixei falar por intermináveis minutos, até que ela se acalmou e disse: “Não sei o que houve, estava tudo tão bem.”
Estas são as mentiras que contamos a nós mesmos e que o nosso ego adora inventar para se satisfazer. Então, além de cegos ficamos surdos e mudos para não sofrer. Não nos dando conta de que, fingindo, não nos permitimos ser realmente felizes.
São as armadilhas que preparamos para nós, tão visíveis para quem está do lado de fora. “Ele não pode viajar comigo porque está cheio de trabalho”. “Ele precisa ir sozinho porque a mãe ainda não me aceita”. “Os filhos morrem de ciúme de nós, por isso só nos vemos nos dias de semana”. “Ele me ama, só não sabe expressar...”. Só para citar algumas no campo sentimental.
Estava tudo tão bem uma ova! Há muito o namorado da minha amiga vinha aprontando sutilmente e ela descobrindo sutilmente. A coisa já estava péssima. Só que ela não queria admitir, ver, enxergar, dar um ponto final. Por medo de sofrer, fingia que estava tudo bem, sem admitir o quanto já estava sofrendo.
Voltando à noite em que saímos para beber as mágoas...Àquela altura as mesas chacoalhavam ao som de... Viver e não ter a vergonha de ser feliz... Então, olhei diretamente para aqueles olhos borrados de sofrimento e escancarei: “Estava tudo tão bem coisa nenhuma! Este cara está te fazendo de boba já faz tempo. Você bonita, inteligente e habilidosa o suficiente para aprender a fazer canja de tipinhos como este.”
Imagino como deve ter sido difícil ouvir isto. Como causei dor e raiva à minha amiga, mas não me arrependo por um segundo sequer de ter pintado o quadro real que ela teimava em fingir que não via.
Ela encontra-se sozinha agora, tentando unir os pedaços do que quebrou no passado. Numa noite destas sentamos ao ar livre para, mais uma vez, tricotarmos com o fio que envolve nossos corações. A música corria solta com a brisa fresca, comum às noites de verão. Durante uma pausa na conversa para olhar em volta, minha amiga deixou-se envolver pela canção e resolveu acompanhar o músico (numa afinação melhor do que a minha e o coração sensível dos sobreviventes)... Começar de novo e contar comigo, vai valer a pena ter amanhecido, ter me rebelado ter me debatido, ter me machucado, ter sobrevivido...

(Crônica do meu livro Na sala de Espera).

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Você está triste hoje?



PERGUNTE a uma criança por que ela está triste. Irá ouvi-la contar que é por causa do brinquedo que não ganhou; ou porque a roda do skate quebrou; ou porque os coleguinhas não quiseram mudar a brincadeira e continuam jogando futebol; ou porque a melhor amiga resolveu substituí-la por outra. Ou, ou, ou...
Criança não fica triste à toa. Tem sempre um motivo.A criança entristece com causa e pode descrevê-la tim-tim por tim-tim para você.
Já o adulto entristece muitas vezes sem conhecer o motivo. Simplesmente acorda diferente naquela manhã e atravessa o resto do dia com a cortina fechada, cercado por uma penumbra nostálgica, quase dolorida. Passa o dia, às vezes dois, e até mais, trancafiado em seus aposentos íntimos sem vontade de convidar ninguém para dividir consigo a decoração down.
E quem disse que você precisa fazer uma festinha todos os dias?
Você é dono do direito de se recolher em si de vez em quando. De bater um papo com a tristeza e perguntar a ela por que veio se hospedar em você nestes dias.Deve ouvi-la com atenção. E quando ela lhe disser que você a convidou, pois bem sabe o quanto é indesejada e só vem se a chamarem, acredite! A tristeza não é muito íntima da mentira, pelo contrário, ela nunca usou disfarces, você é que teima em fantasiá-la muitas vezes, vestindo-a com a falsa alegria.
Curta o seu momento triste. Tome um chá de serenidade com biscoitos de sabedoria e converse – sem pressa – com a sua tristeza. Revele a ela por que a convidou, confesse cada detalhe que fez com que você lhe enviasse a passagem e escancarasse a porta para ela entrar. Permita-se descobrir que, ao conhecer a fundo a tristeza, ela já não parecerá tão feia e assustadora.
Não se surpreenda ao achá-la sábia. Não se espante ao considerá-la necessária – de tempo em tempo – para pôr a casa em ordem, depois dos vários dias em que a euforia habitou em você.
Após revelar-se à tristeza – mais do que ela a você – ficar triste já não lhe soará tão mal. Diminuirá o ímpeto de afogá-la em tratamentos. Desaparecerá a vontade de matá-la com remédios. Entristecer já não causará desespero. Passará a ser somente o desejo de não abrir as cortinas enquanto não quiser, com o direito que é seu.
O que não pode, de forma alguma, é deixá-la morar com você para sempre. Trate-a como uma boa visita que, quando menos se espera, já está de partida, sem qualquer promessa de retorno. Embora você saiba que ela voltará assim que receber o seu convite.
Você está triste hoje?
Aproveite! É um direito seu.
Prometo que não vou bater na sua porta ou espiar pela cortina.

(Crônica do meu livro Na sala de espera)

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Rosa choque


POSTEI-ME em frente ao computador esperando que a minha mente, na maioria das vezes criativa, ditasse as palavras, as quais eu posaria aqui facilmente. Mas nada aconteceu.
Durante o tempo em que me atrevo no mundo da escrita pude constatar que uma vez por mês, durante todos os meses, sofro um bloqueio. Como se a fonte inspiradora das minhas idéias tivesse secado intermitentemente.
Com o teclado intacto, esperando pelos toques que versariam sobre algo; com minha mente criadora displicentemente inerte; com o meu corpo gritando para que eu largasse tudo, e me atirasse no sofá... Resolvi que o assunto em pauta deveria ser incontestavelmente um dos mistérios do universo feminino. Afinal, o meu alarme íntimo já havia disparado o aviso: 

 “Prepare-se, você está entrando na TPM. E não conseguirá escrever uma vírgula sequer que a agrade”.

É exatamente assim que acontece. Pelo menos uma vez por mês paro em frente ao guarda-roupa, olho para as dezenas de peças dependuradas, cada qual em seu cabide, e concluo desesperadamente
que nenhuma delas me cairia bem naquele momento.Passo a mão numa calça jeans e numa camiseta básica e me rendo ao período em que dificilmente algo vai me fazer sentir linda e maravilhosa. É o primeiro sinal de que tudo está começando.
Todos os meses eu passo por dias em que me torno insuportável a mim mesma. Mergulho num oceano de sentimentos que me leva ao extremo de ficar chorona e frágil, à irrequieta e impaciente, como se uma bipolaridade momentânea se apossasse da minha personalidade numa obsessão psíquica nestes dias nebulosos.
Isto pode parecer exagero para os olhos masculinos, todavia, sou capaz de apostar que as mulheres sabem com conhecimento de causa, o quanto temos que, literalmente, sangrar por sermos mulher.
O universo feminino glamouroso e fascinante, dentre seus vários caminhos e recantos aprazíveis possui uma estradinha turva e acidentada, na qual obrigatoriamente precisamos passar mensalmente.
É a jornada da TPM.
  
Com o passar do tempo e de observação forçada, sei exatamente quando tudo começa e acaba. Então vou logo avisando aos desavisados: Cuidado! Não provoque, estou rosa choque!
E não é que funciona? As pessoas com as quais convivo mantém a cautela necessária ao tratar qualquer assunto comigo nestes dias, mesmo que seja, simplesmente, para resolver o que teremos para o jantar.
Cria-se um cuidado especial em minha casa com a costumeira desarrumação dos quartos; com as toalhas largadas no banheiro; com a falta da descarga; com a falta de lembrar-se de apagar as luzes... Incrivelmente parece que todos ficam mais atentos aos pequenos detalhes e tentam, na medida do possível, não cometerem nenhum deslize. Afinal, um simples passo em falso pode detonar a mina. E lá vem bomba!
É assim desde meninas. Não podemos desviar da estrada sinuosa que se abre a nós mensalmente, mas temos que aprender lidar com ela. Devemos conhecer cada curva no mapa e ir logo avisando aos companheiros de viagem: Seguir uma mulher pode ter grandes riscos. Um deles é perdê-la na metade do caminho por alguns dias, todos os meses.
O segredo é ter paciência, pois ela volta. Sim, ela volta inteirinha depois da Tempestade Psíquica Mensal. Sem um arranhão sequer. Pronta para ser ela mesma até o próximo mês.

(Crônica do meu livro Na Sala de Espera)


 

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Apesar de você e de mim



ALGUÉM inventou de dizer que às vezes uma estranheza lhe abatia; que sentia destoar do resto do mundo; que achava sua vida perdida no meio de tantas outras vidas.
E foi taxado de louco.
Descobri, então, que conhecia e convivia com dezenas de loucos. Todos iguaizinhos a mim.
Quem não se estranha de vez em quando, como se estivesse fora do contexto? Quem nunca esteve perdido, e se deu conta de que a vida acontece apesar de si?
A vida continua apesar de toda a loucura. Apesar de você e de mim. Apesar de todos os poréns e porquês.
Ainda que tudo esteja fora de prumo, que a casa tenha desabado, que o seu eu esteja queimando.
Ainda que as apostas tenham sido perdidas, que você tenha caído, que esteja tentando se reerguer.
Pouco importa que precise se entupir de remédios para cumprir a tarefa de manter-se vivo. Que esteja preenchendo o vazio com cigarro e álcool na intenção inconsciente de aniquilar-se. Ou que, neste instante, tenha desistido de viver.
Mesmo que você já não exista a vida segue. Use e abuse do clichê, realmente, a vida não para.
Como desejei isso! Como sonhei freá-la. Como tentei, com um mover de nariz, fazer tudo congelar ao meu redor para eu poder encará-la: “Então, senhora impiedosa vida, deixe-me analisá-la assim parada, com todo o tempo de que preciso para descobrir o que nós duas temos em comum.”
A vida segue para fazer você crescer e descobrir que as feiticeiras só existem nos seriados da TV, para entender que ela é infreável e imortal, apesar de quem quer que seja.
Que apesar de você e de mim o dia renascerá amanhã, indiferentemente se dormimos ou tivemos insônia. Se, sonhamos ou tivemos pesadelo. Se estivermos vivos ou não.
Amanhã haverá outro dia, mesmo que um de nós não queira.
A vida não pára para explicar-se.
Então, não diga que é louco quem parou para tentar entendê-la.

(Crônica do meu livro na Sala de Espera)

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O amor e os meus decretos




HOUVE um tempo em que me apaixonei pelos olhos.
E, é claro, na exigência de ser o primeiro, o meu amor tinha olhos verdes. Não de um verde qualquer, pois o primeiro amor merecia um verde digno de uma estréia. Então, o meu primeiro escolhido tinha olhos verde-folha.
Coube a mim carregar (feito formiga) aquelas duas folhas em forma de olhos, por um bom tempo da minha vida, e nada mais.
Como estão vendo (e eu logo também concluí), o primeiro amor pode não dar em nada. Uma vez que os olhos não sabem falar, nem beijar... nada acaba acontecendo.
Depois dos olhos vieram outros atributos: a cor dos cabelos, o formato da boca... Uma amiga costumava se apaixonar pelo formato da bunda.
Na minha lei do amor cheguei a decretar que o objeto não poderia ser louro, nem moreno demais, tinha que ser meio-termo. Se não fosse alto e magro, estava fora da lista de possibilidades.
O sapato também era um fator importantíssimo. Conforme o modelo, o estado de limpeza ou de sujeira do mesmo, sequer haveria chance.
Porém, ao longo do tempo fui acrescentando uns adendos à minha lei. Fui reformulando algumas exigências, dispensando alguns itens, incluindo outros.
Não pense que com isto fui amando qualquer um. Pelo contrário, o tempo foi me deixando cada vez mais exigente.
Hoje, pouco me importa a cor dos olhos, me apaixono pelo olhar. Não me interessa o formato da boca, só presto atenção nas palavras. Não estou nem aí para os cabelos, só quero um amor que saiba pensar. A altura é coisa fora de questão, mas exijo que seja grande de sentimentos. Não ligo que seja magro ou forte, apenas que tenha atitude. Os sapatos tornaram-se insignificantes, porém os passos têm que ser exatos. Nem atrás, nem na frente; amo quem anda ao meu lado. E não precisa ser rico, mas que saiba enriquecer a minha existência.
Claro que precisa possuir um rosto e um corpo, porém, isto ficou em segundo plano.
Hoje me apaixono primeiro pela alma, então, decreto que ela seja linda!

(Esta crônica está no meu livro " Na sala de espera")

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Por que escrevo



Na sala de espera sou eu mesma, revisada, diagramada, impressa e publicada.


Se é que me encontro escassa. Insólita de sentimentos. Sufragada pelos sentidos...
Se a cupidez das palavras inebriam minhas vísceras num desejo vicioso que nem sequer compreendo.
Por que escrevo?
Será a ânsia de que alguém responda em meu lugar e livre-me da culpa de sequer não poder justificar minha embriaguez?
Ou de traduzir sentimentos alheios dos que dizem não possuírem o tal dom?
Seria um dom suposto o meu vício pressuposto?
É por isso que escrevo?
Por que me agitam os dedos para falar pelas entranhas pedindo-me que verse sobre temas?
Temas? Eu que temo coisas que sequer suponho saber...
Para chegar a um confim qualquer onde se banham meus anseios de mulher e de todas fêmeas nuas cobertas de desejos?
Para cavalgar o desconhecido sobre o dorso de um animal arisco, sem destino, com todos os riscos a sofrer?
Para que escrevo?
Melhor calar a voz das palavras mudas?
Apagar as cicatrizes das folhas mortas?
Matar a vida irrespirável das idéias?
Acender a escuridão da dúvida?
Cegar de ver o caminho sem fim?
Amputar as emoções que guiam?
Matar a paixão e sepultar a escritora?
Escrevo...
Logo, existo.

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Logo tu

tu

Todo domingo acontece um baile em um clube próximo da minha casa. A famosa domingueira.
Nunca entendi como as pessoas conseguem sair para dançar no domingo à noite e trabalhar no dia seguinte. Mas, como gosto e vida dos outros estão no rol das coisas que prefiro não discutir, ouço calada e passiva o repertório sertanejo que ultrapassa as grades do jardim, as venezianas da janela e invade a minha casa sem que eu possa, sequer, mover o botão do volume para baixo.
E, além do “playlist” que não escolhi, ouço também, entre um segundo e outro de silêncio, as lamúrias de alguns domingueiros que, depois do terceiro ou quarto copo, fazem da minha calçada um confessionário.
“Logo tu, que é a pessoa que eu mais gosto nesta vida” chorava a mulher, da qual eu não via o rosto. E repetia, entre grunhidos e soluços, o mantra dos injustiçados, renegados e traídos. Também não vi o rosto, nem ouvi a voz do réu acusado pelo crime do coração violentado, contudo podia jurar que o safado estava do lado da pobre vítima surdo, mudo e louco para voltar ao salão e aos braços da causadora de toda tragédia.
A cena que não vi, apenas ouvi, durou cerca de trinta minutos e depois silenciou. Não faço a mínima idéia do que aconteceu ao casal. Só sei que deixaram aquela frase desesperada dentro do meu quarto, mais precisamente martelando dentro da minha mente, despertando o meu sono iniciado.
 “Logo tu, que é a pessoa que eu mais gosto nesta vida!”
Ironicamente, as pessoas que mais gostamos são as que mais nos farão sofrer. Nenhuma dor é maior do que a causada pelos legítimos possuidores dos nossos mais caros sentimentos. Claro que o cara mal encarado da agência bancária, ao negar aquele empréstimo tão aguardado, arruinou o seu dia e as próximas semanas. Lógico que o ladrão que invadiu sua privacidade e a sua casa, levando a maior parte dos seus eletrodomésticos e jóias, causou um rombo imenso em seus sentimentos. Certamente você irá chorar ao sair da agência bancária e ao se deparar com sua casa violada; qualquer um choraria. Mas será um pranto de raiva e não de dor. Não terá a mesma entonação da moça da minha calçada que estava sendo emocionalmente esfaqueada pelo objeto amado. Podemos ser gravemente feridos pelas pessoas que vivem nas redondezas e, até, bem distantes, do nosso coração, mas nada é tão letal quanto o ferimento causado por quem mora dentro dele.
E já que perdera o sono, tratei de criar um jeito das pessoas se precaverem de tais estragos emocionais. Uma espécie de contrato entre os amantíssimos inquilinos, antes de instalarem-se de malas, cuia e todo o resto dentro do coração um do outro. Coisa do tipo:
...
O locador supraqualificado, e o locatário, também supraqualificado, resolvem ajustar a locação do órgão retro descrito (coração), que ora contrataram, sob as cláusulas e condições seguintes:
I – A locação vigerá sem período pré-determinado, podendo o prazo se estender por toda a vida e além dela, se assim o desejarem.
 II – O valor da locação deverá ser pago mensalmente; semanalmente; diariamente; “minutamente”; “segundamente”; conforme o desejo do locador e a necessidade do locatário, com base no índice dos seguintes sentimentos: respeito, admiração, cumplicidade, carinho e amor.
 III – O locador garante que o órgão encontra-se limpo e desocupado, em perfeito estado de conservação emocional e adaptável a toda e qualquer necessidade e exclusivamente disponível para o bem estar e felicidade do locatário.
 IV – É de responsabilidade do locatário, preservar as condições atuais do órgão contratado, prestando cuidados e melhorias que o torne ainda mais valorizado e, automaticamente, feliz.
 V - É estritamente proibido ao locatário sublocar o órgão contratado à grosseria; mentira; traição; indiferença; desprezo; e a todo e qualquer usuário que avariar as condições atuais do mesmo. Sob pena (do juízo celestial) de ficar pelo resto de seus dias desabrigado, tendo que mendigar guarida em albergues baratos, sujos e desprovidos de qualquer tipo de sentimento.
ADENDO - Se em meio ao período vigente desta locação, algum dos envolvidos não conseguir cumprir com as exigências estabelecidas, deverá propor a rescisão do contrato, antes de causar qualquer dano ou prejuízo ao órgão contratado. Cabendo à outra parte aceitar a anulação sem raiva, ressentimento ou qualquer tipo de sentimento que não seja, unicamente, tristeza.
Desta forma, se for da vontade e interesse de ambos, locatário e locador, seguir restritamente as cláusulas acima citadas, que selem este contrato com um longo beijo e muita boa sorte.
...
Imagine o alívio que se seguiria depois deste beijo. Ambos se relacionando com um termo de salvaguarda de seus corações, usufruindo o amor com proteção. Sentimentalmente corretos!
Então, que tal imprimir imediatamente a minha idéia de amor seguro e correr até o cartório mais próximo de mãos dadas com o seu locatário e, apaixonadamente, reconhecerem firma?
Acha que serão taxados de loucos? E o que dizer, então, de quem abre as portas do coração e põe uma pessoa a morar lá dentro, sem garantia alguma?

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Toda mulher é fresca


(Senhoras nada de escrever comentário malcriado ou enviar e-mail desaforado antes de ler até o fim. Senhores guardem o riso para o final.)
Para explicar o título acima, primeiro preciso fazer a pergunta: O que toda mulher tem na boca?
Eu mesma irei responder.
O tempo inteiro? Batom.
Posso estar exagerando um pouco, pois das mulheres que conheci até este momento, nenhuma dorme de batom. Reformulando, então: com exceção das horas de sono, mulher que é mulher vive de batom. Os homens podem até não perceber, mas aquele brilho intrigante que elas possuem nos lábios é efeito do Gloss, o apelido fashion que deram ao batom incolor. Já os lábios naturalmente rosados – a La dama de Da Vinci – é mérito do batom cor de boca. E por aí vai. Do carmim ao Pink, vale tudo. Só o que não vale é boca seca. Afinal, o batom está para a mulher assim como a lâmpada para o abajur. Um sem o outro, não brilha.
Boa parte do tempo? Cabelo.
Não, não estou exagerando desta vez. Vire e mexe ela está falando sobre eles. Mais especificamente da incompatibilidade entre ambos. Portanto, quando um homem ouvir uma mulher confessando à
amiga que “a última progressiva foi há três meses”, ou que, “está louca para experimentar uma definitiva”, não precisa por chifre em cabeça de cavalo (ou de quem quer que seja). Na tradução do idioma feminino, isto significa enfeitar a cabeça sim, mas com técnicas que deixam os cabelos lisérrimos. Embora, lisas ou crespas; longas ou curtas; claras ou escuras, raramente uma mulher está satisfeita com suas madeixas e fala disto aos quatro ventos.
Regularmente? Roupa.
Quando, duas ou mais mulheres se encontram, por mais que conversa gire em torno de todos os assuntos possíveis, adivinha onde acabam parando? BINGO! Em trajes (leia-se aí: sapatos, bolsas e acessórios). O que usar e não usar em tal ocasião; o que combina ou não com o quê, os tons, as estampas, o estilo do momento... Estes fatores são de extrema relevância para a manutenção da autoestima feminina, o que, naturalmente, leva-as a colocá-los em pauta em todas as reuniõezinhas informais que tanto prezam.
Mais tempo do que gostariam? Homem.
Mulheres de bocas pintadas, cabelos impecáveis e figurinos irretocáveis não fariam sentido se não falassem em homem. Mais uma vez, não é exagero não! Nada de buscar “ismos” para o fato, pois isto nada tem a ver com feminismo ou machismo. É fato! E ponto final. Mais do que talvez gostariam, elas falam neles e deles.
Neles, quando buscam, idealizam, sonham. Deles, quando encontram, convivem, acordam.Neles, quando se apaixonam, namoram, acreditam. Deles, quando se decepcionam, terminam, desconfiam.
Pronto. Já posso terminar esta arenga, dizendo que toda mulher é fresca.
Calma! Não é o que você está pensando. Corra até o dicionário.
Fresca quer dizer agradável, suave, verdejante, viçosa, viva. Mulher é isto ou não é?!
Claro que somos!
Fresquíssimas com nossos batons, cabelos, roupas e homens.
Agora, senhores confessem: como seria a vida se não houvesse frescor? Hein?!

(Crônica do meu livro Na Sala de espera que será lançado no dia 11 de outubro)

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Fragmento de Na sala de espera




Sabe o que falei pra minha Vergonha há muito tempo atrás? “Se sou eu que pago o meu mico, não preciso me preocupar com os outros.” Desde então ela evita de vir soprar ameaças boicotadoras nos meus ouvidos e sequer cogita a possibilidade de sair comigo. Pra ser sincera, eu e a Vergonha cortamos relações.

(Da crônica Eu danço que está no meu livro)

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Na sala de espera



Nasci aparentemente normal, só depois resolvi que queria ser escritora.


SEMPRE gostei dos dias nublados, porém nunca havia parado para pensar o porquê da sensação de bem estar e tranquilidade que eles me causavam, simplesmente me sentia feliz.
Até que me peguei em devaneio num dia nebuloso e percebi que a diferença do dia sem sol e sem chuva, não é o que ele é, e sim o que ele não é.
Me acompanhe.
O dia ensolarado chama para a rua, para a atividade. O sol desencadeia um processo de ebulição da adrenalina que nos faz, literalmente, ferver. Se for verão, nos obriga a ir à praia, tomar banho de mar, tomar caipirinha, cerveja, sorvete... Mesmo que lá no fundo, no âmago de nossas vontades, desejemos mesmo é nos estirar numa rede e ler um bom livro. O sol vibra em sua energia e nos hipnotiza em seu poder. Uma loucura!
Por outro lado, num dia de chuva, toda a nossa energia vai se derramando gota a gota, até se perder completamente em forma de aguaceiro. A água que cai lá fora nos torna impotentes e servos de seu poder de nos trancafiar em casa. Aquele plano de sair na balada, correr na praia, visitar os amigos, ir às compras, visitar clientes, constantemente são adiados em nome da desanimadora chuva. Sua energia amorfa, literalmente, nos apaga. Uma nostalgia!
Já o dia nublado não causa furor nem apatia. A energia que ele emana é de calmaria espiritual e consensual das nossas vontades. Tenho a sensação de estar de folga e de poder escolher entre lagartear na rede, bater perna por aí ou trabalhar feliz.
Ele acalma a euforia proporcionada pelo sol e transforma a apatia causada pela chuva. É o caminho do meio. Uma tranquilidade!
Trazendo a influência climática para a vida prática, vivemos, ora em dias ensolarados (quando estamos alegres, cheios de energia, motivação, esperança, euforia); ora chuvosos (quando estamos tristes, desanimados, desesperados, deprimidos). Como estas alterações são mais constantes do que gostaríamos, é preciso saber lidar bem com elas. É aí que entram os dias nublados em nossas vidas.
Quando podemos apenas silenciar, ouvir a alma, conversar com o coração, acalmar as angustia, consolar a tristeza, encorajar o medo, motivar a coragem... Naturalmente e com tranquilidade.
Certa vez ouvi que os dias nublados são a sala de espera do mundo. Achei interessante.
Na vida, muitas vezes, necessitamos ficar um bom tempo na sala de espera para não fazermos exatamente nada. Apenas sentarmos e aguardarmos os acontecimentos, folheando as páginas vividas que já são velhas, mas precisam ser relidas, reavaliadas, renovadas. Descobrindo os segredos contidos nas páginas novas que estão sendo vividas. Projetando as matérias futuras de páginas que ainda estão por vir. E quando menos esperamos, uma nova história vai sendo escrita, sem euforia ou depressão.
Assim, entre dias de sol e de chuva dou-me o direito aos dias nublados, para sentar na sala de espera e folhear uma a uma, todas as minhas páginas, sem pressa.

(Esta crônica intitula o  livro que será lançado no dia 11/10/2011).



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