Você está triste hoje?



PERGUNTE a uma criança por que ela está triste. Irá ouvi-la contar que é por causa do brinquedo que não ganhou; ou porque a roda do skate quebrou; ou porque os coleguinhas não quiseram mudar a brincadeira e continuam jogando futebol; ou porque a melhor amiga resolveu substituí-la por outra. Ou, ou, ou...
Criança não fica triste à toa. Tem sempre um motivo.A criança entristece com causa e pode descrevê-la tim-tim por tim-tim para você.
Já o adulto entristece muitas vezes sem conhecer o motivo. Simplesmente acorda diferente naquela manhã e atravessa o resto do dia com a cortina fechada, cercado por uma penumbra nostálgica, quase dolorida. Passa o dia, às vezes dois, e até mais, trancafiado em seus aposentos íntimos sem vontade de convidar ninguém para dividir consigo a decoração down.
E quem disse que você precisa fazer uma festinha todos os dias?
Você é dono do direito de se recolher em si de vez em quando. De bater um papo com a tristeza e perguntar a ela por que veio se hospedar em você nestes dias.Deve ouvi-la com atenção. E quando ela lhe disser que você a convidou, pois bem sabe o quanto é indesejada e só vem se a chamarem, acredite! A tristeza não é muito íntima da mentira, pelo contrário, ela nunca usou disfarces, você é que teima em fantasiá-la muitas vezes, vestindo-a com a falsa alegria.
Curta o seu momento triste. Tome um chá de serenidade com biscoitos de sabedoria e converse – sem pressa – com a sua tristeza. Revele a ela por que a convidou, confesse cada detalhe que fez com que você lhe enviasse a passagem e escancarasse a porta para ela entrar. Permita-se descobrir que, ao conhecer a fundo a tristeza, ela já não parecerá tão feia e assustadora.
Não se surpreenda ao achá-la sábia. Não se espante ao considerá-la necessária – de tempo em tempo – para pôr a casa em ordem, depois dos vários dias em que a euforia habitou em você.
Após revelar-se à tristeza – mais do que ela a você – ficar triste já não lhe soará tão mal. Diminuirá o ímpeto de afogá-la em tratamentos. Desaparecerá a vontade de matá-la com remédios. Entristecer já não causará desespero. Passará a ser somente o desejo de não abrir as cortinas enquanto não quiser, com o direito que é seu.
O que não pode, de forma alguma, é deixá-la morar com você para sempre. Trate-a como uma boa visita que, quando menos se espera, já está de partida, sem qualquer promessa de retorno. Embora você saiba que ela voltará assim que receber o seu convite.
Você está triste hoje?
Aproveite! É um direito seu.
Prometo que não vou bater na sua porta ou espiar pela cortina.

(Crônica do meu livro Na sala de espera)

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