Tiques de poeta




Há esta mania do coração saltar pela boca
Da boca deixá-lo escapar
E falar à mão do ouvido.
Há este vício da mão revelar
O que a boca aberta
Deixou escapar do coração que saltou.

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Entendendo o amor


Amor não é troca de olhar.  Isto se chama paqueração.
Nem de sorriso. Isto se chama sedução.
Amor não é o primeiro beijo. Isto se chama atração.
Nem junção dos corpos. Isto se chama tesão.
Amor não é arrebatar-se. Isto se chama paixão.
Nem ansiar pelo outro. Isto se chama vinculação.
Amor de verdade é o que acontece depois que tudo isto acaba.

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As castanhas e a vida



Esperava pela minha vez de ser atendida numa empresa quando ele me abordou. Um senhor simples à primeira vista, e educado à segunda impressão. Cumprimentou-me gentilmente e ofereceu uma castanha-do-pará, ainda envolta pela casca dura e marrom.
Aceitei o mimo e ouvi com atenção a explicação entusiasmada sobre as qualidades proteicas da deliciosa semente que vinham (vejam só!) acondicionadas no próprio fruto. Uma espécie de porongo que poderia ser transformado em uma cuia para erva-mate ou em um objeto decorativo, conforme o meu desejo ou necessidade.
Não é o máximo?!
Este senhor ofereceu-me gratuitamente uma amostra do produto. Deu-me uma prova substanciosa que pude sentir primeiro em meus dedos, logo após degustar  e, ainda, me deu a opção de criar uma cuia personalizada!
Adivinhem se comprei o fruto da castanheira? Lógico que sim. Eu e todas as outras pessoas que deram chance àquele homem apaixonado de provar o gosto da paixão pelo que faz.
Não há nada de excepcional nisto, pode-se pensar. É tão simples, tão óbvio e palpável o que aquele homem fez. Concordo com isto, e vou ainda mais longe, a simplicidade e a naturalidade estão fazendo muita falta neste mundo. A estratégia intimista utilizada pelo homem simples para despertar o desejo pelas suas castanhas deveria ser aplicada em todos os campos que povoam a nossa vida. Talvez assim, não ocorressem tantos erros, enganos e decepções.
 “Olha, estou aqui, querendo que você me queira, desejando que você me tome para você. Então, vou lhe mostrar o quanto posso somar em sua vida. As proteínas do meu coração proporcionarão energia e vitalidade para encarar todas as atividades do dia a dia. Estar comigo vai lhe garantir um abastecimento inesgotável de amor, cumplicidade e respeito. Além do que, você poderá me utilizar como companhia em todos os lugares que desejar estar ou conhecer. Estarei sempre junto para o que der e vier proporcionando muita alegria e felicidade, e dividindo o peso de cada tristeza ou dor que tiver que carregar. Experimente-me!”
Não seria o máximo?!
Pessoas se oferecendo com paixão. Provando o teor de sua honestidade e convencendo, encantadoramente, que ficar com elas é um ótimo negócio.
Afinal, morremos de medo de apostar naquilo que não conhecemos. Sentimos arrepio só em pensar em confiar e depois descobrir que era uma farsa. Sofremos por antecipação em nos permitirmos amar o que nunca vimos por dentro. Se pelo menos pudéssemos experimentar, provar, sentir para depois decidir...
 “Parece bom... Não, obrigada! Não estou precisando. Não sei...tô em dúvida. Hoje não, passe no ano que vem. Sai muito caro! Será que é isto tudo? Sei não...”
Certamente haveria muita propaganda enganosa, mas, sem dúvida, chegaria o dia em que você se encantaria tanto com a forma do “produto” se expor, que agiria exatamente como fiz com a castanha. “Amei! Vou levar!”

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Quando um vampiro sorriu para mim


           
Fazia um calor danado. A banda tocava em ritmo alucinante anestesiando os corpos suados. Pessoas (muitas das quais eu nunca havia visto na vida) supriam a vazão de líquido ingerindo cerveja morna devido ao adiantado da hora. O clube que acolhia a eletrizante noite fora construído às margens do rio que corta a cidade. Resolvi, então, me afastar do clima escaldante que invadia o salão para tomar ar fresco, vindo do rio, na varanda.
Apoiada no parapeito, enquanto tentava desvendar o leito de água corrente que fora encoberto pelas árvores, avistei alguns corpos coreografando na escuridão o movimento letárgico dos amantes. Tratei de me virar para não invadir a privacidade que ali se escancarava e, foi, então, que o avistei.
Sentado junto à parede de tijolos aparentes, atrás da pequena mesa, me chamou imediatamente a atenção devido ao porte atlético. De onde eu estava só conseguia ver o tórax ( envolto numa baby look preta) e os braços , mas a amostra já sugeria o conteúdo. Tinha os cabelos  escuros  esculpidos  em um corte bem aparado ao estilo masculino arrematado por costeletas grossas que desciam paralelas às orelhas. E, até então, não havia olhado para mim
Permaneci por alguns minutos apreciando o “panorama”, disfarçada pela meia luz que ali havia. Seu olhar singrava muito além daquela sacada e me peguei tentando adivinhar por onde aquela mente viajava , o que aquele coração ansiava e por que estava ali sozinho, longe das almas embriagadas que se esvaiam no salão... Então ele se mexeu.
Baixei os olhos tentando me esconder (como um gatuno flagrado na hora do furto) e mirei disfarçadamente suas mãos. Os dedos moviam-se sobre a mesa acompanhando o ritmo abafado que fugia pelas janelas, tocando um piano invisível com unhas estranhamente compridas. Afastei o olhar por impulso, porém, a curiosidade que me acompanha desde o dia em que nasci forçou-me a encará-lo. E, como constatei, ele encarava a mim.
Custei a definir a cor daquele olhar, era diferente de tudo o que já havia me mirado. Longe de ser frio, era um olhar penetrante que ele lançava, e quente. Tão quente que me dei conta de que seus olhos eram vermelhos, exatamente como  o efeito causado pelo flash em fotografias. Não sei definir a sensação que me possuiu naquele instante, mas tive  certeza de que a minha imagem o divertiu , pois ele sorriu para mim.
Achava que todos os sobressaltos já haviam me acometido naquela busca de ar fresco ,quando aquilo que deveria ser um simples sorriso descortinou-se numa saudação digna do Conde Drácula. A alvura do branco não amenizava a desproporção dos pequenos dentes sustentados por dois enormes e assombrosos caninos, que ameaçavam saborear o meu pescoço a qualquer momento. Sem tempo para um autógrafo fugi descabeladamente para dentro do caldeirão que fervilhava cantando: “Vou beijar-te agora não me leve a mal, hoje é carnaval...”
Por inconsistência de fatos não posso afirmar se testemunhei a fantasia mais original  de todos os carnavais que brinquei na minha vida,ou se paquerei pecaminosamente um legítimo conde das trevas.
Concedo aos leitores a liberdade de assinarem a dedução que lhes for mais cabível para esta história, mas dou-lhes minha palavra de que ela é tão verdadeira quanto o rio que troca de cores, e serviu de cenário naquela noite em que um vampiro sorriu para mim.

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No carnaval que passou




Talvez devesse ter rasgado o decote
Purpurinado os olhos
Avermelhado os lábios
Arrematado os cabelos com pluma
Num exibido coque.
Ter relembrado as marchas
Aprendido novos sambas
Novos passos
Equilibrado nos saltos
Num exibido porte.
Desfilado o coração na avenida
Na rua de casa
Na calçada da esquina
Em frente à TV
Em cima do colchão.
Quem sabe ter virado o copo
Engolido os medos
Embriagado as dores
Vomitado os desamores
Ter ressaca de paixão.
Talvez devesse ter brincado o carnaval
E dormido sobre as cinzas.

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O efeito estufa e a menopausa



MINHA amiga liga na primeira hora da manhã e, com voz ofegante de quem acabara de exercer uma faxina completa, me revela: “Vou ao médico hoje à tarde, acho que estou entrando na menopausa... precoce é claro! Estou me esvaindo em suor!”
“Estás sentindo o mesmo calor que eu?” A vizinha me interpela na rua, abanando o leque com gravuras japonesas. Caminhamos até o supermercado falando sobre nossa quentura mútua, com o sol cozinhando-nos. Duas marias em banho de suor.
Ao meio-dia, a porta se escancara deixando entrar uma rajada, que eu adoraria ser de vento. É o meu filho que invade a cozinha na volta da escola com o calor rasgando-lhe o uniforme para consumir a carne. “Tô fritando! Vou direto para o banho!”
Algumas horas mais tarde, um lampejo invade o meu pensamento. Algo tornara diferente a rotina daquele dia. Vasculhando as linhas dos acontecimentos do meu diário, percebo que Yugi (o meu cão chinês) não está inserido em nenhum deles. O que é de estranhar, pois, se todos possuem uma sombra, digo que tenho duas, a outra é ele, que não me perde de vista.
Chamei-o várias vezes antes dele se apresentar a mim arrastando seus 7,5 quilos sobre as patas  trôpegas e sujas de uma substância escura que reconheço como sendo a areia que fica abaixo da
grama, a qual ele cavoucou transformando um buraco numa casa fresca e úmida.
“Não se preocupe.” Tranquilizou o veterinário. “Os animais sofrem com o calor tanto quanto os humanos.”
E a minha amiga angustiada achando que estava entrando na menopausa!
De noite mergulho na água gelada da banheira e diante do acontecimento inédito (nunca antes havia ignorado a torneira de água quente), me remeto ao passado tentando lembrar a última onda de calor intenso. Não sei se por lapso de memória ou pela inexistência do fato, não encontro registros da incidência de temperaturas tão elevadas nos verões passados, pelo menos não ininterruptamente, como vem acontecendo.
Neste mesmo dia, li um manifesto acalorado de um escritor à beira de uma evaporação instantânea. “Não estamos sós!” Foi o que pensei. O resto do país também deve estar sentido os efeitos. Estufa? CO2? Aquecimento global? Camada de ozônio?
Respondi ao escritor mineiro, tranquilizando-o, uma vez que aqui no Sul estamos submergidos na mesma panela de pressão, e regozijando-me por constatar que os homens sofrem com o calor tanto quanto as mulheres.
E a minha amiga pensando em menopausa!
Mergulhei a cabeça na água gelada da banheira e prendi a respiração: “Será que a humanidade caminha para um futuro tórrido e árido conforme anteviram os cineastas dos filmes de ficção?”Emergi instantaneamente afogando o mau pensamento.
Yugi late lá fora. Meu filho invade o banheiro com o telefone na mão. A voz da minha amiga pula feliz do telefone para escorregar no meu ouvido: “O médico disse que as mulheres sofrem com o calor tanto quanto os homens e os animais”. E completa aliviada: “E eu achando que estava na menopausa!”

(Do meu livro Na sala de espera.)

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Acontecimento “bundástico”


Além dos fatores naturais que me deslumbram a cada dia pela beleza que possuem (o mar sob o sol ou sob  a lua, o céu em suas nuances surpreendentes, os gatos que espiam com olhos de farol sobre o muro...) nada  muito admirável estava acontecendo, que viesse  agitar a rotina mórbida do meu verão sem férias. Até outro dia, quando algo aconteceu.
Caminhava pelo perímetro urbano que utilizo para praticar minha maratona diária, quando, de repente, fui surpreendida por uma enorme e saliente bunda se escancarando toda num outdoor à minha frente. Passado os primeiros segundos de susto, joguei a cabeça um pouco para trás e pude perceber que a bunda tinha um corpo e, sustentada sobre ele, uma cabeça.
Como péssima fisionomista que sou, no primeiro momento não consegui identificar quem era a dona daquele apetrecho exagerado que, a meu ver, estava no lugar errado. A palavra antiquada não combina nem um pouco comigo, mas confesso que achei, no mínimo, deselegante ter uma enorme bunda, praticamente nua, escancarada na esquina do meu bairro. Num segundo momento, soube que se tratava do troféu da Mulher Melancia que estaria se apresentado por aqui.
Como se não bastasse perder o norte por causa da bunda, perdi o sul tentando descobrir qual o nome que se dá para quem faz show de bunda. Bundora? Porque cantora ela não é. Bundista? Artista muito menos... Em meio a este devaneio quase fui atropelada e ainda tive que me justificar com o motorista:
– Desculpe! É culpa da bunda!
Voltei pra casa com a bunda na cabeça.
No dia seguinte já a havia esquecido, até que (desta vez de carro) dou de cara novamente com ela.  De tão voluptuosa, a impressão que tinha é que (como uma vizinha bem educada)  deveria cumprimentá-la.
– Bom dia dona Bunda!
Mas ao chegar mais perto vi que a bunda já não era mais a mesma. Sobre ela, de uma extremidade a outra, havia uma mancha marrom que me lembrou a “inheca” nojenta, que todo mundo conhece e é muito próxima destas redondezas. Tive a certeza de que eu não era a única que desaprovava um monumento “bundástico” na esquina do meu bairro.
Desta vez voltei para casa com a bunda suja na cabeça.
No terceiro dia de vizinhança tumultuada fui caminhar no trajeto de sempre e lá (na esquina), adivinhe quem me esperava? Bunda. A mim e ao meu senso de educação bairrista.
– Bom dia Bumbum! – já estávamos ficando íntimas.  
Arreganhada na esquina, Bumbum estava surpreendentemente limpa! A “inheca” marrom tinha sumido completamente e ela voltara ao normal. Alguém havia restaurado o monumento.
Caminhei novamente com a bunda na cabeça, mas desta vez tomei cuidado para não ser atropelada.
No quarto dia, já pronta para o cumprimento diário, me deparo com a bunda vizinha suja de novo.
Definitivamente, eu não era a única que não tirava a bunda da cabeça. Alguém com mais convicção e atitude estava assinando o tratado de expulsão da monumental inquilina da esquina incansavelmente.
– Desculpe Bumbum, mas tenho que concordar com eles, você não é bem-vinda aqui.
E foi deste jeito, de uma forma espantosa que vi a liberdade de expressão ser delimitada pela liberdade de permissão. Pela primeira vez, sem balburdia, baixaria ou briga, vi o bom senso ser ouvido e respeitado. Com determinação, persistência e “inheca” marrom, Bunda foi banida.
Assim, além das belezas da natureza testemunhei algo admirável neste verão.
Mulher Melancia continuou lá, só que desta vez bem vestida em um tubinho preto. E como toda vizinha que se preze... Entre um cumprimento e outro, não consegui segurar:
– Bom dia! A título de esclarecimento, você é bundora, bundista ou bundarina?

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Opacos e transparentes



Para mim, sempre existiu dois tipos de pessoas: as transparentes e as opacas, e (suspeito que por herança genética) desde pequena escolhi fazer parte do primeiro grupo. A mim sempre coube escancarar pensamentos e atitudes sem medo de que os “alguéns” ou os “outros” pudessem discordar e, com isto, se chocar.
Sabe aquelas pessoas que nos primeiros minutos da conversa você consegue enxergar a alma e o coração como se fossem o bolso e os botões da camisa? Adoro pessoas assim! E, sem querer querendo, (como diria Chaves, o imortal) vou mergulhando em seus mundos cristalinos e não quero mais sair.
O tempo (e os opacos) já cansou de me alertar que se andar por aí desnuda numa sociedade tão bem vestida de disfarces, conveniências e subordinações é puro risco. Sei disso.  Quem, em sua insana transparência, já não sentiu na pele a ardência do açoite dos indignados, dos horrorizados, dos escandalizados? Quem, em sua estranha mania de falar o que sente e pensa, não sentiu o fio da navalha dos puritanos, dos partidaristas, dos classistas? Quem, na nudez audaciosa da alma, não sangrou por palavras ditas, por ações cometidas, por pensamentos rebeldes revelados?
Todos! Sem exceção! Qualquer “alguém” que tenta ser, dizer e viver o que realmente é, sabe o risco que corre; conhece o perigo que o rodeia; sabe a coragem que necessita.
Mas,.... e daí? Quer dizer então que temos todos que passar para turminha dos camuflados, mascarados, disfarçados?! Imagina se alguém tivesse dado este alerta a Jesus, o Cristo?!
(Pelo amor do pai!)...Não estou querendo dizer que todas as pessoas verdadeiras e auspiciosas que conheço sejam tal e qual o filho de Maria. Estou apenas querendo ilustrar que caras como Ele são raros, simplesmente porque a maioria de nós recua diante de um olhar repreensivo, uma opinião castradora, uma cara feia. A maioria dos seres prefere ser como todo mundo e treme de medo de ser o que realmente é.
Imagine um de nós subindo num monte e gritando para defender uma ideologia totalmente fora do contexto permitido... Sanatório na certa! Pois, o Cara foi lá e fez! Por isso Ele é o que é!
Mas, voltando aqui para os dias de hoje, e para o interlúdio sobre “ser ou não ser”, peguei a filosofia do finado Shakespeare e criei a minha fórmula de pensar: “nem oito, nem oitenta”.
Assim: posso não fazer tudo o que quero; posso não dizer (nem escrever) tudo o que penso, mas “jamé” farei o que os “alguéns” querem que eu faça, ou direi (nem escreverei) o que “os outros” querem que eu diga. Sou o que sou no que faço e no que escrevo, sem medo. Eis a questão!
Escrever e por a culpa na amiga, na prima, na vizinha? Esta não sou eu! É coisa de gente opaca! Feliz (ou infelizmente) eu sou transparente.
Portanto, a escolha é sua: me leia ou me deixe!

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