O efeito estufa e a menopausa



MINHA amiga liga na primeira hora da manhã e, com voz ofegante de quem acabara de exercer uma faxina completa, me revela: “Vou ao médico hoje à tarde, acho que estou entrando na menopausa... precoce é claro! Estou me esvaindo em suor!”
“Estás sentindo o mesmo calor que eu?” A vizinha me interpela na rua, abanando o leque com gravuras japonesas. Caminhamos até o supermercado falando sobre nossa quentura mútua, com o sol cozinhando-nos. Duas marias em banho de suor.
Ao meio-dia, a porta se escancara deixando entrar uma rajada, que eu adoraria ser de vento. É o meu filho que invade a cozinha na volta da escola com o calor rasgando-lhe o uniforme para consumir a carne. “Tô fritando! Vou direto para o banho!”
Algumas horas mais tarde, um lampejo invade o meu pensamento. Algo tornara diferente a rotina daquele dia. Vasculhando as linhas dos acontecimentos do meu diário, percebo que Yugi (o meu cão chinês) não está inserido em nenhum deles. O que é de estranhar, pois, se todos possuem uma sombra, digo que tenho duas, a outra é ele, que não me perde de vista.
Chamei-o várias vezes antes dele se apresentar a mim arrastando seus 7,5 quilos sobre as patas  trôpegas e sujas de uma substância escura que reconheço como sendo a areia que fica abaixo da
grama, a qual ele cavoucou transformando um buraco numa casa fresca e úmida.
“Não se preocupe.” Tranquilizou o veterinário. “Os animais sofrem com o calor tanto quanto os humanos.”
E a minha amiga angustiada achando que estava entrando na menopausa!
De noite mergulho na água gelada da banheira e diante do acontecimento inédito (nunca antes havia ignorado a torneira de água quente), me remeto ao passado tentando lembrar a última onda de calor intenso. Não sei se por lapso de memória ou pela inexistência do fato, não encontro registros da incidência de temperaturas tão elevadas nos verões passados, pelo menos não ininterruptamente, como vem acontecendo.
Neste mesmo dia, li um manifesto acalorado de um escritor à beira de uma evaporação instantânea. “Não estamos sós!” Foi o que pensei. O resto do país também deve estar sentido os efeitos. Estufa? CO2? Aquecimento global? Camada de ozônio?
Respondi ao escritor mineiro, tranquilizando-o, uma vez que aqui no Sul estamos submergidos na mesma panela de pressão, e regozijando-me por constatar que os homens sofrem com o calor tanto quanto as mulheres.
E a minha amiga pensando em menopausa!
Mergulhei a cabeça na água gelada da banheira e prendi a respiração: “Será que a humanidade caminha para um futuro tórrido e árido conforme anteviram os cineastas dos filmes de ficção?”Emergi instantaneamente afogando o mau pensamento.
Yugi late lá fora. Meu filho invade o banheiro com o telefone na mão. A voz da minha amiga pula feliz do telefone para escorregar no meu ouvido: “O médico disse que as mulheres sofrem com o calor tanto quanto os homens e os animais”. E completa aliviada: “E eu achando que estava na menopausa!”

(Do meu livro Na sala de espera.)

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