Sou do tipo que vai pra rua


Só percebi o quanto esta frase tem sentido literal em minha vida, após escrevê-la. Embora nascida, criada e educada num lugar simples, pacato e naturalmente tímido, os genes da ousadia mantiveram seu espaço dentro de mim. Não que ter ousadia seja algo excepcional, pelo contrário. É, antes de tudo, um risco. Com todas as probabilidades e improbabilidades que permeiam os ousados, você pode se dar muito bem, ou muito mal.
Mas esta nunca foi uma preocupação. Instintivamente, e pelas dicas de minha mãe, sempre tive a certeza de que, se fizesse com o coração sem vaidade ou egoísmo, bem ou mal, o resultado seria bom.
A primeira vez em que fui pra rua em uma manifestação coletiva, foi no desfile patriótico de sete de setembro. Confesso que todas as vezes que tal ato se repetiu, foi por mera imposição. Não encontrava sentido naquela marcha altiva e sisuda que fazia uma garotinha de pernas finas e cabeça de vento, sentir-se ridícula.
Depois disso, fui pra rua pela seleção brasileira. Em cada uma das tantas vezes, eu sabia que aquele manifesto não passava de pura paixão competitiva. E que, independentemente do número de títulos mundiais da seleção, nada mudaria na minha vida. A não ser as minhas próprias vitórias, ou derrotas.
Mais tarde fui pra rua pelos movimentos estudantis. Esses sim considerava serem de extrema importância para o meu desenvolvimento pessoal. Mais precisamente para a faceta revolucionária da minha personalidade acadêmica.  Gritei pela greve, soprei apito, envolvi meus cabelos com faixa, lutei pelos meus direitos. Tudo isso, é claro, arrematado pela sonzeira da bandinha de rock da “facul”.
Depois, passei a ir pra rua reivindicar mudanças políticas e, automaticamente, sociais para o meu país. Tudo começou quando pintei a cara pelo impeachment do Collor e tomei consciência da importância da minha posição de “povo,” e do quanto poderia e deveria utilizar-me dela para moralizar a sociedade em que vivo.
Fui pra rua pelo aumento da passagem de ônibus. Não dependo de ônibus para me locomover, mas não ficaria em casa vendo milhões de pessoas serem lesadas por uma medida interesseira e incabível.
Fui pra rua no dia 15 de março de 2015. Desta vez por estar me sentindo gravemente prejudicada pelo sistema político e, automaticamente, social do país. Mas, diferentemente da época em que fui “cara pintada”, desta vez eu me senti julgada, ameaçada e, até, condenada. Inacreditavelmente pelos apoiadores do atual governo. Os mesmos que foram os maiores incitadores das manifestações populares no Brasil.
Fui incluída numa tal de “elite branca”, da qual não faço a mínima ideia do que seja, mas me remete asquerosamente à postura de um senhor alemão que usava um bigodinho ridículo. 
A menos que ser artista e ter de me expor, e ao meu trabalho, incansavelmente tenha virado rotina burguesa. Neste caso, deveriam, então, depositar alguns milhões em minha conta bancária, junto com a hierarquia do título a que me nomearam.
Enquanto tanto se discursa sobre homogeneidade racial e de direitos, vejo a raça branca sendo alvo de um preconceito infundado e absurdo. Sou branca, mas não sou milionária. Não fui pra rua em busca de cargo de confiança. Não fui pra rua para defender a mordomia que não tenho. 
Incluíram-me também no time dos despeitados do Aécio, o senhor que perdeu as eleições para a presidência do país. A mim, que nunca defendi qualquer sigla política, pois luto por uma ideologia que está muito além da ideologia de qualquer partido político brasileiro.
Fui pra rua pela roubalheira escancarada dos governantes. Fui pra rua pelo desfalque da Petrobrás. Fui pra rua pelo preço da gasolina. Fui pra rua pela pobreza da nossa educação, pela pobreza da nossa saúde, pela pobreza da nossa cultura. 
Fui pra rua porque pensei estar vivendo num regime democrático. Mas, espantosamente, me senti acuada, rechaçada, ridicularizada. Vi uma democracia fajuta dividir o povo em duas correntes opostas de uma engrenagem emperrada. De um lado, a esquerda que já foi direita. Do outro, a direita que já foi esquerda. De um lado, os vermelhos.  De outro, os amarelos.
Fui pra rua sem partido. Vesti uma blusa verde, pus um lenço amarelo na cabeça. Ao meu lado, pessoas vestiam camisetas da seleção brasileira e, por conta disso, também foram criticadas, julgadas, condenadas: “Elite branca com a camiseta da seleção!” A que ponto chegamos? Cadê a noção?
Vi a ignorância dando risada. Tantos milhões imbecilizados! O povo que não é unido já está vencido. Vi um país dividido.
Lá em cima, sobre o poderio de nossas vidas, vejo deuses. Senhores indestrutíveis  manipulando nossos destinos. Controlando números, desviando quantias, taxando produtos, enchendo os bolsos, os cofres, as contas. 
Aqui embaixo, vejo gente. Pessoas pobres, doentes, sem instrução, pagando aos deuses, os altos custos de viver.
Não há partido político que desminta isso! Não há presidente, ex-presidente ou “quase-presidente” que encubra essa situação! Não há quem prove que vai tudo bem com a nação! Vai tudo muito mal! O pior cego é o que finge não ver.
E é por isso, somente por isso, que eu sempre irei pra rua.

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