Confesso que já morri



FOI embaixo da cama. Resolvi morrer de tristeza onde ninguém pudesse me encontrar. Tinha cinco anos e acabara de ver meu irmão mais velho partir com sua enorme mala para longe de mim. Depois morri de saudade. E aos poucos, fui descobrindo que iria morrer muitas e muitas vezes durante a minha vida.
Já morri de vergonha da diferença de 10 a 15 centímetros de altura que me faziam destoar das minhas amigas. Das minhas pernas finas. E, inesquecivelmente, de ter me estatelado no chão na hora do recreio, bem na frente do menino que era dono do meu coração.
Um pouco depois quase morri de inveja de uma colega que foi passar as férias na Disney, enquanto eu ficava em casa assistindo Sessão da Tarde e me empanturrando de Chips e bombom. Terminei de morrer quando ela voltou contando detalhes da viagem, agarrada numa Minnie e num Mickey legítimos.
Perdi a conta das vezes em que morri de raiva e depois ressuscitei para morrer de arrependimento. Quantas vezes eu fui enterrada por morrer de dor? Por morrer de medo? Por morrer de tédio? Por quantas vezes o meu coração parou e a autopsia comprovou que eu morrera de amor? Em quantas vezes ele descompassou me fazendo morrer de felicidade?
Não faço a menor idéia. Mas posso lembrar que renasci todas as vezes. Embora depois de cada funeral eu já não fosse a mesma. Reencarnara no mesmo corpo, mas o meu olhar era diferente. A minha mente fora estendida. O meu coração ficara mais forte para enfrentar outras mortes.
Em algumas cheguei a pensar que não iria mais viver, noutras achei que pararia de morrer. Finalmente compreendi que morrerei muitas vezes, enquanto teimar em viver.

(Do meu livro Na Sala de Espera.)

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