Verão brasileirês


 
FALTANDO praticamente dois meses para a formal entrada do verão, o calor chega na frente antecipando as atividades típicas de quem mora próximo ao mar.
– Que calorão!
Esquece-se momentaneamente (ou inteiramente) a poluição que bóia nas águas e parte-se para as praias.
– Que maravilha!
Basta seguir pelas vias que dão acesso aos balneários para sentir a brisa fresca batendo na face afogueada feito tapinhas de luvas tiradas do freezer.
– Que delícia!
Uma moto apressada ultrapassa-me numa velocidade desmedida. Sobre ela um herói incógnito arrisca vidas (a sua e a dos outros), munido apenas de um poderoso capacete. A cena remete-me, instantaneamente, a lenda da mula sem cabeça... A mula voa para longe de mim de capacete, bermuda e o resto nu. Por onde anda a polícia? Você viu algum daqueles senhores de farda por aí? Será que chegaram primeiro nas praias e já estão a lagartear sob o sol?
– Que beleza!
Quase beijei a traseira do carro da frente. Não que seja meu tipo. Modelo 88-89, série prata enferrujada, sinaleiras queimadas... O automóvel senil não conseguiu avisar-me que iria parar abruptamente sobre a pista e quase que eu me agarro inteira no seu capô descascado.
Avistou algum policial por aí? A coisa está, literalmente, fervendo e ainda estou longe da praia.
– Que refrescante!
Fila indiana sobre o asfalto. Acidente? Apenas um mero “congestionamentozinho” na entrada do parque aquático. Assisto a água fresca esguichando lá fora, enquanto asso no meu forno de quatro rodas. Só não vejo a luz das viaturas. Será que Deus assumiu o posto e mandou a corporação inteira curtir uma pelada na areia? É melhor crer que sim!
– Enfim, praia!
Areia branquinha enfeitada de guarda-sóis coloridos, de cachorros marrons, brancos, pretos...
– Que paradisíaco!
Crianças correndo, carros correndo, motos correndo, mulas de cabeça voando na beira-mar.
– Que mágico!
Caranguejo resolve morar na latinha de cerveja abandonada. Papa-terra abocanha uma deliciosa embalagem do picolé recém-lançado.
– Que maneiro!
O mar não consegue controlar as próprias ondas. Umas querem rebolar ao som do funk carioca, enquanto outras preferem sacolejar ao ritmo do sertanejo universitário. A guerra praiana de alto-falantes deixou até o quero-quero pirado. Precisou ser internado!
Pra resumir, no brasileirês legítimo, em seu horário adiantado o verão vem bater nas portas. Porém, na correria para encontrar a esteira poeirenta, o guarda sol enferrujado, o bronzeador vencido, o biquíni desbotado, o calção mofado...Muita gente esquece o bom senso e a educação em casa. E pra piorar...
– CADÊ A POLÍCIA?!!!!!
Será que estão vestindo uma sunga oficial? Eu é que não vou procurar o distintivo.

(Do meu livro Na Sala de Espera.)

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