De mulher para homem numa mesa de bar


JÁ registrei o meu pedido ao universo de que na próxima encarnação quero vir homem. Quando verbalizo este desejo que há muito deixou de ser íntimo, algumas pessoas arregalam os olhos e me encaram com um olhar inquisidor de quem não entendeu direito aonde eu quero chegar.
Admito que ser mulher é uma coisa ímpar no que se refere às possibilidades maternas, à própria sensualidade, à percepção aguçada, à sensibilidade aflorada, enfim ,vir mulher foi muito legal. De forma que nem quero ficar aqui citando a parte que me incomoda como integrante deste sexo.
Meu objetivo na verdade é discorrer sobre a parte que admiro nos homens e que faz com que eu deseje trocar de sexo na minha próxima existência.
Existe uma coisa no sexo masculino que por mais que as mulheres jurassem num pacto de sangue serem iguais, acabariam cortando-se à toa. Há uma coisa no clã masculino que aprecio e acredito piamente que seja um toque exclusivo dos machos: a cumplicidade.
Os homens são cúmplices uns dos outros mesmo não sendo grandes amigos. Mesmo tendo se cruzado por acaso numa única noite num bar qualquer. Não me refiro a uma cumplicidade malandra que encoberta as proezas uns dos outros. Refiro- me a cumplicidade da alma. Esta alma livre que os homens possuem, a qual me causa inveja.
Quantas mulheres neste mundo de meu Deus permitem-se, após as extenuantes oito horas de trabalho, entrar num bar de esquina para curtir um “happy hour” com a turma? Quem dentre as próprias integrantes do meu sexo consideraria normal descarregar toda a tensão do dia numa roda prosaica de seres com os mesmos anseios da alma, num bar de esquina? Só homens o fazem.
Tiro o chapéu para os homens. Não os que objetivam embebedar os sentidos a ponto de perderem a razão. Mas os que num bate-papo descompromissado, numa cantoria improvisada, numa partida de sinuca, lavam suas almas e espantam suas dores, seus medos, sem alarde.
Respeito os homens pela displicência com que encaram as vidas que não são suas. A forma como se permitem o regalo de uma roda de conversa sem se preocuparem se um ou outro não está vestido de acordo com a ocasião. A indiferença com que observam que este ou aquele engordou ou emagreceu e a impassibilidade com que lidam com a quantidade de rugas que fulano ou cicrano adquiriu em seu tempo de existência. Admiro por isto, a alma masculina.
E invejo a cumplicidade que se consagra nestes templários de esquina no final de tarde, no prenúncio da noite. Onde vozes veladas descortinam segredos irreveláveis. Olho sorrateira pelas portas abertas de luzes acesas, e quase sou capaz de ouvir os queixumes das almas dos homens que ali estão. Quem dera poder postar-me a ouvir as inúmeras histórias... Mas não posso.
Aguardo então, para a próxima existência, o momento em que eu possa escrever ao anoitecer sobre uma mesa capenga em meio aos amigos, num bar, de uma esquina qualquer.

(Crônica do meu livro Na sala de espera.)

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