Qual é a tua?


 Lá do alto do fio, o pardal me olha nos olhos e pergunta:
-Qual é a tua?
Devolvo a ele o olhar desafiador e a pergunta:
- Qual é a tua?
O bichinho emplumado vira-se de costas e com a precisão de exímio equilibrista remexe as asas curtas e poderosas e sai voando contra o sol, deixando sua resposta evaporando-se no ar: “A minha é voar”.
Estas paradas que acontecem tipo, você achar que um bicho consegue ler seus pensamentos e enviar-lhe a mensagem subliminar que tanto aguardava, é brincadeira da mente para provar que você não precisa estar lúcido o tempo inteiro para ser normal. Pode naturalmente “viajar” de vez em quando, sem ser louco.
Bom, é bem verdade que naquele dia eu e o pardal nos permitimos uma loucurinha básica, mas que a mensagem veio a mim escancarada, veio.
 “O negócio do pardal é voar”. Claro, os seres animais são movidos pelo instinto, além do que nascem todos iguais, vivem todos da mesma maneira e morrem igualmente.
Nada de crise, entende? Nada de questionamentos do tipo: Será que continuo vivendo na Pardalândia ou me mudo para a Colônia Beija Flor? Será que continuo subsistindo por estas árvores da pracinha ou me aventuro a viver entre as matas da Amazônia? Será que guardo está grana para pagar o tratamento ortodôntico do Pardalzinho Junior? Será que faço um empréstimo para reformar minha casinha de madeira ou como os cupins antes que eles a comam completamente? Não há estresse na vida dos bichos! (Mesmo que alguns doutores de animais às vezes o diagnostiquem).
Então, naquele instante de conversação telepática com o pardal, percebi que algo tem saído errado no mundo hominal.
Nascemos todos diferentes, isto é fato e é bacana. Vivemos todos de forma diferente e isto é legal também. Só existe um pequeno equívoco. Ouvimos dizer - desde simples embriões dormindo no ventre das mamães corujas (sem penas) - que o objetivo de toda humanidade é unicamente ser feliz. Como se a felicidade fosse um produto a venda em qualquer lugar por qualquer valor.
Assim saímos com nossas pernas, braços, corpo e mente insana a perseguir a tal felicidade.  Porque à medida que vamos crescendo, vamos nos dando conta de que ela não se encontra no boteco do Seu Joaquim e nem no hipermercado da capital. A felicidade, esta coisa que sussurraram em nossos ouvidos como um mantra divino é uma coisinha danada de rara. E, pra piorar, danada de cara!
Não existe felicidade de graça, meus caros. Sem casa própria, carro do ano, viagens ao mundo, dinheiro no banco, namorado rico... Sem o resto todo que você certamente já sabe, dizem que não dá pra ser feliz.
E sabe qual é a má notícia? A gente acredita!
Então, corre-se ainda mais rápido e desarvoradamente sem saber ao certo onde precisa chegar.
Ao ver o pardal flutuando sobre o fio de eletricidade em cima do meu jardim, senti uma inveja (branca) de sua condição de ser aquilo que é e viver do jeito que sabe, sem encucações. Quando o vi se afastar em seu vôo displicente, desejei poder fazer o mesmo. Não ter nascido com asas no lugar dos braços, apenas trilhar o caminho que me cabe com a mesma displicência e liberdade, sem ter que me preocupar em “pousar” junto a tal felicidade.
Quer um boa noticia? Então copie a resposta completa que o passarinho deixou escrito no céu antes que ela evapore: “Ninguém está aqui para ser feliz. Todos (por favor, inclua-se nesta) estão aqui para seguir numa caminhada. Ser feliz e felicidade são sensações momentâneas que você poderá experimentar neste percurso, e não o ponto de chegada. O caminho é muito mais interessante do que o fim. Observe-o.”
Fala a verdade? Assim não fica mais fácil entender a vida? Não nos torna mais normais, humanos e, ironicamente, felizes?! A mim faz. Ao meu inquilino pardal, certamente também.
Mas agora com licença, pois o meu gato acabou de entrar e está me olhando com cara de “Qual é a tua.” E vou ter que parar por aqui, para poder explicar a ele que a minha é, simplesmente, viver.
(Crônica premiada em 3º lugar no concurso da Academia Criciumense de Letras - 2011).

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