Sem rodinhas




“Ela continua desorganizada como sempre.” Começou a me contar, com esta frase, a visita a uma amiga em comum que não vejo há muito tempo. E, no desenrolar do relato, fiquei sabendo que nossa amiga desorganizada da adolescência, não só vive muitíssimo feliz em sua residência cheia de filhos, enteados, bichos, (pó), como conhece boa parte do mundo.
Tá certo que conserva até hoje o estilo “mochileira”, mas desta forma (de mochila) já visitou toda a Europa e boa parte dos Estados Unidos.
Mirei o chão, enquanto ouvia minha amiga contar sobre a nossa amiga que mantém o reboco das paredes da casa descascado; a pia cheia de louça (suja); o chão cheio de vestígios do último café da manhã (ou do penúltimo?), e enxerguei a grande e velha pedra dos caminhos:  APARÊNCIA.
Automaticamente, imperceptivelmente, inconscientemente...sei lá, juntamos paradigmas pela vida (feito pedras), os guardamos na mente (feito bolso), e seguimos pesados de tantos padrões.
Achamos que o cara de terno e gravata é mais feliz do que o cara de camiseta e boné, como se gravata e terno fossem garantia de alguma coisa (não é a toa que os maiores golpistas vestem terno!). Contudo, a questão aqui não é o terno, e sim, a ilusão causada pela aparência.
Praticamente reverenciamos mulheres belas e bem vestidas como se fossem mais importantes, inteligentes, interessantes. Sem termos trocado uma única palavra, colocamos beldades no topo da pirâmide social, simplesmente pelo visual.
Assim acontece com tudo que vemos. Carros belos e possantes nos levam a crer que transportam pessoas realizadas e felizes, casas enormes e impecáveis nos fazem crer que abrigam famílias perfeitas e afortunadas, e por aí vamos.
Enquanto a minha amiga organizada - dona de uma casa impecavelmente limpa de paredes de massa corrida intactas - relatava a visita à casa engraçada da nossa amiga desorganizada, pude visualizá-la chegando com sua bela mala de rodinhas (que raramente rodaram), e perguntei em silêncio a mim mesma: Qual das duas carrega menos peso?
Não pense que sou amiga traíra, que sorri pela frente e faz careta por traz. Tomei minha amigas como exemplo, mas me coloco no mesmo plano. No plano das pessoas que ainda são ludibriadas pela aparência. Que acham que pacotes bonitos contêm os melhores conteúdos. Leia-se aí: pessoas, carros, casas, empregos.
Não nego ser enganada pela impressão, sempre que vejo imagens de pessoas em aeroportos carregando suas bolsas, malas e valises decoradas com hologramas famosos (Louis de Tal, Victor das Tantas). É como se eles tivessem superpoderes! O superpoder da aparência.
Até entendo porque tanta gente vive querendo comprar “poder” falsificado.
Mas depois da visita da minha amiga à nossa amiga desorganizada (viajada e feliz), chutei de vez todo e qualquer resquício de aparência que ainda poderia me fazer escorregar.
Se tiver de optar entre uma mochila sem marca ou uma mala de rodinhas e hologramas cobiçados, (não penso nenhuma vez) escolho chegar mais longe.

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1 comentários:

By Veruska disse...

Adorei o texto!!! Acredito que se todos fossem como sua amiga mochileira, haveria realmente mais felicidade entre as pessoas, acho que até as amizades seriam mais verdadeiras e duradouras se não houvesse sempre aquele olhar de "inveja" e de um querer mostrar que "tem" mais que o outro, mesmo tendo uma vida vazia..vazia de conhecimentos e de sonhos verdadeiros...e não sonhos copiados.
BJuss

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