Vovó e o lobo


Há poucas semanas fiquei espantada e, consequentemente, inspirada por um crime feminino. A assassina das malas absorveu algumas horas do meu pensamento, disparou o alarme da sala dos meus assombros, furtou murmúrios de pavor e me rendeu uma crônica.
Há poucos dias, outra matadora tomou para si minha atenção, penetrando em minha mente, disparando a campainha do quarto das fantasias e me rendendo boas risadas.
A vovozinha homicida remexeu em cada uma das gavetas em que guardo conceitos, preconceitos, teorias, opiniões, causando uma bagunça completa.
Jamais imaginei que, algum dia, pudesse achar graça de um crime. Até assistir a entrevista da senhora gaúcha, de 87 anos, que acabara de matar o ladrão que entrou em seu apartamento, enquanto ela dormia. Claro que me dei conta da minha heresia.  Até olhei para o lado, a fim de conferir se alguém de carne e osso teria testemunhado o meu desatino, e para o alto... Mas como, igualmente, não havia nenhum sentinela celestial, soltei a gargalhada reprimida.
Devo estar perdendo o juízo, pensei durante o banho (tenho uma leve suspeita do que pode estar causando o disparo da conta de energia da minha casa). Eu, que há semanas atrás critiquei, com todos os verbos e adjetivos que o poder da escrita me concede, a mulher que matou o marido e o despachou em três malas para o mato; não consigo deixar de rir ao rever a confissão da senhorinha gaúcha, acometida de artrite e que mal consegue caminhar sozinha: “Pensei, é ele ou eu. Então, decidi que seria ele.” E, com um revolver calibre 32 consumou sua decisão.
Fui remetida à história do lobo mau (aquele que engoliu a vovó da Chapeuzinho Vermelho inteirinha),e voltei de lá com uma explicação plausível para o meu desvario.
Deve ser o cansaço de ouvir e ler sobre a crueldade do lobo ( das histórias infantis e de gente grande), sobre as vovozinhas indefesas ( vovozinhos, criancinhas, mocinhos, mocinhas...também). De saber da ferocidade com que os malvados têm adentrado nas casas, nos carros, nas lojas, nas vidas, e furtado cada um destes itens impunemente.
Deve ser a nostalgia dos tempos em acreditava em super-heróis, em mocinhos justiceiros, policiais leais e poderosos. A saudade de bater os pés e as mãos, ao ver o bandido levar a pior.
Sou defensora dos direitos humanos, repudio todo tipo de violência contra os seres,  dos hominais aos vegetais. Por conta disto, sou uma incompetente matadora de moscas.  Mas, convenhamos, de tanto ver a maldade fazer chacota dos indefesos, assistir a frágil senhora sair ilesa da cena do crime, me causou exultação (imoral?).
Ok! Confesso o meu delito (aplaudi a vovó). Mas firmo minha defesa no argumento de que o meu ato é resquício da minha formação em fábulas. Onde o lobo não saía ileso para contar a história, pelo contrário, ia parar no fundo do rio com a barriga cheia de pedras, que era para não correr o risco de voltar. E a vovozinha...vivia feliz para sempre!

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