Se eu fosse vocês




Estive pensando na intrigante frase: “o que você faria se fosse...”, e digo que esta não é uma questão muito fácil de responder. É complicado dizer o que você faria, caso fosse alguém que você não é.
Contudo, em algumas situações específicas, destas que ficam latentes dia e noite persistindo até nos sonhos (ou pesadelos), eu tenho a resposta na ponta da língua (e dos dedos também).
Se fosse compositora de música sertaneja entraria com processo de danos morais contra o segmento musical que se diz sertanejo, mas que só sabe compor (se é que se pode denominar composição qualquer porcaria escrita) hinos à promiscuidade e à bebedeira. Coisinhas estimulantes, do tipo: “Sou simples, mas eu te garanto eu sei fazer o lê lê lê lê lê lê”, ou, “delícia, delícia, assim você me mata. Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego”.
Se fosse universitária faria um movimento de protesto contra o estilo de música vulgar de vocabulário tosco e ideologia obscena que intitulam “universitário”, a fim de banir a terminologia acadêmica. Uma vez que sentiria vergonha em admitir tipos que dizem: “O mulher, vem ni mim com os dois pé e eu faço o que ocê quise”, ou, “você não escapa não. Se eu te pego ham. Se eu te beijo ham. Se eu te pego ham ham ham ham ham”; como sendo parte da turma.
Se eu fosse mãe de jovens que ouvem, cantam e coreografam os “hits” fuleiros, que  falam: “Ô mãe, relaxa aí! Se você soubesse da verdade e da metade do que eu já bebi!”,ou, “  Tô curtindo o barato, vendo ela desce.  Tá perdendo a linha, descendo na balada. Com dedinho na boca, ela tá pirada”; estaria me perguntando: Onde foi que eu errei?
Se eu fosse mãe de uma criancinha que mal sabe falar direito, mas já canta coisas do tipo: “eu quero tchu, eu quero tcha. Eu quero tchu tcha tcha tchu tchu tcha; admitiria, derrotadamente, que o erro foi “eu”.
Se eu fosse professora e percebesse que, para os alunos, a música brasileira se resume a sucessos podres que convidam: “Vem ni mim Dodge Ram, Focker duzentos e oitenta,  Você tá muito diferente, Eu vou atrás, você na frente”,ou,“Vou te esperar Na minha humilde residência pra gente fazer amor, mas eu te peço só um pouquinho de paciência, a cama tá quebrada e não tem cobertor”, reforçaria, incansavelmente, o conceito de bom e ruim, certo e errado, e me sentiria exultante se, um ou outro, aprendessem.
Mas sou só alguém que não se conforma que a música, um dos mais poderosos meios de purificação da alma, seja utilizada como instrumento de apologia ao sexo, sacanagem e bebedeira.
Uma otimista que aposta que o bem há de vencer, ainda que pareça que o mal esteja em vantagem e tenha dado o melhor de seus golpes, a alienação dos valores morais.
Uma sonhadora que espera que as pessoas descubram que existe vida inteligente além da TV, e que desliguem o botão e se liguem para ela.
Uma escritora que se deu o desgosto de pesquisar as letras das músicas que fazem sucesso no país, e se permitiu a dor e a indignação de transcrevê-las nesta crônica na esperança de que “lendo” a podridão vocês consigam ver a feiura e sentir o fedor que ela possui, então, esperançosamente, quem sabe, se afastem dela.

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