Muito prazer! Eu sou você.



Com a expectativa de vida beirando os oitenta anos, eu não consigo entender por que a galera do Terceirão fica tão estressada no ano pré-vestibular. Meninos e meninas que mal conseguem traduzir sua personalidade aumentam ainda mais a incidência de espinha, dor de cabeça, garganta e estômago ao somatizarem a responsabilidade de passar (de primeira) no primeiro exame de suas vidas.
Para os que já nasceram com manual de instrução colado no bumbum fica fácil identificar a verdadeira vocação. Lembro que chegado o momento de preencher o local destinado ao curso desejado fiz uma espécie de prova eliminatória, e acabei optando por aquele que abrangesse a maior possibilidade de garantir um emprego futuro. Ainda bem que (com o tempo) aprendi a rir das minhas próprias palhaçadas.
Pode demorar para você descobrir sua verdadeira aptidão. Até mesmo uma vida inteira pode não ser suficiente. Então, por que uma das escolhas mais importantes da história de alguém precisa ser feita com tanta urgência? Por que colocar sobre os ombros destes jovens inacabados o peso de suas apostas inseguras e forçá-los a dar um passo firme e certeiro?
Leva mais tempo do que apenas uma infância e uma adolescência para você saber quem realmente é e, consequentemente, o que quer. Por isso, num primeiro momento, você corre o risco de ser o que os outros querem que seja e, se não for atento e esperto, pode passar o resto dos dias que lhe cabem sendo o que não é.
Decodificar a configuração do meu ser foi uma excursão atrapalhada por algumas tribos distintas. Nasci menina, brinquei de boneca, mas preferia aventuras. Nasci mulher, usava vestidos, mas detestava rendas e frufrus. Nasci virgem, ouvi muito rock, mas foi a música popular brasileira que ficou gravada em mim. Nasci filha, fui filha, mas sempre quis ser livre. Nasci católica, estagiei no Budismo, me descobri espírita. Nasci analfabeta, fui uma boa aluna, mas só queria escrever.
De professora à atriz, desejei ser muitas coisas. Numas apostei e errei, noutras errei em não ter apostado. Formei e pós-graduei para descobri que diploma não garante emprego, e que ter emprego e salário não assegura a felicidade. Embora tenha aprendido também (a duras custas) que alguns requisitos para ser feliz precisam ser muito bem pagos, e a moeda não é o sorriso.
Contudo, quando vejo a preocupação tomar o lugar da descontração e passar a dormir junto com a galera dos “cara espinhada”, tenho vontade de sacudi-los antes que entrem no pesadelo. Há tanto tempo pela frente. Tantos caminhos a serem explorados. Tantas paisagens a serem descobertas dentro e fora de si. Para que tanta pressa de entrar no mundo dos “bixos” presos aos títulos imponentes?
Há tantas línguas a serem aprendidas. Tantas linguagens para serem interpretadas. Tantas fórmulas a serem decompostas. Tantas equações para serem resolvidas, antes de adentrar no “campus” da complexidade das teorias prontas e cálculos exatos.
Há tanta prova a passar. Tanto que errar e se arrepender; tentar e não conseguir; querer e não ter; perder e chorar; antes de conseguir atingir a média e passar para a fase seguinte.
Há tanto que se estranhar, antes de se descobrir, que temo pelo peso da opção apressada das cabecinhas cheias de vento. Temo por anos de felicidade induzida e realização guiada pelo piloto automático.
Se for para perder tempo, para que tanta pressa? Para que errar primeiro e tentar acertar mais tarde, se é garantido acertar mais tarde se conhecendo primeiro?

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