Por que não?


 



Nunca tive empatia pelo “não”, mesmo quando era adolescente e esta era a palavra chave para abrir a porta do domínio rebelde e me exibir sentada na poltrona do ego. Dizer não para me mostrar poderosa me causava taquicardia.
O não por si só sempre me soou como o estridente apito de fraqueza. Dizer não só por dizer é uma disfarçada confissão do medo de olhar para fora de si e encarar os fatos com a visão do outro. Dizer não imediatamente, sem sequer conjecturar as possibilidades, é maneira mais escancarada de pregar as portas e janelas do seu mundo e gritar “Daqui não saio! Daqui ninguém me tira!”
Mas houve, numa certa época, um movimento social muito veemente sobre a necessidade de as pessoas aprenderem a dizer não. Como toda autoajuda, exemplos práticos ensinavam técnicas de expressar a negação diante dos fatos e acontecimentos.  Um treinamento, uma infusão cerebral da semente do não como antídoto para uma vida mais livre e leve.
Cheguei a acreditar. Ser humano é assim, propenso a assumir modismos. Basta a coisa tornar-se popular e reconhecida para você adotar como se fosse ideia ou feito seu.  Pensando bem, este hábito de copiar e reproduzir coisas feitas pelos outros é a característica humana que mais me faz crer no meu tatatataravô Macaco.
Mas não funcionou. Sair dizendo “não” só para provar o meu poderio sobre mim mesma me colocou sentada na poltrona do ego, aquela onde eu adorava ficar quando era adolescente, e desencadeou a taquicardia outra vez.
Com esta tentativa fracassada, confesso que passei a achar que EU era uma fracassada. Num linguajar mais coloquial diria que, por algum tempo, me considerei uma “boca aberta”. Lembro até de um personagem da TV inspirado em mim (o Waldir do Jô Soares). Toda vez que ouvia um desaforo ele fazia cara de abobado e dizia “Ah! É, é?” E só se lembrava da resposta que deveria ter dado, tempos depois, quando já era tarde. Waldir era o meu espelho, e eu detestava a minha imagem.
Aqueles livros de autoajuda quase me destruíram!  Quase conseguiram me convencer de que pessoas fortes, inteligentes e independentes precisam dizer NÃO com letra maiúscula, que é para demarcar seu território. Talvez tenha vindo daí o costume que algumas pessoas tem de querer “mijar” nos outros.
Quer dizer ,então,  que eu não nunca devo dizer não? Óbvio que não! O não é uma ferramenta de expressão do sentimento contrário que deve ser utilizada sim. Mas não sem antes analisar o porquê.
Um outro programa de TV mostrava um personagem ( o Zeca do castelo Rá-Tim-Bum) que adorava saber os porquês, e sempre que alguém lhe dizia “porque não” ele retrucava “porque não, não é resposta.” A resposta ao “porque não” precisa ser dada a nós mesmos. Por que estou dizendo não?
Existem tantas coisas antes de um não. O medo de perder uma posição profissional faz com que pessoas digam não a uma nova ideia. A insegurança diante de um novo desafio faz com que pessoas digam não a um novo projeto. A baixa autoestima faz com que pessoas critiquem criações de outras pessoas. A falta de conhecimento faz com que pessoas rejeitem teorias. A falta de argumento faz com que pessoas neguem uma conversa. O descontrole faz com que pessoas recusem opiniões diferentes. A imaturidade faz com que pessoas contrariem para se proteger.
Há tantas coisas antes do não. A coragem de aceitar uma ideia, ainda que não seja sua. A força de encarar um desafio que apavora. A grandeza de exaltar as criações de outras pessoas. A sabedoria de conhecer novas teorias. O aprendizado de uma conversa construtiva. O crescimento de ouvir opiniões diferentes. A maturidade de assumir-se inseguro algumas vezes.
São tantas coisas para pensar e analisar antes de dar uma resposta que quando ouço um não sem espaço para o "talvez; quem sabe", tenho certeza não de ter ouvido uma escolha, e sim uma defesa “Daqui não saio! Daqui ninguém me tira”!

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