Sem %


 
Nunca gostei de liquidação. Inexplicavelmente os enormes e reluzentes números seguidos pelo atrativo símbolo (%) pintados nas vitrines, não me atraem. Muito pelo contrário, estas inscrições hipnóticas que induzem 99, 9% das mulheres para dentro das lojas, a mim (e tenho completa noção de que isto possa significar uma acentuada anomalia em algum dos X dos meus cromossomos), me repelem.
Nem pelo telefone, quando alguma voz atenciosa dita em meus ouvidos que “todas as mercadorias estão com desconto de X%”, o X consumista da minha natureza feminina não reage.
Nunca busquei uma explicação convincente para a minha apatia diante das liquidações do que quer que fosse. O fato de não sentir tesão em possuir algo exposto desleixadamente, manuseado por centenas de mãos, provado, amassado, descartado, era a explicação satisfatória para a mania que tenho de filosofar até sobre o ato de chorar em frente a pia descascando cebola.
Não entro em fila às cinco da manhã para levar a torradeira da Ana Maria Braga, nem se ela estiver de graça, pronto e ponto.
Porém, dia destes, chorando em frente a pia descascando batatas, me dei conta de que isto acontece comigo não só com relação às mercadorias, mas às pessoas, principalmente.
Sempre fui exclusivista. Nunca tive mais do que três amigas de verdade, por fase, na minha vida. Pechincharia de abraços e sorrisos despertavam-me mais desconfiança do que a sensação de ser querida.
Estandarte do slogan “Poucas, porém boas”, nunca abri as portas do meu coração e da minha vida para a multidão de pessoas que desfilava nas calçadas da minha infância à maturidade. Selecionar pessoas para fazer parte da sala íntima das minhas emoções foi um hábito que, creio, trouxe comigo ao nascer.
Lembro que na segunda ou terceira série do primário (daquele tempo), conheci uma menininha loura de olhos azuis cativantes e a convidei para brincar em minha casa. No meio da tarde já havia decidido que os modos da garotinha que usava o casaquinho de lã sobre os ombros (feito uma adulta precoce), somado ao fato dela falar o tempo todo sobre as técnicas de como beijar guris, riscavam qualquer possibilidade de registrá-la como amiga em meu caderno da infância. Antes mesmo de a minha mãe abrir a boca para dizer “esta menina não é companhia para você”, a garotinha atravessara o portão para nunca mais voltar.
Assim como nas liquidações, existem pessoas (aos montes) querendo ser levadas para dividir os seus aposentos mais íntimos. O que, num primeiro momento, é realmente tentador. Deparar-se com algo (ou alguém) que parece ser vantajoso, rebolando na sua frente ao ritmo de “me leva, me leva”, indiscutivelmente é o maior frenesi. É difícil resistir a uma oferta!E é, exatamente, ao não resistir que fizemos os piores negócios.
Quem já não se arrependeu de um impulso, assim que entrou em casa e viu a mercadoria enfiada dentro da bolsa sem o glamour dos holofotes da vitrine? Ou tão logo colocou os pés na calçada e respirou o ar livre do ópio consumista tragado no interior dos recintos comerciais?
 Da mesma forma, quem já não sofreu no peito o prejuízo de ter bancado um relacionamento pela beleza do “produto” exposto? Quem não se culpou profundamente por só ter reparado nos defeitos quando já havia instalado alguém no coração? Quem não se arrependeu amargamente por não ter freado o impulso de levar para casa alguém que todo mundo tem?
Por estas e outras, costumo dar valor às coisas que não estão à mostra. Não me interesso por etiquetas reluzentes, prefiro perder tempo lendo nas entrelinhas até descobrir, numa frase quase invisível, a informação que tanto busco.
 As raridades é que me atraem, me fascinam e me fazem desejá-las enlouquecidamente.  Procuro modelos difíceis, gosto da exclusividade, da singularidade e, desvairadamente, da dificuldade de encontrar.
 Sou viciada em pessoas sem preço, que não se submetem ao rebaixamento por conta de um simbolozinho qualquer na vitrine das suas vidas.
Não entro e nem caio em liquidação. Sou louca por peças raras, que de tão caras não se consegue comprar.

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