Tsunami



O evento do tsunami da Indonésia, na época, mexeu profundamente com minha estabilidade emocional. Criou-se uma agitação própria da constatação da minha impotência diante dos fatos imprevisíveis, do elemento surpresa, do monstro sem nome emergindo da falsa calmaria.
Depois daquilo não houve uma só vez que eu não me postasse diante das ondas - seja nas longas, solitárias e necessárias caminhadas; seja ao reclinar na cadeira com um livro entre mim e o mar - e pensasse: “E se vocês resolverem me engolir agora?” 
Veja bem, não é a catástrofe em si que me apavora, nem o seu efeito devastador sobre a natureza e os seres, mas sim a sua subtaneidade...  O que também me remete à paixão.
É num instante de calmaria que ela costuma chegar. Exatamente quando todas as emoções estão em estado de férias permitindo-se cochilar por tempo indeterminado ou quando você, por vontade própria, resolve mandá-las dormir até segunda ordem.
Ela acontece nos momentos de desatenção, quando todas as estratégias foram vencidas e armas abandonadas. Exatamente na cena em que o coração recosta-se,  rendido pelo cansaço de tentativas frustradas, que ela adentra. Desenrolando seu próprio tapete vermelho com a pompa que lhe cabe, a paixão chega causando. E, a partir daí, nada mais ficará no lugar.
Contou-me uma amiga que o primeiro efeito colateral manifestado em si - logo que a paixão a devastou - foi ter queimado o arroz. Para alguém que passa anos e anos cozinhando o arroz soltinho mais elogiado e cobiçado da família, queimá-lo é uma consequência seriíssima! Levanta suspeita até da vizinha, ao sentir o aroma libidinoso se espalhando pelos corredores do prédio.
E quando a campainha soou o toque dos curiosos de plantão, minha amiga ensaiou a cara mais sem sal que possuía: 
—É que o celular tocou bem na hora em que eu tinha de apagar o fogo e tampar a panela para completar cozimento.
 Impossível apagar o fogo da paixão! Ele salta pelos olhos.
—Nossa! Mas você parece muito feliz para quem acabou de queimar o arroz. Ta rindo o tempo todo!
—Eu, rindo?! Ah! É o cacoete de quando estou nervosa.
Mas a onda do desvario é muito mais poderosa do que se supõe. Depois do arroz veio o efeito do trabalho, ou melhor, da falta de atenção no mesmo.
—Fulana (o nome fictício da minha amiga apaixonada), você viu aquela nota fiscal da mercadoria que chegou logo de manhã?
—Hã? Deve estar no arquivo de entradas.
—Não está. Inclusive fui procurar e vi que guardou o seu celular lá. Algum motivo especial para arquivá-lo?
—Meu celular???!!! Mas eu guardo ele neste compartimentozinho aqui da bolsa...O-o-lha aqui...achei a nota fiscal... Desculpe, ficou amassadinha.
A vida vira um caos. A cama vira guarda-roupa; o guarda-roupa vira bagunça; a pia vira armário; o armário fica vazio, assim como a geladeira. A bombona fica sem água; os filhos ficam sem lanche; o cachorro sem ração. O relógio descompassa; ora as horas passam rápido demais; ora se arrastam; ora se perde as horas. 
Sem falar do efeito físico causado pelo sangue que agita o coração que descompassa...Quase para, mas volta a acelerar. 
—Fulana! Estava reparando você lá da fila, como está linda! Que brilho é este no olhar? E no cabelo... Você emagreceu?!  Andou fazendo procedimentos, né?
— Procedimentos, como assim?
— Botox, preenchimento, lipo, progressiva...
— Claro que não! Nem tenho grana pra isto.
— O que aconteceu, então? Você está diferente!
— Hummm... Deve ser o efeito do tsunami (minha amiga se apropriou do nome fictício que dei para a paixão). 
— Vai me dizer que você esteve na Indonésia?! Naquele paraíso!
— É, conheci o paraíso, sim. Mas nem saí do Brasil!
Uma pena que como toda onda ela também passa, a paixão.

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