Conversa de travesseiro



Acabo de beijar meu travesseiro e agarrada a ele, dizer que não existe nada mais luminoso do que uma boa noite de sono. 
Ao deitar para satisfazer o sono que puxava com suas fortes mãos minhas pálpebras para baixo havia me coberto com o edredom da tristeza. Aquele que você até deseja jogar aos pés da cama para se enroscar na trama leve da felicidade, mas não consegue erguer seu peso. Com o calor mórbido da consternação me envolvendo inteira, adormeci.  
A tristeza não precisa de grandes motivos para aparecer, pelo contrário, grandes motivos chamam a ira, o ódio, o rancor... A tristeza surge das minúcias aparentemente inofensivas. Gestos dissimulados, olhares desviados, palavras indevidas.  A tristeza que aquecera meu sono chegou quando alguém sugeriu que eu parasse de amar. 
Assim, com todo impacto e letras que cabem numa frase que não se faz questão de ouvir. Como quem manda parar de fumar ou de comer alimentos gordurosos, com toda a convicção de estar fazendo o bem à saúde de outra pessoa e, no meu caso, à minha saúde emocional. 
Imagine!  Alguém que considera que o amor é a única coisa saudável neste mundo, ser instruído, alertado (praticamente ameaçado!) a parar de amar sob a pena de sentir o efeito colateral de ter de sofrer, chorar, se decepcionar, se ferrar. A receita prescrita a mim, naquele momento, sugeria que eu dosasse o amor que costumo oferecer às pessoas e coisas que me rodeiam num conta gotas. Como poderia controlar o meu vício de acreditar que - ainda que estas pessoas e coisas venham a machucar o meu coração - o bem que causo é o mesmo bem que receberei? Comecei a passar mal só de imaginar as reações que teria por conta da abstinência do amor. Fiquei inconsolavelmente doente!
Acordei sufocada por todas aquelas palavras carregadas de desalento até que de repente, entre o impulso da nona ou décima lágrima, a luz se acendeu. Sem que eu tocasse nenhum interruptor ou empurrasse qualquer tecla, tudo ficou magnificamente claro.
O guru da falta de sensibilidade, da mesma forma que escarniara o amor, havia zombado do poder das palavras, enquanto se utilizava delas para me dissuadir das minhas crenças. 
Imagine! Alguém que não viveu um dia sequer sem transformar sentimento em palavras e palavras em sentimento, ser informado, avisado (praticamente menosprezado!) de que palavras não mudam pessoas e são mera perda de tempo. Tive náusea só de pensar no tempo que havia perdido e ainda ansiava perder para jogar palavras no peito, em cada peito que não o meu.
Ironicamente aquelas palavras tiveram o poder de trazer a tristeza até mim e de fazê-la me sufocar por toda uma noite de sono sem sonhos. Exatamente as palavras de alguém que desacredita do poder das palavras haviam arruinado o meu dia me fazendo dormir coberta de agonia. Alguém que acabara de ser desmistificado por mim.
Palavras dão forma aos sentimentos; colorem paisagem; dão tom ao som; põem cheiro e sabor; fazem tudo do nada.  Contrariando o alguém que estimulou minhas lágrimas, palavras de tão poderosas podem transformar pessoas e, consequentemente, o mundo em melhor ou pior. 
Já o amor... Ah! O amor... Este possui um único e inigualável poder: faz tudo e todos ficarem melhor.
Depois de uma noite de sono sem sonhos desperto com a certeza do que sou muito mais forte. Beijo o travesseiro cúmplice e divido com ele as primeiras emoções matinais: 
 — Sabe o que vou escrever na crônica de hoje?  Que não vivo sem as palavras e prefiro morrer a deixar de amar.

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