O quarto verde



Das lembranças todas que carregamos vida afora, algumas são muito mais do que simples recordações. A intensidade com que foram vividas fica impregnada em nossa memória através da cor, do cheiro, do som, transformando-as em refúgios inabaláveis dentro de nós.
Em nossa casa de praia, dos cinco quartos construídos para abrigar intimidades e sonhos (meus e dos meus quatro irmãos) um deles foi pintado de verde, num tom de verde mais claro do que o da folha. Cor um tanto quanto estranha para se pintar um quarto, admito. Mas este foi o quarto da minha infância e adolescência feliz, o qual, ainda que a casa não mais exista, se mantém intacto em mim.
Não sou dada à nostalgia. Voltar ao passado para viver a vida que ficou por lá, não está na lista dos meus desejos impossíveis. Costumo assumir o dia que me cabe com as alegrias e tristezas que lhe cabem como, literalmente, o presente a ser apreciado, desfrutado e agradecido.
Por conta disto muitas vezes me considerei estranha e, confesso, um tanto quanto insensível. Enquanto uma amiga choramingava a dor de não poder voltar aos descompromissados verões de beleza e paixões incendiárias, eu tentava convencê-la do quanto é possível embelezar e aquecer o inverno no único tempo que se possui: “agora”. 
Atribuo esta característica a uma inquietante busca por respostas ao ”algo mais” embutida no meu DNA, e, nos dias de hoje, agradeço por, na maior parte do tempo, conseguir viver no tão aclamado “aqui”.
 O processo é aparentemente, muito simples. Você acorda, sabe que possui “X” números de horas para gastar até voltar a dormir, nas quais precisa estar presente, atento e consciente a cada segundo. Ou seja, pode-se até dar um rolê no futuro ou uma fugidinha ao passado, mas a alma continua mantendo o presente organizado, arejado, em dia.
E se é tão simples assim, por que foi preciso que escrevessem livros e mais livros ensinando as pessoas a viverem apenas os momentos que acontecem, efetivamente, em suas vidas? 
Porque nem sempre eles são agradáveis. Contrariando nossas expectativas e tantas vezes embriagando nosso livre arbítrio, a vida se apresenta num enredo ruim e nos faz protagonizar personagens sofridos, doentes, deprimentes, deprimidos, lesados, vis...
Todos tão diferentes do que sonhamos ser, quanto responsáveis por nos fazer querer fugir. Correr para se refugiar nos braços de um passado complacente ou jogar-se desesperadamente aos pés de um futuro alentador. Ambos tão longe daqui, do agora.
Não desejo retornar ao meu quarto verde, muito menos voltar a ser a menina que achava que a vida era feita de momentos doces que poderiam ser guardados em frascos para decorar a penteadeira. Aceito a condição adulta de ter que desempenhar com êxito todos os papéis que a vida exige de mim. 
Mas confesso que quando ela teima em representar a megera implacável e cruel cheia de artimanhas e motivos que me fazem sofrer e desesperar; quando sem dó nem piedade a vida me traz notícias ruins e do alto de sua magnitude não deixa nenhum vão que eu possa espreitar para ver a luz da saída; quando não encontro a saída... Desejo fugir.
Assim, vira e mexe, entre o barulho das ondas e o cheiro do mar, me refugio ao som de Rua Ramalhetes e ludibrio a felicidade, fingindo que posso voltar a senti-la outra vez na mesma intensidade que  a senti “lá”, “naquele tempo ”, no meu quarto de tábuas verdes.

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