A bruxa Zul


 
Zulmira olhou-se no espelho e não gostou do que viu. Todos os dias ela se olhava no espelho e todos os dias não gostava do que via. Tinha olhos arregalados, nariz comprido enverrugado, queijo torto e todos os dentes estragados.
Zulmira era feia de doer. Tinha cabelos vermelhos, secos e fedidos, em cima deles, um horroroso chapéu preto e pontudo. Usava um vestido tosco e comprido e uma faixa roxa na cintura. Até o espelho se arrepiava ao refletir tão horrível criatura. “Pobre Zul!” Pensava Cristalino, o espelho amigo de Zulmira.

Todos os dias era a mesma ladainha. Ao ver-se no espelho a moça se achava uma bruxa. E Zul era mesmo uma bruxa, só que uma bruxa diferente. Em vez de ficar feliz sendo tão feia, ela choramingava descontente:
— Quem disse que tenho que ter este nariz comprido, este queijo torto e estes dentes estragados? Quem disse que preciso ter cabelos fedorentos e usar este chapéu envergado? Quem disse que preciso usar este vestido ultrapassado, sujo e rasgado?

A vida não tinha sido fácil para Zul. Desde pequenina ela se achava diferente das outras bruxinhas. Enquanto todas contavam, faceiras, a primeira verruga que nascia no nariz, Zul tentava escondê-la com o pó da casca do ovo de perdiz. Ninguém entendia direito os modos daquela bruxa menina que em vez de aprender poções e bruxarias adorava misturar as flores e criar perfumaria.
Tinha pavor de aranha, medo de rato, nojo de gambá, fugia das baratas e de cobras nem queria ouvir falar. Sonhava com morcegos de tanto pavor que tinha. Mas nos sonhos da bruxa Zul cada morcego virava uma linda borboletinha. A bruxarada esperava que com o passar da idade a bruxinha pegasse gosto pela coisa e saísse pelo mundo a fazer muita maldade.

O tempo passou, Zul cresceu e ficou uma bruxa feita. Mas quem esperava que a as coisas mudassem, enganou-se. A pobre bruxa até tentava fazer as coisas perfeitas. Ensaiava a risada apavorante, testava poções maléficas com a bruxa Adelaide, tinha aula de voo em vassoura, participava da convenção anual e ouvia com atenção as palestras das mais experientes em assunto de maldade. Anotava tudo num caderno para nunca esquecer. Mas, por mais que tivesse tentado, Zul não conseguia aprender.


Como poderia ser uma bruxa normal se ainda tinha pavor de aranha, medo de rato e de barata e nojo de gambá? Como poderia estar contente se todos os dias, quando se via no espelho, desejava ser diferente?
Então um dia, depois de ter sonhado com morcegos de asas de borboleta, bruxa Zul tomou uma decisão. Ia partir sem que ninguém a visse. Na calada do dia, enquanto todas as bruxas dormissem, ela partiria. E assim o fez.
O sol brilhava alto e quente. Zul ajeitou o chapéu, amarrou a trouxa de roupa num pau e lá se foi para o alto da montanha. Queria ficar sozinha para pensar e sabia que lá em cima onde o ar era puro e fresco as outras bruxas não ousariam chegar.
Já no topo da montanha, Zul descobriu uma casinha pequena de madeira escura que parecia abandonada. A bruxa, então, cansada, se atirou no chão duro e dormiu. E sonhou. No sonho uma bela moça veio lhe falar. Vestia um vestido azul da cor do céu e tinha asas transparentes que a faziam flutuar.
— Você não nasceu para ser má. Como qualquer criança você nasceu para ser o que desejar. Para ser o que quiser basta seguir o seu coração que irá se transformar.

Zul acordou de supetão e nas palavras de seu sonho se pôs a pensar. “Quer dizer que não preciso ser feia e má? Posso fazer as coisas que pedem o meu coração? Puxa! Se for assim, de hoje em diante não serei mais uma bruxa!”
Daquele dia em diante a bruxa Zul só ouvia o seu coração. Das plantas que tanto gostava passou a cuidar. Misturava flores perfumadas, em vez da malcheirosa poção. Cuidava dos bichinhos que a sua volta vinham brincar, dava-lhes água comida e carinho. De tão feliz que estava, passava os dias a cantar.
A bruxa Zul até se esquecera do espelho Cristalino no qual se olhava todos os dias. Na verdade ela achava que aquela imagem de bruxa não deveria ser a dela. Afinal, seu coração tão bondoso em vez de torná-la tão feia deveria fazê-la bela.
 
Foi então que por descuido, certo dia, a bruxa Zul ficou de frente para o espelho. Sem poder fugir da imagem ela viu-se, com surpresa, de corpo inteiro. Esfregou os olhos com muita força e voltou a esfregar. A moça que ela via não era ela e sim aquela que em sonho viera lhe falar.
Tinha cabelos longos e macios, olhos vivos e serenos, o nariz era perfeito e o queijo era pequeno. Zul abriu a boca abismada: “Será que estava sonhando?”. Foi então que viu os dentes, brancos e lindos brilhando. A moça não acreditava, o vestido tosco sumira, no lugar do negro e rasgado, o cetim azul reluzia. As mãos eram lisas e delicadas, as unhas limpas e aparadas. Zul não agüentou, caiu de joelhos no chão sem saber se ria ou chorava. Ao ouvir seu coração e toda a bondade que nele existia a bruxa havia se transformado numa boa e bela fada.
O espelho amigo, Cristalino, de felicidade sorria. Em vez da bruxa horrorosa, era a fada Zul que para sempre refletiria.

 

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