Mesmo não crendo piamente na versão bíblica da criação
sempre nutri um apreço pelo casal Adão e Eva. Talvez esta admiração se deva ao
fato de ambos representarem desde sempre a atração e o envolvimento entre um
homem e uma mulher. Alguém cogita a possibilidade de Adão não ter cantando Eva
e Eva não ter cedido aos encantos de Adão, enquanto comiam a maçã? Eu não.
Tenho certeza que Adão e Eva se apaixonaram e namoraram por todo sempre que a
minha imaginação permite que exista. Ainda que as escrituras religiosas tenham
omitido estes pormenores sentimentais.
Gosto de pensar, assim, que o namoro surgiu com o mundo.
Fato que acabou sendo distorcido pela evolução. Em épocas arcaicas namorar chegou
a ser condição de ascensão econômica e social. E pensar que muitas mocinhas
foram obrigadas a namorar sem paixão para casar sem amor com os pretendentes
dos pais. E que moços, da mesma forma, abdicaram de suas verdadeiras amadas para
namorar mocinhas mais rentáveis.
Pois é, meus caros, a história nos conta que tentaram subornar o namoro
rebaixando-o a um mero compromisso desprovido de emoção. O que, graças a Eros,
o deus do amor (Cúpido para os mais chegados) não deu certo.
Namorar não é um estado civil a ser registrado em cartório ou servir de
complemento no preenchimento da ficha vivencial de alguém. Muito menos um
status de relacionamento sério.
Como é que o Bam Bam Bam das redes sociais, o poderoso Facebook, não sabe que
namorar é um relacionamento divertido? Namorar é um estado de espírito, quando este
está extasiante. Um rompante descompassado do coração de escancarar suas portas
e levar alguém especial para morar dentro dele.
Uma pena que existam muitas pessoas, muito mais do que meu coração gostaria,
que ainda conservam tabus com relação ao namoro e fazem dele um critério a ser
avaliado antes de decidirem entre estarem bem acompanhadas e mal sozinhas. Não
necessariamente nesta ordem.
Tal qual Lulu Santos, me faltam dedos pra contar. Só que a minha conta é de
pessoas que temem despencar do barranco das emoções e se machucarem. Tantos alguéns que se aposentaram da emoção de
enamorar-se por outro alguém e se autocondenaram às ridículas convenções para
não se sentirem ridículos, escolhendo viver no terreno plano e estéril da vida.
Ou porque já namoraram, casaram, divorciaram e creem já terem representado
todos os estados civis estabelecidos; ou porque namoraram, não casaram e
acreditam que estão condenadas ao azar de nunca mais passearem de mãos dadas
sob as luas cheias à beira mar.
Vibro de alegria ao encontrar sob os sóis das calçadas, senhores e senhoras
condenados por suas idades avançadas desobedecendo às leis do desuniverso
social, passeando de mãos dadas, enamorados.
Aliás, namorar deveria ser prescrição médica para a longevidade. Bálsamo para a
cura de dezenas de males. Antídoto para o veneno da amargura. Máscara para o
rejuvenescimento da pele. Unguento para o fortalecimento das articulações.
Calmante para as dores do coração.
Namorar deveria ser um exercício diário a ser praticado aos quinze, aos trinta,
aos cinquenta, aos setenta anos, até que o coração pulse.
Namorar sem se preocupar se vai dar certo, em casamento. Sem pensar no tempo:
um ano, dez, um mês. Namorar porque entre o quem sabe e o talvez, ser feliz só
é possível quando se escolhe o sim.
Não penso em Adão como marido, pai ou avô. Muito menos em Eva passando roupa,
trocando fraldas ou tricotando numa cadeira de balanço. Vejo os dois, por todo
o sempre, namorando felizes e só.
Gosto de pensar, assim, que a felicidade nasceu com o namoro.
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