Todo mundo possui acontecimentos guardados na caixinha das
coisas inesquecíveis da vida. Alguns que adoramos vasculhar, remexer,
revisitar. Outros que preferiríamos trancafiar a sete chaves e depois lançar,
com caixa e tudo, bem no fundo do oceano. Lista-se aí as decepções, as perdas,
os desenganos, os vexames. Do mais baixo ao mais alto grau de gravidade, estes
episódios são, ironicamente, os mais desagradáveis e marcantes também.
Lembro até o hoje do tombo que levei durante uma partida de vôlei. Aparentemente,
um fato irrelevante na vida de qualquer ser humano, se não tivesse acontecido
diante da torcida do colégio em que estudava, na plenitude da adolescência. Estatelar-me no chão diante do garoto por quem
estava apaixonada e das dezenas de candidatas a rival, deveria, realmente, ser
algo do tipo que a gente levanta, sacode a poeira e samba em cima. Mas não é.
Tudo indica que aquela cena, que reprisa até hoje em minha memória sempre que,
descuidadamente, dou “play” nos meus filminhos terroristas, é a responsável
pelo fracasso como possível jogadora de vôlei. Estou me referindo a nunca ter
conseguido ser, sequer, uma jogadora amadora de vôlei de praia. Atirava-me no
mar sempre que a alguém da galera soltava aquele grito aterrorizante: “Vamos
fazer um timinho de vôlei?!” Tchibum! Nestas horas você descobre que é
impossível matar os traumas por afogamento.
Citei um fato simples, até hilário, para exemplificar a vulnerabilidade que nos
constitui e, antagonicamente, a magnificência que cobramos de nós mesmos e
principalmente dos outros.
Não nego que, por certo tempo, acreditei que houvessem pessoas perfeitas.
Modelos com garantia de fábrica e selo do Criador. E não só procurei por elas, como tentei ser
igual. Límpida, sem manchas, sem arranhões, sem oscilações. (Recomendo que não
tentem repetir isto em casa, nem em lugar nenhum, pois é extremamente
perigoso).
Não sou perfeita! Experimente dizer isto em frente ao espelho e veja o alívio
que dá. Não tenho culpa de ser um modelo recondicionado, pelo contrário, assumo
as fissuras que me tornam única. Minha digital é formada por muito mais do que
meros risquinhos no dedo.
Ninguém é perfeito! Experimente está frase também e tente acreditar nela. O mundo é feito de gente que tropeçou na hora
em que deveria executar o passe primoroso. Gente que não consegue afogar suas
próprias reprovações, embora finja que está tudo, fantasticamente, sepultado no
cemitério das desilusões.
Não estou propondo a todos que morramos feliz com nossas falhas. Pelo
contrário, gostaria de poder excluir a frase “pau que nasce torto morre torto”
da lista dos provérbios populares. Considero-a uma ameaça ao aprimoramento
humano. Gente que decide morrer torta não tem é vergonha na cara, isto sim. Dá
pra melhorar, e muito! Mas não sem abrir a gaveta das fraquezas.
Precisei de muitos mergulhos no mar para descobrir que a saída era entrar
naquele retângulo delimitado na areia da praia e tentar acertar a bola sobre a
rede mais do que o nariz no chão, ou sentar na cadeira e assistir ao vôlei da
galera. Optei pela segunda opção. Um pouco pela preguiça e muito pela covardia
mesmo. Há muito, assumi que tenho jeitos covardes de ser. Mas tenho facetas
corajosas também. Uma delas é não ter medo de ser quem eu sou.
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