Não quero um dia só pra mim



FIQUEI tentando achar algo neste dia que fizesse dele um dia mais especial do que os outros... Não encontrei.
Então, pensei: Será que sou merecedora de um dia em minha homenagem?
Descobri que não quero a pesada carga da hierarquia angelical, e nem o desconforto da figura santificada dedicadas a mim. Isto não me cai bem!
Não quero a condição de santa. Prefiro o meu direito de errar, de surtar, de estar cansada, de negligenciar as tarefas que teimam em pular na minha frente, lembrando-me que sou eu (somente eu) que terei que executá-las. Prefiro muitas vezes ser assexuada, para me sentar no sofá e deixar as horas passarem enquanto leio livros, folheio revistas ou rabisco meus textos.
Não pretendo a perfeição cantada, declamada, escrita... da mulher.
A noite que entra pela janela anunciando a despedida deste dia internacional, me faz ver que esta data tornou-se comum (pelo menos para mim) porque as maiores conquistas do sexo já foram alcançadas lá atrás, por mulheres pioneiras da ousadia e da determinação. Não quero tomar para mim os méritos e os louros que pertencem a elas.
Quando me volto para o sentido comercial da data, sem querer ser a água fria que sai do balde para encharcar as calorosas homenagens espalhadas por todos os cantos, concluo que não gostaria de ganhar presentes hoje.
Nada que pudesse ser pago para representar o meu valor. Nada que fosse grandioso para mostrar a minha grandeza. Nada que fosse caro para mostrar a minha importância.
O maior presente, a maior recompensa, a incomensurável homenagem, veio num cartão que o meu filho escreveu e que prendi sob dois ímãs em forma de coração decorando a geladeira. Numa caligrafia irregular, de uma ortografia inexata ele declarou: “Você é a minha ‘lus’ e a melhor mãe que ‘esiste’.”
Desejo ser assim compreendida em minha imperfeição pelo resto dos dias do ano. Prefiro que me aplaudam pelos 365 dias em que sou apenas e humanamente mulher, do que ter um dia só para mim.

(Esta crônica faz parte do meu livro Na sala de espera.)

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