Mensagem na garrafa



Ao ouvir o cantor Lenine dizer que imagina que, num futuro distante, alguém poderá ouvir suas composições e, através delas, saber a quantas andava o mundo nesta época; lembrei-me da brincadeira da mensagem na garrafa e fiquei matutando o que escreveria, caso fosse relatar o mundo atual numa mensagem e jogá-la ao mar desejando que fosse encontrada daqui a muitos anos.
 Meu rascunho ficou mais ou menos assim.
“ Me sinto assustada. Ainda que nenhuma grande guerra esteja efetivamente dizimando a população do planeta, uma imensa destruição está acontecendo. Uma devastação calada, disfarçada, quase imperceptível vem aniquilando o mundo, tal o carrasco encapuzado que não revela a cara para não parecer que é mau.
Valores estão sendo extirpados. Os poucos que ainda sobrevivem estão seriamente ameaçados, devido aos novos padrões sociais incutidos e predatórios.
A felicidade passou a ser mensurável. Ninguém consegue ser feliz sem adquirir tudo que é anunciado como necessário. Os que não ganham suficientemente para isto vivem infelizes. Alguns, inconformados, passam a trabalhar mais para ganhar mais. Com isto, deixam de viver, ficam doentes e morrem mais cedo. O mais estranho, para não dizer bizarro, é que os que ganham o suficiente para adquirir tudo o que querem acabam descobrindo que a felicidade não esta à venda.
Por conta disto, os  tranquilizantes e antidepressivos são os novos deuses desta era, onde a espiritualidade perde cada vez mais o sentido e, consequentemente, a eficácia. Como efeito colateral, os subornos religiosos acontecem escancaradamente, e a disputa entre as incontáveis denominações dos templos de Deus faz as Cruzadas da idade média parecer duelo de guris.
E mesmo com todos medicamentos disponíveis para domar a loucura, o amor endoideceu. Perdeu completamente o senso emocional e passou a expressar-se de maneira materialista, racional e prática. Ama-se pelo padrão visual, pelo padrão financeiro, pelo padrão comodidade, não necessariamente nesta ordem.  Com toda esta desordem o sexo anda levando a melhor. Soube que tem se apresentando como uma versão atualizada do velho amor que ficou obsoleto.
O respeito vai na mesma onda. O que antes era pactual entre as pessoas foi rescindido. A exemplo de pais que passaram a ser comandados pelos filhos e, consequentemente, têm lançado no mundo garotas e garotos mal educados, egoístas, presunçosos e preguiçosos;  e de professores que são escandalosamente desrespeitados pelos filhos dos pais reprimidos.
Por sua vez, a natureza vem sendo tratada como parede de quarto de jovem revoltado.  Pessoas se acham no direito de pichar, borrar, sujar, quebrar, cagar... só para extravasar a energia que está ocupando o lugar dos próprios neurônios. Indefesa ela se protege do único jeito que sabe e pode, atacando violentamente.
A política continua a mesma, só que muito mais poderosa e impune. Os governantes são capazes  de mandar  apagar a lua, caso decidam ser mais lucrativo (aos próprios bolsos)  manter o sol aceso 24 horas por dia. O povo disfarça uma indignação moribunda, mas acaba se revelando o cúmplice que reivindica tim-tim por tim-tim, sua parte na falcatrua.
Diante deste quadro, a saúde pública vai de mal a pior, o desemprego está cada vez mais robusto e a educação mais parece uma puta pobre querendo posar de vedete.
A droga é o grande vilão. Cartéis do tráfico comandam todos os escalões hierárquicos do executivo ao judiciário. Os poderosos estão cada vez mais ricos e os desprotegidos cada vez mais viciados. Neste ínterim, a violência passou a fazer parte da rotina do mundo tornando assassinato, estupro e roubo, mistura do café da manhã.
Enfim...
Talvez seja exagero da minha parte.  Quem sabe eu devesse descrever este mundo com o lirismo de poeta ou a criatividade de um contista. Quiçá desenhá-lo lindamente e guardá-lo na garrafa. Mas não posso!
Encontro-me alarmada. Temerosa de que se o fim do mundo não acontecer ainda este ano, conforme está previsto, do jeito que as coisas estão não demorará muito a acontecer.
Contudo, se esta mensagem conseguir singrar os mares até chegar ao futuro e cair nas mãos de alguém que lê (pois estão desaparecendo), embora já não exista para comemorar, ficarei muito feliz (onde estiver) ao descobrir que estava redondamente enganada.”
                                                                                               Léia Batista
                                                                                             Março de 2012

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