Brigadeiro de menta


Antes de qualquer coisa, preciso contar sobre as outras pessoas que já viveram em mim. Não se trata de uma carta psicografada revelando meus papéis em outras reencarnações, mas sim, a confissão de alguém que já se deixou habitar por tipos ambíguos e um tanto quanto funestos, em determinadas épocas da vida, nesta vida mesmo.
A primeira personagem que assumi, logo que larguei a infância, foi "A Rebelde". Sem nenhuma causa, mas por causa de tudo e de todos, eu era do contra. Na época cheguei a pensar que me tornaria uma guerrilheira, uma ativista política, porta-bandeira das injustiças sociais e também das familiares. Estas últimas, de tão insuportáveis, me levavam a confinar-me praticamente o dia todo em meu QG (Quarto de Guria) e, automaticamente, me converteram em uma "Menina Má".
Pra completar, não sei se por consequência, coincidência ou congruência dos fatos, além de megera, me sentia excluída, diferente, o “Patinho Feio”. Até me transformar em “Cisne”.
Já reparou que de peito empolado, pescoço erguido, bico empinado e nenhum farfalhar de penas, o cisne não nada, desliza? O quanto ele parece egocêntrico e arrogante? Eu era o próprio.
No meu jeito cisne de ser, vivi como se o vento jamais fosse soprar e formar ondas que bagunçassem a minha performance linear.Até que resolvi virar “Pata”.
Sabe, a pata que adora chocar ovos e esperar nascerem seus patinhos? Também fui assim. Contudo, acrescentei mais algumas atribuições ao papel tradicional da ave. Eu era pata mãe, pata dona de casa, pata esposa, patroa, enfim. A figura perfeita para estampar o avental de cozinha.
Mas aí, comecei a achar que, além de pata, estava me tornando “Chata”.
Existe coisa mais chata do que alguém que só fala (e pensa) nos filhos, marido, casa, empregada, faxineira, jardineiro? Quando lembro que poderia ter impregnado esta coisa chata para sempre, tenho calafrios. Saltei de banda! Tem certos papéis que definitivamente não servem para você, ainda que paguem bem.
Até que, finalmente, resolvi assumir de vez o mais difícil de todos os personagens: “Eu Mesma”.
Não se engane, encarnar estereótipos, vestir figurinos, desempenhar scripts, é moleza! Lidar com o próprio eu é que são elas!
Leva um tempo para acostumar a ser legitimamente você. E uma das etapas cruciais para manter a própria identidade é reconhecer-se em suas fraquezas. Listar um breve dossiê dos tipos de pessoas e de papéis que já representei é uma fórmula, não só de me conhecer, mas de compreender as outras pessoas em seus papéis.
Fica tão mais fácil entender os adolescentes rebeldes de agora; as meninas complexadas; as pessoas arrogantes; as mães incorrigíveis; as mulheres submissas; lembrando que, em algum momento, já fui assim. Julgar, condenar e detestar pessoas pelos defeitos que verdadeiramente possuem, não fará com que elas mudem e ainda estressará você.
Assim, quando me pego mordendo o lábio de irritação porque uns e outros resolvem encarnar tipos desagradáveis para cima de mim, lembro que se estiver consciente, firme na condição de ser eu mesma, nada me atingirá. Respiro fundo, e tomo para mim o controle da situação. Funciona!
Outro dia, quando topei com um bando de cisnes (do tipo que citei aí em cima) querendo posar de donos da lagoa, confesso que o primeiro desejo que tive foi espantá-los a pedrada. Mas lembrei da velha técnica de controle da situação e, em vez de pedra, juntei algo que tenho verdadeira paixão, para afugentá-los.
   − Senhoras, experimentem este maravilhoso brigadeiro de menta, é um presente meu.
Não mudei a condição de cisnes daquele bando, tampouco era este o meu objetivo. Apenas, fiz com que abaixassem o pescoço por algum momento e provassem algo doce, para variar.

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