Amor até a última vista


Das fantasias de criança lembro que incorporar o papel de cúpido era coisa corriqueira. Bastava algum apaixonado deixar escapar um suspiro para um cupidinho (ou vários) da turma sair correndo a espetar o coração da vítima daquele amor: “Serginho, a Aninha gosta de vocêêê!”. E, como paciência para esperar o efeito da flechada era algo que ninguém possuía, o anuncio era imediato: “Namoradinhos, namoradinhos!!!”
O bacana de ser criança é a leveza que sustenta o que ela faz. Aproximar corações era apenas uma das muitas diversões que podíamos optar durante o dia todo. Éramos cupidos sem maiores responsabilidades. Formar pares perfeitos ou imperfeitos, tanto fazia. O objetivo era sair dando flechadas.
Crescer, além de outros pesos, é carregar seriedade em tudo o que se faz. Até o anjinho fofo e pelado, precisa transportar juízo junto com sua munição de flechas.
Aproximar duas pessoas adultas é muito mais complexo do que enviar um bilhetinho anônimo. A estratégia de armar para que as vítimas (do amor) sentem lado a lado, quando não mais frequentam sala de aula, não utilizam ônibus escolar e já passaram da idade da inconsequência, é uma trama digna de filme de espionagem.
Se, se apaixonar por alguém depois dos trinta e tantos já é algo complicado, imagine tentar fazer alguém se apaixonar por... Praticamente uma odisseia!
Perceba que estou me referindo à faixa etária que (creio eu) já passou por todos os processos de desenganos e não acredita em papai Noel, coelho da páscoa, homem do saco, príncipe encantado, bilhete premiado e...amor à primeira vista.
Falo de homens e mulheres que arrancaram a película de nuvenzinhas azuis de suas janelas e enxergam a vida com as tempestades que lhe cabe. Os mesmos que fazem o cupido tremer.
A natureza, a divindade, os astros, os smurfs... Dê a quem quiser os méritos (ou deméritos) do ciclo que nos faz amadurecer. Bem ou mal, vemos o amor passar pelas categorias de conto de fadas, romance, comédia, documentário até chegar ao drama da vida real.
E é bem aqui, na vida real, que encontrar alguém para amar e ser amado vai muito além do kit: corpo perfeito, carro possante, emprego perfeito, conta possante.
O conselho mais sábio que já ouvi sobre como encontrar e manter um amor pela vida toda recomenda escolher alguém com quem se goste de conversar, que é para que quando tudo ficar insignificante (emprego, carro, corpo...), restarem os enriquecedores momentos de conversa.
Não é a mais pura verdade? Quando vejo casais sentados em lugares públicos mirando cada qual sua paisagem, um olhando para o norte e o outro para o sul, mais mudos do que as cadeiras que os sustentam, não consigo deixar de pensar: “Que triste, eles não têm mais nada em comum”.
Será que o amor de duas pessoas que não possuem nada em comum, sobrevive?  Aposto que não. Assim como acho que os “diferentes” é que se atraem, e não os “opostos”.
Me aponte quem consegue conviver e, consequentemente, amar alguém estritamente diferente de si, que eu mudo de ideia. Diferenças são necessárias, mas, como tudo, quando dosadas.
Ainda adolescente, depois de ter namorado um jogador de futebol e ter de passar muitas tardes de domingo em arquibancadas (ou sofás) assistindo a jogos de futebol que detestava, prometi, a mim mesma, ser mais criteriosa na próxima escolha. Bastava que tivesse um chaveirinho de time de futebol para o candidato ser eliminado.
Afinidade é essencial.  Adoro viajar, sair para ouvir música, assistir a filmes, ler, escrever. Tenho buscas pessoais e dúvidas espirituais... Se não puder juntar meus verdadeiros “pertences” com os da outra pessoa e, juntos, criarmos o nosso “espaço”, não restará quase nada para sustentar a relação. O silêncio, com certeza!
Na última vez que empunhei minha flecha e cutuquei uma amiga para que prestasse atenção em um amigo (e vice-versa), sabia que tinham muita afinidade. A fechada foi certeira! Juntos há quase um ano, ambos, me agradecem.
Posso até ter criado juízo, mas perder a chance de brincar de cupido? Capaz!

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