Acho que enquanto Deus está preocupado em atender bem as
pessoas, o Diabo se especializa em estratégias de marketing.
Perceba o quanto a notícia ruim bate em seus ouvidos minutos após ter
acontecido, enquanto as boas, muitas vezes, você nem fica sabendo. Coisa ruim
se alastra rápido e pega fácil. Gripe, conjuntivite, piolho, sertanejo
universitário e funk estão aí para comprovar. Coisa ruim vira epidemia, moda,
hit do momento.
Na última mesmo o capeta se superou. Pasme! A humanidade está cultuando o
desapego.
E não estou me referindo ao
desprendimento da matéria, não. O povo está divulgando, curtindo e
compartilhando o desapego entre as pessoas mesmo.
Redes sociais escancaram a campanha da vez, se relacionar sem se apegar. Caras lindos, bombados (e abobados) ilustram
avisos ridículos: “Não te apega. Eu não presto”. Mulheres lindas, malhadas (e mal amadas)
anunciam em seus murais: “Eu pego, mas não me apego”.
A palavra desapego ganhou peso, glamour, status. Pessoas enchem a boca, orgulhosas,
para afirmar que praticam o desapego, assim como vão seis vezes por semana à
academia.
Como assim?! Devo acreditar que é bacana pegar e ser pega, mas não me apegar?! Quer
dizer que a minha matéria pode ser apalpada, usufruída, desfrutada, pois o desapego
se restringe ao sentimento, à emoção, ao meu espírito?
Outro dia uma amiga me contou que o namorado, depois de quase um mês de sumiço,
voltou cheio de amor para dar, mas quando ela perguntou quando iriam encontrar-se
novamente, ele pulou feito um gato, eriçou os pelos e foi logo intimando “Bah!
Não dá para gente praticar o desapego?” Minha amiga ficou pensando. E quando
perguntei (abismada!) por que ela não mandou o bonitão para o quinto dos
desapegados, confessou envergonhada que não quis parecer antiquada.
Socorro! As pessoas estão sendo abduzidas! Uma mulher deve se sujeitar a ser usada como
uma TV, um computador, um celular, um automóvel, quando o outro sentir vontade
ou necessidade, só para ser moderninha? Calar o desejo de ser amada, desejada e
respeitada todos os dias pela mesma pessoa, para não parecer retrógada? Ser
pega como uma boneca inflável e depois esvaziar-se num canto muda de tristeza e
murcha de amor?
Minha amiga apaixonada pelo desapegado ficou confusa, seu amor tornou-se
sobressalente de uma hora para outra. Um estepe que dificilmente se usa; um
peso de papel enfeitando a mesa do escritório; um vaso vazio aguardando pelo
próximo buquê; um jogo de jantar que nunca saiu da caixa; uma garrafa de vinho
na adega de quem não bebe.
E agora, o que se faz com o amor na era do desapego? Quando a troca de olhares
não passa de um convite para a pegação, o beijo é a aceitação explícita do tal
convite, e o sexo mera necessidade fisiológica? Tudo feito sem expectativa.
Esperar uma ligação no dia seguinte? Não confesse isto nem ao seu cachorrinho,
para não correr o risco de vê-lo rir em vez de latir.
Imagino que, depois da proposta “desapegadora” do suposto namorado, a minha
amiga acabou descuidando do seu amor, abandonando-o ao pó e às traças, destino certo
das coisas sem utilidade. Até desapegar-se totalmente. O que não significa que
os dois não continuarão se pegando.
Entendeu a “ilogística” do processo do desapego?
Vai dizer, então, que isto não é trama do capeta? Eita! Marketeiro bom dos
infernos!
Por sorte ou azar (ainda não estou bem certa), Deus me fez imune aos modismos
superficiais e ao consumismo vazio. Caretona assumida, não pego, nem me deixo
pegar, não entro em promoções, nem me liquido.
Sou do tempo da paixão, do sangue quente, do sonhar acordado, de esperar o dia
seguinte cheio de mensagens e expectativas, do amar sobre todas as coisas. Sou
irrecuperável! Não tem jeito, nem transfusão, eu me apego irremediavelmente.
Se houver algum sobrevivente da minha espécie, faça contato. Precisamos nos
proteger.
0 comentários:
Postar um comentário