Melhor nem começar



- Mãe! A máquina de lavar roupa parou!
A máquina que espere! Não tem cabimento eu parar no meio de um texto, porque as roupas umidazinhas querem tomar sol. Agora não! Agora o canal que me liga ao vale das inspirações está completamente desobstruído, permitindo-me deliciar-me com as idéias... O que ia escrevendo mesmo?
- Quem colocou a água para ferver? Está fervendo há uma hora!
Fui eu. Lógico que fui eu! Quem mais nessa casa pensaria em fazer um café passado? Este fato ninguém considera, mas o alarme da água afogueada saindo da chaleira é culpa exclusivamente minha. E lá eu tenho culpa! Se em meio a uma colherada e outra do pó despejando-se no filtro me deu uma coceira?
Êta, coceira danada que não escolhe momento para atacar! Comichão gostoso daqueles que é melhor nem começar, senão não consegue parar. E quem disse que me contenho? Largo o pó e o bule; esqueço a água na chaleira e me ponho a coçar, ou melhor, a escrever.
- Já desliguei o fogo, o que faço agora?
Café, meu amor! Despeje a água fervente sobre este saquinho branco recheado de pó marrom e faça brotar café. Por que as coisas são tão complicadas para quem não quer fazê-las? Alguém mais nesta casa poderia fazer aquilo que não gosta enquanto estou ocupada fazendo o que amo? O que eu estava escrevendo mesmo?
- Mãe! Não vai estender a roupa? Daqui a pouco chove!
E não é que chove mesmo? Saudade daquele tempo em que bastava olhar para o céu da manhã para ler como seria o resto do dia. Foi-se o tempo em que minha região era regrada. Primavera era primavera; verão era verão; outono era outono e inverno era inverno. Nada da natureza ficar causando surpresinhas sem graça ou sustinhos desgraçados. Parece mais uma mulher em meio a TPM (ou seria menopausa?). Pior que quem sofre com todo este desequilíbrio somos nós. Raios!
Raios agora não! Bem na metade do texto. Dá um tempo São Pedro! Tô aqui no maior entusiasmo, curtindo esta coceirinha gostosa, me arranhando de tanto escrever. Fiquei mal com as roupas impacientes; já mandei alguém tomar... Café! Agora vem esta ameaça covarde carregada de eletricidade me obrigando a desligar o computador? Tenha dó!
Dá até pra contar em verso. Sabe como é?
Depois que começo é difícil parar. Não adianta chamar, gritar espernear, não me levanto enquanto não finalizar. Não é birra, nem capricho. Quando começa o comicho é pegar ou largar. Se pego, quem diz que quero soltar? Não antes de concluir. Não sem alcançar o último ponto final. Sou louca de soltar a linha? Vai que a idéia voe desgovernada e caia estatelada no quintal. De uma casa que não a minha. Volta pra mamãe queridinha!
-  CABRUMMMM!!!!!
Minha nossa, tá feio! E eu já no último parágrafo! Melhor aproveitar o tempinho entre um relâmpago e outro. Chegar ao ápice e não gozar? Ninguém merece! Ainda tenho um minutinho ou dois...Sobre o que eu estava escrevendo mesmo?
De esquecer a roupa, a água, o café; de não lembrar. De começar e não parar. De não querer interromper, a coceira danada de escrever. Nem tudo é perfeito. O tempo não é só meu, fazer o quê? Vai que são Pedro se irrita e manda um raio cair bem no meio do meu micro. Aí não! Matar minhas jóinhas, minhas crônicas, poeminhas ... Isola! Bate na madeira! Já estou quase no final. Vai aliviando a coceira. Tudo volta ao normal. Pronto! Lá fora está um caos. Ponto.

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