“Se você me pedisse para saltar de paraquedas de um
helicóptero agora, eu o faria”. Proferiu esse pensamento com tamanha emoção que
quase pude vê-lo plainando entre as estrelas do céu, naquela noite.
De quem se espera ouvir uma frase como esta? Se não tivesse sido dita a mim,
juraria se tratar de um jovem em pleno vigor das faculdades aventureiras ou de alguém
no ápice da desilusão existencial, ambos querendo encarar a vida de cima só
para cuspir-lhe de coragem e provar que, em alguns momentos, não é ela quem
manda.
Mas foi um homem maduro e muito bem sucedido profissionalmente e,
aparentemente, de bem com as questões amorosas que confessou isso a mim, um
segundo após eu lhe ter perguntado: “Você é feliz?”.
Mas o que lançar-se de paraquedas no colchão negro do céu tem a ver com ser ou
não ser feliz?
Também tive este lapso de estranhamento até que, mais rápido do que o girar de
pescoço da coruja que nos observava sobre a cerca de madeira, ele esclareceu:
“Faria qualquer coisa para ter a sensação de felicidade, pois mesmo tendo tudo
para ser feliz, não sou”.
Só quem já passou por uma situação como esta sabe o quanto ela é
desconcertante. Sorte que a noite é habilidosa
em dissimular expressões e impressões. Projetei
o meu olhar mais casual sobre a sua face esmorecida e, como todos aqueles que
não sabem a resposta a ser dada, eu repeti: “Então, você não é feliz...”. E
desta vez ele foi mais rápido do que o mosquito que acabara de picar minha
perna sem ser visto: “Não, eu não sou feliz”.
Caramba! Quem mandou eu me intrometer na vida de alguém que acabara de conhecer
naquele maravilhoso bar de frente para o mar? Poderia ter lhe perguntado sobre
a sua predileção musical, já que ele parecia animado com o repertório executado
pelo músico que ali se apresentava. Esta mania de me aprofundar nas almas
alheias ainda me enredará seriamente.
Não dá para simplesmente mudar de assunto depois que alguém lhe confessa que
não é feliz. Nem propor um brinde para quebrar o gelo: “Viva a vida!”. Muito
menos buscar a saída de emergência: “Vamos dançar esta?”.
Ninguém revela a alguém que acabara de conhecer que é infeliz para ter o
silêncio como resposta. Ainda mais quando esta pessoa descobre que você é
escritora, e que escreve historinhas reais sobre a vida que deveria ser de
mentira. Ou seja, o cara estava esperando ansiosamente que eu lhe dissesse
alguma coisa!
E o que eu poderia dizer ao senhor infeliz? Que só poderia ser nóia da cabeça
dele? Que deveria ser louco por não estar feliz com a sua profissão e,
consequentemente, com o seu salário e tudo que ele lhe propiciava? Que naquela
altura do campeonato deveria ir para a o camarote da vida e esquecer a besteira
de querer experimentar suar na avenida? Que procurasse um psiquiatra e exigisse
que ele lhe receita-se “antiefusivos” que lhe eliminasse completamente a
vontade de não se acomodar? Que tomasse um Engov e esperasse a embriaguez
passar, pois, certamente, seria ela a culpada por todos os desabafos feitos à
noite a estranhos?
Eu teria que nascer de novo, para dizer a alguém barbaridades como estas. E,
certamente, sem a inquietante alma de escritora.
“Bem-vindo ao time dos corajosos!”. Disse-lhe finalmente. E no exato momento que em que mirei sua face
- agora incrivelmente intumescida - percebi que havia encontrado as palavras
certas e que ele havia compreendido exatamente a complexidade do simplismo que
ela contém.
Ninguém recebe o rótulo da felicidade colado no bumbum quando nasce junto com
as palmadas que o forçam a respirar. Ninguém consegue ser feliz o tempo todo,
em tudo. O mundo é feito de dois tipos de gente. O que é infeliz e o que busca
ser feliz. Ou, em outras palavras, os acomodados e os corajosos.
E resolvi terminar a conversa com brilhantismo que ela iniciara “Olha,
helicóptero e paraquedas a esta hora da noite é complicado, mas a cinquenta
metros daqui há uma rampa de parapente. Amanhã, cedinho, com vento ou sem vento,
eu desafio você a saltar”.
E ele respondeu: “Vamos dançar esta?”.