Desejo que você queime





LINDAMENTE poetizaram que a paixão é chama. Então, há muito aprendemos que, como chama, a paixão se apaga.
E o apagar deste sentimento ardente, deste calor vivificante, desta loucura revigorante, na maioria das vezes acontece, imperceptivelmente, devagarzinho. Como se uma brisa mansa, mas perversa, soprasse um pouquinho a cada dia, até extinguir completamente o fogaréu sentido.
Quando a gente dá por si está no meio do amontoado de cinzas soprando para ver se encontra uma fagulha perdida que reacenda o fogo e todo o resto.
Muita gente prefere guardar para si este acontecimento, escondê-lo embaixo das cinzas e seguir soprando.
E o que vem a ser isto, senão mais uma prova de que as pessoas vêm dispensando os sentimentos? Mais uma amostra de que na estatística da vida está cada vez mais fácil descartar o SENTIR?
Tem gente que consegue viver sem tremer, sem ferver, sem desejar, e contenta-se em desfrutar a insipidez da chama branda, que aquece, mas não queima.
Ao folhear os poemas do passado e ouvir o brado dos poetas apaixonados, me ponho a indagar: Onde foi parar este amor ardente? Por onde anda este sentimento desvairado que vivifica a alma e alimenta o coração? De onde vem este sopro forte que está apagando as emoções?
Não me diga que é a cara do futuro que chegou para morar aqui. Não me fale que é a culpa do tempo que fugiu de nós. Não se justifique como um sobrevivente pós-guerra que só sabe lutar. Não quero me unir a esta legião.
Digo-me poeta, escrevo aos corações as cartas ditadas pelo meu.
Então decreto que o calor inflame, que a chama queime e que o amor arda até que ela se apague.
E ao apagar-se – posto que não seja infinita – não se extinga feito cinza, mas fulgure como faísca. Pronta a acender a um soprar mais forte.
E quando ao coração não restar mais o ar que à paixão incendeia, que ainda assim seja brasa, para aquecer a morte.

  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • RSS

0 comentários:

Postar um comentário