Apesar de você e de mim



ALGUÉM inventou de dizer que às vezes uma estranheza lhe abatia; que sentia destoar do resto do mundo; que achava sua vida perdida no meio de tantas outras vidas.
E foi taxado de louco.
Descobri, então, que conhecia e convivia com dezenas de loucos. Todos iguaizinhos a mim.
Quem não se estranha de vez em quando, como se estivesse fora do contexto? Quem nunca esteve perdido, e se deu conta de que a vida acontece apesar de si?
A vida continua apesar de toda a loucura. Apesar de você e de mim. Apesar de todos os poréns e porquês.
Ainda que tudo esteja fora de prumo, que a casa tenha desabado, que o seu eu esteja queimando.
Ainda que as apostas tenham sido perdidas, que você tenha caído, que esteja tentando se reerguer.
Pouco importa que precise se entupir de remédios para cumprir a tarefa de manter-se vivo. Que esteja preenchendo o vazio com cigarro e álcool na intenção inconsciente de aniquilar-se. Ou que, neste instante, tenha desistido de viver.
Mesmo que você já não exista a vida segue. Use e abuse do clichê, realmente, a vida não para.
Como desejei isso! Como sonhei freá-la. Como tentei, com um mover de nariz, fazer tudo congelar ao meu redor para eu poder encará-la: “Então, senhora impiedosa vida, deixe-me analisá-la assim parada, com todo o tempo de que preciso para descobrir o que nós duas temos em comum.”
A vida segue para fazer você crescer e descobrir que as feiticeiras só existem nos seriados da TV, para entender que ela é infreável e imortal, apesar de quem quer que seja.
Que apesar de você e de mim o dia renascerá amanhã, indiferentemente se dormimos ou tivemos insônia. Se, sonhamos ou tivemos pesadelo. Se estivermos vivos ou não.
Amanhã haverá outro dia, mesmo que um de nós não queira.
A vida não pára para explicar-se.
Então, não diga que é louco quem parou para tentar entendê-la.

(Crônica do meu livro na Sala de Espera)

  • Digg
  • Del.icio.us
  • StumbleUpon
  • Reddit
  • RSS

0 comentários:

Postar um comentário